‘Reforma não pode institucionalizar o caixa 2’, diz Gilmar Mendes
Na iminência de uma definição sobre a legalidade do financiamento empresarial de campanhas eleitorais – tema que está em discussão tanto no Congresso quanto no Supremo Tribunal Federal (STF) -, o ministro Gilmar Mendes, da Corte, avalia que os desvios de contratos da Petrobrás já são “um financiamento público heterodoxo”. Em entrevista ao Estado, o ministro diz temer a institucionalização do caixa 2 caso o financiamento público de campanha venha a ser aprovado, conforme já votou a maioria dos ministros no STF.
Se o financiamento privado de campanha for aprovado no Congresso, o sr. acha que isso inviabilizará a ação que tramita no STF?
No caso de o Congresso Nacional promulgar emenda constitucional com o teor aprovado em primeiro turno pela Câmara dos Deputados, a questão da proibição do financiamento privado posta em debate estará afetada.
O Congresso deve concluir a votação antes do julgamento no STF, já que o sr. prometeu devolver o tema à pauta em junho?
É difícil saber como o Congresso vai encaminhar a questão. Acho importante ter pedido vista dessa matéria pois hoje nós sabemos muito mais do que sabíamos à época, quando estávamos decidindo, em abril de 2014. Estávamos talvez tomando até uma decisão em caráter um tanto quanto simbólico, emotivo. Não sabíamos que determinadas forças políticas tinham 3% de cada contrato da Petrobrás, que já é um verdadeiro financiamento público, só que de uma forma heterodoxa. E vai trazer complexa questão de termos de discutir lavagem de dinheiro com doações no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Não sabíamos tudo o que aprendemos dessa matéria de prestação de contas. Vamos ter um debate muito mais qualificado sobre o assunto.
O que deve ser levado em conta na discussão do modelo de financiamento? Podemos estabelecer que só haverá doações de pessoas físicas?
Se nós temos dificuldade de fazer controle de 20, 30, 50 empresas grandes… Estas multas do mensalão (pagas pelos réus condenados no julgamento do caso) hoje sabemos que, muito provavelmente, parte foi paga com dinheiro do (doleiro Alberto) Youssef. Isso significa que, se nós adotarmos um modelo de doações privadas de pessoas físicas com teto relativamente alto, muito provavelmente vamos ter um sistema de laranjal implantado. É razoável isso? Estamos querendo depurar o sistema e vamos institucionalizar o caixa 2? Porque, veja, os partidos que dispõem de acesso à máquina governamental vão ter acesso a lista de nomes, aos CPFs e vão poder produzir doações.
Como seria essa produção de doações?
(Os partidos) Já obtiveram o dinheiro de forma irregular e vão fazer a distribuição de forma supostamente regular. E quem vai fiscalizar isso? Nós devemos ter muito cuidado para não piorar o processo, o sistema. A nossa capacidade de piorar é muito grande também. Voltando ao tema da Lava Jato, tudo indica que esses partidos, que são beneficiários desse sistema, têm o dinheiro. Eles têm dificuldade de regularizá-lo. Agora, distribuí-lo para 100 mil nomes eles têm condição de fazer. O dinheiro já está disponível. ‘Ah, mas eles não têm coragem de fazê-lo.’ Alguém duvida? Se eles estavam fazendo isso na Petrobrás de forma sistêmica e desde 2003.
O sr. disse recentemente que o STF se tornaria mais estável com a aprovação da PEC da Bengala. De que forma?
Estamos vivendo um momento institucional muito delicado. Com o Poder Executivo muito debilitado, sujeito a enormes pressões, e eu não gostaria de imaginar o que aconteceria no Supremo com cinco vagas à disposição (da Presidência) nesse contexto.
As pressões influenciam o Executivo nesse processo decisório de indicação ao Supremo?
Com certeza. São normais. Governar é coordenar, dirigir pressões. Faz parte do processo democrático. Mas estamos vivendo um momento de disfuncionalidade. Se tivéssemos discussões de vagas, nós entraríamos exatamente nesse centro das controvérsias e perderíamos talvez nossa condição de árbitro.
As decisões do governo vão trazer mais demandas ao STF?
Tivemos este caso do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), de ações restritivas de crédito e redesenho de uma política pública. Certamente vamos ter debates aqui sobre medidas do chamado ajuste fiscal envolvendo as ações do governo e do Congresso. Se olharmos – e os números estão aí -, vamos verificar que havia uma política de aumento da concessão de crédito no Fies com o objetivo de aumentar os alunos nos cursos superiores.
Em julgamento, o sr. mencionou o aumento do volume de recursos do Fies em ano eleitoral. Isso o preocupa?
No Tribunal Superior Eleitoral, temos uma jurisprudência de que determinados benefícios não podem ser aumentados ou criados de forma desarrazoada no ano eleitoral. Tivemos no ano eleitoral já: aumento de Bolsa Família, esse caso do Fies. E quem vai controlar isso? Se o Ministério Público não atua, e não atuou, notoriamente, a oposição também fica algemada porque ela não vai criticar um benefício e ser acusada de estar contra os pobres. É um dilema.
O STF vai julgar a Lava Jato pouco depois de ter analisado o mensalão…
O que se vem revelando é algo muito mais sério do que o mensalão, que, aparentemente, funcionou concomitantemente com o mensalão e por um período alongado. Fico com a sugestão de que esse é um modo de lidar com o dinheiro público, de como se entende a forma de governança.
Fonte: Estadão