Gabriel Medina é o primeiro brasileiro campeão mundial de surf
Gabriel Medina é campeão mundial de surf 2014. O título, inédito para o Brasil, veio após ver seu ídolo de infância, o australiano Mick Fanning ser derrotado pelo brasileiro Alejo Muniz no Round 5 do WCT Pipe Masters, realizado em Pipeline, Havaí. Gabriel dependia apenas de si para ser campeão, mas a matemática também o favorecia, dependendo do resultado de seus rivais Kelly Slater e Mick Fanning.
Após cinco dias consecutivos sem ondas, o Pipe Masters foi retomado e finalizado na sexta-feira (19/12). No Round 3, Gabriel Medina fez sua parte, vencendo a bateria e, com isso, eliminando Slater da briga pelo título. Em seguida, Mick Fanning quase perdeu, o que daria o título ao brasileiro antecipadamente. Foram momentos de tensão. Mas o australiano virou nos últimos minutos e a decisão foi adiada em algumas baterias.
No Round 4, Gabriel Medina enfrentou Filipe Toledo e Josh Kerr. Filipe não perdoou e mostrou que queria vencer. Foi um duelo emocionante entre os dois brasileiros, com trocas de nota a todo instante. Nos últimos minutos, Medina virou a bateria, rumo às quartas de final.
Com a vitória, Gabriel entrou para a história, de fato. Fez com que seu nome nunca seja esquecido e que sirva de exemplo para outros brasileiros não só no surf, mas no esporte. Uma verdadeira sensação. Mas não há motivos para demonstrar surpresa com o título mundial ou com o excelente desempenho de “Gabe” nesta temporada 2014. Sua luta, seus esforços e suas vitórias vêm de muito antes. De forma que esse troféu vem coroar, em bom tempo, uma preparação de anos.
É preciso fazer uma pequena retrospectiva em nossas mentes para que se entenda que o título mundial tem ainda mais significado na carreira de Medina e na história do surf brasileiro. Gabriel foi o mais jovem brasileiro a ingressar no tão disputado circuito da ASP. E essa posição, é claro, só poderia ser alcançada com muitos outros bons resultados anteriores.
Sua entrada no Tour, aos 17 anos, já foi um grande feito. Nem os mais otimistas poderiam adivinhar o que Gabriel, ainda tão jovem, era capaz de fazer como “novato” no seleto grupo dos 36 melhores surfistas do mundo. Acontece que, em 2011, ele entrou no “meio” do WCT, restando cinco etapas a serem disputadas. E venceu duas delas: na França, contra Julian Wilson, sua segunda competição entre as estrelas do surf, e em San Francisco, contra Joel Parkinson. Sinal do que aconteceria três anos depois? Naquele ano, Kelly Slater, derrotado por Medina duas vezes, chegou a dizer: “Com certeza esse garoto vai ganhar vários títulos mundiais”. Um ele já ganhou. Que venham os próximos.
A TRAJETÓRIA DE MEDINA ATÉ O TÍTULO
Gabriel começou o ano com o pé direito – literalmente, já que ele surfa com esse pé à frente da prancha. Venceu a primeira etapa do Circuito Mundial, na Gold Coast, Austrália. O primeiro brasileiro a vencer nessas ondas australianas. Sinal de uma bela e inédita história que estava sendo escrita a partir dali.
Nas três etapas seguintes – Bells Beach, Margaret River e Rio de Janeiro – ficou sem vencer, mas ainda manteve resultados consistentes. Só perdeu a liderança do ranking após a etapa brasileira. Ninguém precisava se preocupar, porque ele estava prestes a vestir a lycra amarela (utilizada nas baterias apenas pelo número um do ranking) novamente.
Talvez algum outro atleta tivesse perdido a confiança. Medina, não. Chegou a Fiji com força, determinação e muita técnica. Mais uma vez, foi campeão. A partir dali, até quem não acreditava que ele poderia ser campeão mundial tão cedo começou a considerar essa hipótese.
Veio Jeffreys Bay. Gabe estava com sede de vitória. Não conseguiu, mas chegou até as quartas, garantindo ainda mais pontos e consolidando sua liderança. Menos de um mês depois, venceu o Billabong Pro Tahiti, nas clássicas, épicas e temidas ondas de Teahupoo, mostrando que estava pronto para enfrentar quaisquer condições ao redor do planeta.
Foi para Trestles para tentar consolidar ainda mais seu lugar no ranking e colocar uma mão na taça. Não conseguiu. Ainda tinha França e Portugal para assegurar o resultado. Em terras lusitanas, inclusive, ele poderia ter se consagrado campeão mundial. Mas foi eliminado precocemente no Round 3 e a disputa final foi levada para o Havaí. Com muitas variáveis e contas matemáticas entre as possibilidades de Medina, Mick Fanning e Kelly Slater, os três candidatos ao troféu.
Gabriel Medina não se deixou abalar. Era o único que dependia de si mesmo para ser campeão do mundo, bastando chegar à final do Pipe Masters. Tirou todas as chances de Slater ao vencer sua bateria contra Dusty Payne no Round 3.
UMA CONQUISTA TAMBÉM PARA O BRASIL
A conquista de Gabriel Medina representa um marco em sua carreira, mas também uma grande contribuição para o surf brasileiro, que vem lutando para ganhar espaço no cenário mundial há bastante tempo. Hoje, o Brasil é o terceiro país com maior número de representantes no circuito da ASP, atrás de Austrália e Estados Unidos.
Gabriel Medina, Adriano de Souza, Filipe Toledo, Jadson Andre, Alejo Muniz, Raoni Monteiro e Miguel Pupo fazem parte do chamado “Braziliam Storm” (Tempestade Brasileira) do surf, sempre tentando levantar nossa bandeira no ponto mais alto do pódio. Mas, no passado, as coisas eram mais difíceis para os brasileiros. “Hoje, a principal diferença no surf do Brasil é que a gente tem uma geração que nasceu dentro de um cenário já sem preconceito, com pais e avós que pegam onda. O surf já criou uma certa cultura aqui no país, além do que existe um profissionalismo que garante a vida do atleta profissional”, comenta Edinho Leite, que surfista há mais de 20 anos e jornalista especializado no esporte.
Antes da geração liderada por Adriano de Souza e, agora, Gabriel Medina, houve quem tenha lutado para que o Brasil recebesse a devida atenção e importância no mundo do surf, dominado por um pensamento anglo-saxão, como Renan Rocha. “Eu e outros surfistas nos unimos, e foi isso que criou a bandeira do Brasil lá no meio. Foi na raça, na briga, na porrada. Tivemos que debater notas, julgamentos, impor respeito, ir contra uma sociedade monopolizada por australianos, havaianos e americanos que nada sabiam a respeito da nossa cultura”, diz Rocha.
Mesmo assim, ainda há muita evolução que o surf brasileiro pode alcançar. Se o Brasil, agora, tem finalmente um campeão mundial, é porque muita gente se esforçou visando esse objetivo, inclusive Gabriel Medina.
Fonte: ESPN