MILTON CORRÊA
DIRETAS JÁ COMPLETA 30 ANOS: DEPUTADOS LEMBRAM DIA DA VOTAÇÃO E PRESSÃO DOS MILITARES POR REJEIÇÃO DA EMENDA
Agência Câmara de Noticias
Em uma sessão cercada de tensão, com as galerias da Câmara cheias, não houve votos suficientes para aprovar a emenda Dante de Oliveira, que previa eleições diretas para presidente da República. A rejeição da emenda, porém, não diminuiu a pressão popular pelo fim da ditadura.
A campanha das Diretas Já uniu pessoas de diferentes tendências políticas e levou milhões para as ruas das cidades brasileiras. Isso indicava que a aprovação da emenda Dante de Oliveira estava garantida, mas não foi o que aconteceu. Em 25 de abril de 1984, faltaram 22 votos na Câmara para o texto seguir para o Senado. Não apareceram na votação 113 deputados – a esmagadora maioria do PDS, partido de apoio do regime militar.
A pressão dos militares pela não aprovação da emenda era grande. O então presidente, João Figueiredo, chegou a apresentar uma emenda na semana anterior à votação propondo eleições diretas para escolher o sucessor de seu sucessor. Como quiseram alterar o texto e garantir eleições diretas para escolher o presidente já depois de Figueiredo, o general retirou o texto.
O deputado Paulo Maluf (PP-SP) foi um dos parlamentares que faltaram à votação da emenda. Segundo ele, havia uma orientação do partido para que os deputados do PDS, partido de apoio da ditadura, não votassem a favor das Diretas Já.
“É uma ironia do destino, dizem que Deus escreve certo por linhas tortas. Ou, às vezes, Deus escreve errado por linhas certas. O que aconteceu é que o presidente do PDS chamava-se José Sarney. E a Executiva do PDS, partido do Sarney, que era o meu também, fez uma resolução proibindo os seus filiados de votar nas diretas. Tanto é que foi construído, na ocasião, o PFL para sair da sanção”, disse Maluf.
O senador Pedro Simon (PMDB-RS), que foi um dos principais articuladores da campanha das Diretas Já, lembrou que houve muita pressão do governo no dia da votação. “Pressão dos militares e coação de fechar o Congresso de novo e cassação dos parlamentares que tivessem votado”, afirmou. Como os militares já haviam feito isso anteriormente, de acordo com Simon, muitos deputados ficaram com medo. Ele lembra que, ainda assim, muitos parlamentares do partido governista votaram a favor da emenda.
É o caso do deputado Sarney Filho (PV-MA), que, mesmo sendo do PDS e filho do presidente do partido, votou a favor da volta à eleição direta para presidente da República. Segundo ele, a pressão das ruas e a sua idade (tinha 27 anos na época), foram essenciais para o voto “sim” à emenda.
“Eu era muito jovem, universitário ainda e, portanto, estava muito mais sujeito e exposto à pressão popular e à opinião pública. E, evidentemente, muitas dessas opiniões, dessas pressões tiveram efeito sobre a minha atitude de votar a favor das diretas”, afirmou Sarney Filho.
Para o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, que também era deputado em 1984 e votou a favor da emenda, a noite foi frustrante. “Talvez tenha sido a noite mais frustrante de que eu participei no Congresso Nacional. Era como se estivesse caminhando, chegando a um ponto de satisfação, de realização, comunhão com o povo brasileiro e, de repente, se partisse”, disse Alves.
ARTICULAÇÃO
O desânimo geral nas universidades, nos ambientes de trabalho e nas conversas de bar após a derrota da proposta contrastava com as negociações de bastidores, que ocorreram antes mesmo da votação da Emenda Dante. Antes da votação, enquanto o Brasil ainda acreditava que seria possível aprovar as eleições diretas, uma parcela da classe política, mais pragmática, começava a pensar no dia seguinte e em um plano alternativo.
Com a derrota das Diretas Já, políticos da oposição e os que apoiavam o governo militar, mas estavam descontentes com a candidatura oficial do deputado Paulo Maluf ao Colégio Eleitoral, começaram a articular a candidatura de Tancredo Neves para as eleições indiretas.
A ex-deputada Thelma de Oliveira, viúva de Dante, lembra como a escolha de Tancredo conseguiu canalizar a vontade popular. “O movimento poderia ter morrido naquele momento e não morreu. O movimento continuou, amadureceu, entendeu que era importante vir para o Colégio Eleitoral, com um nome que juntasse todas essas pessoas, todo o sentimento do povo brasileiro e com o nome do Tancredo Neves.”
O ex-deputado Domingos Leonelli era um dos escudeiros do PMDB na campanha por eleições diretas. “Na prática, a ditadura caiu com as Diretas Já, tanto é que implodiu o Colégio Eleitoral. Quando o Tancredo Neves se candidatou para o Colégio Eleitoral, aquele Colégio Eleitoral estava praticamente implodido. E ele usou na campanha dele, Tancredo, os símbolos e todo o impulso dado pela campanha das Diretas Já.”
A eleição de Tancredo sobre Maluf, o indicado pelo PDS, encerrou o ciclo militar. Mesmo com sua morte, seu vice, José Sarney, cumpriu a promessa de convocar uma Assembléia Nacional Constituinte.
CLIMA
O jornalista Ricardo Kotscho, ex-secretário de Imprensa do governo Lula, acompanhou pessoalmente os comícios das Diretas Já. Ele lembra que o dia da votação foi marcado por um clima de guerra. Brasília estava sob estado de emergência, com manifestações públicas e aglomerações populares proibidas.
“O comandante militar do Planalto era o general Newton Cruz, que fazia ameaças, que ia pessoalmente para a rua, com o chicotinho dele. O clima era o pior possível. Agora, a grande tristeza mesmo veio dos políticos”, afirmou.
De acordo com Kotscho, deputados do PDS, que pensavam em votar a favor das diretas, receberam telefonemas de Figueiredo com ameaças de um futuro sombrio para o partido. O pesadelo descrito pelo presidente da República seria a eleição de Leonel Brizola, então governador do Rio de Janeiro e uma das principais lideranças do movimento pró-diretas.
O dia 25 de abril de 1984 deveria ser de festa, mas o País foi dormir frustrado e revoltado. Por apenas 22 votos, a emenda não atingiu os 320 votos necessários para que fosse enviada ao Senado. Foram 298 votos a favor, 65 contra e 3 abstenções. Coube ao então presidente do Senado, Moacyr Dalla, anunciar o resultado, em meio a vaias do público que estava nas galerias.
“Foi uma tristeza enorme, nós fomos para a sucursal da Folha escrever, e a gente se encontrou nos bares, muita gente estava chorando, os artistas que participaram de toda a campanha. Foi uma tristeza geral”, disse Kotscho.
Mesmo rejeitada, emenda das Diretas foi essencial para volta da democracia
Mesmo com a rejeição, a emenda das Diretas Já foi essencial para unir a população e vozes de diferentes opiniões políticas por um ideal comum, a volta da democracia por meio das eleições. As manifestações das Diretas concluíram o processo de enfraquecimento da ditadura.
Após a derrota da emenda, as eleições indiretas pelo Colégio Eleitoral consagraram o candidato da oposição, o civil Tancredo Neves em 1985. O candidato apoiado pelos militares, o atual deputado federal Paulo Maluf (PP-SP), foi derrotado. Tancredo acabou não assumindo a Presidência, ele adoeceu e morreu sem tomar posse.
O vice de Tancredo, José Sarney, assumiu o cargo. Foi no seu governo que as eleições voltaram a ser diretas (período de transição democrática). Com a Constituição de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, finalmente veio o retorno da democracia.
O deputado Roberto Freire (PPS-SP) foi um dos candidatos ao Palácio do Planalto em 1989. Ele lembrou a importância das Diretas Já para a redemocratização. “O ano de 1989 é fruto de um processo de superação do regime militar. Vem na crista de um grande movimento que sacudiu a sociedade brasileira, com a derrota da ditadura em 85, que foi precedido talvez das maiores manifestações republicanas do País, que foi a campanha das Diretas Já. A Constituinte de 86 já era um prenúncio disso. Nunca se teve uma participação tão intensa em discussão dos problemas nacionais como tivemos aqui na Assembleia Nacional Constituinte”, disse Freire.
Em 1989, cinco anos depois da rejeição da emenda Dante de Oliveira e um ano depois da Constituinte, Fernando Collor de Mello foi eleito presidente com votos da população pela primeira vez depois do regime militar.
DANTE DE OLIVEIRA
A emenda das Diretas Já foi apresentada em 1983 pelo deputado Dante de Oliveira (PMDB-MT). O engenheiro civil, que ficou nacionalmente conhecido por causa da proposta, nasceu em 1952, em Cuiabá. Além de atuar na Câmara Federal, foi deputado estadual, prefeito de sua cidade e governador de Mato Grosso. Faleceu em 2006, em Cuiabá, vítima de uma pneumonia.
A ideia de apresentar o retorno do voto direto, quase 20 anos depois do golpe militar de 1964, veio durante a campanha eleitoral para deputado em 1982. Nas palavras do próprio de Dante de Oliveira: “Quando eu percebia que, em todos os comícios e reuniões que fazia naquela campanha, quando falava das questões das diretas, de o povo recuperar o voto para presidente, a resposta da população era sempre mais forte, maior, era mais profundo. Aquilo foi me marcando, dia a dia. Quando me elegi federal, falei: vou apresentar a emenda das diretas para restabelecer esse direito do povo.”
Apoio popular
Assim que foi apresentada, a emenda Dante começou a receber apoio popular, no começo de forma tímida e, depois, ampla. O primeiro comício em favor da eleição direta aconteceu no município pernambucano de Abreu e Lima, em março de 1983. Pouco mais de um ano depois, em abril de 1984, 1 milhão de participantes lotaram a Cinelândia, no Rio de janeiro. No dia 16 de abril, apenas nove dias antes da votação da emenda pela Câmara dos Deputados, 1,7 milhões de pessoas compareceram ao comício pró-Diretas no Vale do Anhangabaú, em São Paulo.
Vários representantes da cena cultural brasileira, como o ator Mário Lago (1911-2002), engrossaram o coro pela mudança nas eleições. “O povo paga imposto, é uma exigência. Mas quem paga também pode cobrar. Que os poderes verguem à evidência, só há uma solução: Diretas Já, Diretas Já, Diretas Já.”
SITUAÇÃO RUIM DA ECONOMIA NOS ANOS 80 FAVORECEU MOVIMENTO DAS DIRETAS JÁ
O descontrole da economia no final do regime militar foi um dos motivos que facilitaram o movimento das Diretas Já em 1984. Com a inflação em alta, os cidadãos passaram a recorrer a compras de mês e a estocagem de produtos. O salário vinha e ia no mesmo dia para evitar preços maiores no dia seguinte.
A inflação, que era de 19,5% ao ano entre 1967 e 1973, passou para 40% ao ano entre 1974 e 1978, e para 211% em 1983.
O que causou tamanho descontrole? Os economistas Luiz Carlos Bresser Pereira e Yoshiaki Nakano resumem a história entre 1979 e 1983, véspera do movimento das Diretas, em quatro fatores: reajustes de preços administrados pelo governo, principalmente derivados de petróleo; maxidesvalorizações da moeda nacional, o cruzeiro; variação dos preços agrícolas; e mudanças na forma de indexação salarial.
Em 1974, o País, que vinha crescendo à custa de empréstimos externos, amargou o primeiro choque do petróleo. A dívida externa, que era de 12,6 bilhões de dólares, foi para 43,5 bilhões de dólares em 1978.
CRISE DO PETRÓLEO
O então ministro do Planejamento, Delfim Netto, explicou as mudanças em depoimento no Plenário da Câmara em março de 1983. “Para os senhores terem uma ideia, no ano de 73, nós havíamos pago por um barril de petróleo menos de 2,5 dólares. No ano de 74, a média de preços do barril elevou-se para 10,5 dólares. Continuou mais ou menos nesse patamar até o ano de 1978, quando atingiu a 12,2 dólares por barril.”
Nesse período, países como a Inglaterra e a Itália tiveram que pedir socorro ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Em 1979, veio o segundo choque dos preços do petróleo, e o barril foi subindo até chegar a 34 dólares em 1981. Com a crise, as taxas de juros internacionais (a prime americana e a libor inglesa) mais do que dobraram, afetando a já grande dívida externa brasileira.
Delfim Netto comentou o impacto sofrido na economia. “É fácil fazer uma análise deste fenômeno e verificar o seguinte: sem o aumento do preço do petróleo do segundo choque e sem o aumento da taxa de juros a partir de 1978 e 1979, a dívida teria permanecido rigorosamente a mesma nos períodos 79-82. O que significa que toda a acumulação da dívida posterior foi uma acumulação destinada a pagar, de um lado, a ampliação do preço do petróleo e, de outro lado, a ampliação das taxas de juros.”
Críticas ao governo
Na ocasião, o então líder do PMDB, deputado Freitas Nobre, fez questão de rebater o ministro. “Quando se cantava em todos os tons e motes o chamado milagre brasileiro, quando a euforia das obras faraônicas, suntuárias, e a inundação dos dólares de empréstimos internacionais dançavam a dança macabra dos esbanjamentos, quando nossas críticas de advertências moviam neste Plenário sufocadas pela censura total, os que viam mais longe, antevendo o fracasso do sucesso, eram apontados como os pessimistas e inimigos da pátria.”
O aumento das tarifas foi lembrado pelo então líder do PT, deputado Airton Soares. “O modelo de vossa excelência é o modelo que leva o brasileiro hoje a ter na sua casa a geladeira, a televisão, o ferro elétrico; mas não tem dinheiro para pagar a energia elétrica que consome.”
Em outra ocasião, Airton Soares fez referência às grandes obras comparadas à resistência do governo em aprovar o seguro-desemprego. “O ministro Delfim Netto é hábil. Tem verbas para termonucleares, tem verbas para Tucuruí, tem verbas para Itaipu, tem verbas para as obras faraônicas do governo, tem verbas para mordomias, tem verbas para tudo; mas para trabalhador desempregado, não tem verbas.”
O Brasil passou pela transição do regime militar para o governo civil, mas a inflação ainda chegaria a 2.477% em 1993.