Denúncia de trabalho escravo em Mojuí
Uma grave denuncia de trabalho escravo na zona rural do Município de Mojuí dos Campos chegou ao conhecimento da população e das autoridades de Santarém, no início desta semana. O trabalhador braçal Luís Vanderlei Ribeiro, 38 anos, natural da cidade de Imperatriz, Estado do Maranhão, denunciou que trabalhou oito meses em regime de escravidão, na Fazenda Fé em Deus, na comunidade de Tambor, em Mojuí dos Campos.
Luís conta que veio de Imperatriz em busca de trabalho no Pará. Quando chegou à Cidade de Marabá, no sudeste do Pará, foi abordado por um homem, o qual disse que estava contratando pessoas para trabalhar em uma fazenda em Mojuí dos Campos. Luís afirma que trabalhou oito meses juntamente com outros funcionários na Fazenda Fé em Deus e não recebeu nada de dinheiro.
“Eu só consegui fugir, porque uma mulher ateou fogo na cozinha da fazenda. No momento em que houve a explosão da panela de pressão eu consegui fugir”, relatou Luís.
Por conta da cozinheira ter usado gasolina para atear fogo na cozinha da fazenda, ela sofreu queimaduras nas pernas e teve que ser atendida no Pronto Socorro Municipal de Santarém (PSM), onde foi submetida a procedimentos médicos e se encontra fora de perigo.
Revoltado com o tratamento recebido durante os oito meses que trabalhou na fazenda, como escravo, Luís procurou a 16ª Seccional da Polícia Civil de Santarém, na manhã de segunda-feira, 17, mas não conseguiu registrar um Boletim de Ocorrência, porque segundo ele, o escrivão plantonista disse que ele deveria procurar a Unidade Integrada Pro Paz (UIPP) de Mojuí dos Campos, para que fizesse os procedimentos cabíveis.
Luís contou à imprensa de Santarém que ficou com medo de ser recapturado pelos proprietários da fazenda e, por isso não voltou para Mojuí dos Campos, para fazer os procedimentos sobre a denúncia de trabalho escravo, na UIPP local.
Luís revelou que não tem nenhum documento pessoal, como Carteira de Identidade e Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), não tem parentes em Santarém e está morando ao relento nas ruas da cidade, procurando ajuda da comunidade local para se alimentar.
SANTARÉM NA ROTA DO TRABALHO ESCRAVO: O Ministério Público Federal (MPF) encaminhou à Justiça, de janeiro até o fim de julho deste ano, 11 processos que denunciam 19 pessoas pela submissão de trabalhadores em condições análogas à escravidão no Pará. As ações, ajuizadas nos municípios de Belém, Marabá, Paragominas, Redenção, Santarém e Tucuruí, pedem que os acusados sejam condenados a até oito anos de reclusão, além do pagamento de multas.
As principais irregularidades encontradas durante as vistorias do Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego foram a contratação de mão de obra sem documentação, falta de registro de empregados e ausência de pagamento de salários regulares, acomodação dos trabalhadores em locais sem condições mínimas de conforto, saúde e higiene, ausência de instalações sanitárias e água potável, local impróprio para as refeições e preparação dos alimentos, ausência de equipamentos de proteção individual e utensílios de trabalho, além do isolamento geográfico e servidão por dívida.
Os autores das ações são os procuradores da República Lilian Miranda Machado, Luiza Astarita Sangoi, Luís de Camões Lima Boaventura, Luiz Eduardo de Souza Smaniotto, Meliza Alves Barbosa Pessoa, Janaina Andrade de Sousa e Nathália Mariel Ferreira de Souza Pereira.
Nos últimos anos, o MPF tem intensificado os esforços para garantir maior eficiência na punição do trabalho escravo. De 2010 para cá, houve um aumento de mais de 800% nos procedimentos extrajudiciais instaurados. Hoje, não existem mais correntes, senzalas ou açoites, como nos tempos do império. O trabalho escravo contemporâneo se caracteriza por ameaças de morte, castigos físicos e dívidas que impedem o livre exercício do ir e vir, além de jornadas que ultrapassam 12 horas por dia, sem alimentação ou água potável.
“Apesar de os açoites terem sido deixados de lado, pelo menos na maioria das vezes, a supressão da dignidade humana continua sendo feita com maestria, na área rural ou nos grandes centros urbanos”, sustenta a procuradora da República e coordenadora do Grupo de Trabalho Escravidão Contemporânea do Ministério Público Federal (MPF), Maria Clara Barros Noleto.
Por: Manoel Cardoso