O dever de lembrar e seus efeitos: o caso de Santarém
Não tem sido a meritocracia, mas outros fatores que tem definido a escolha dos titulares para cargos eletivos no Brasil. Às vezes, o puro e simples poder econômico. Noutras, a criação de um clima de torcida coletiva, contra uma posição e a favor de outra. Em regiões como o oeste do Pará, isso é bem emblemático.
Vê-se que as eleições não estão sendo definidas sobre programas políticos ou compromissos sociais, mas por uma simpatia de torcida, como ocorre no futebol. Um candidato opta por que chapa vai concorrer ao governo do Estado não devido a uma pauta extraída de debates com os setores da economia, das categorias profissionais e dos diversos grupos de interesse. Apenas a sua preferência pessoal determina com quem vai estar em chapa majoritária, e o pior, conseguindo levar consigo uma expressiva parcela do eleitorado.
No caso de Santarém, a perda de tempo de uma oposição sistemática, vazia e desarticulada à autoridade dos sucessivos governos estaduais assim como a ausência da sociedade local em torno da definição de uma agenda mínima fez com que Itaituba, em poucos anos, passasse a ter os contornos de matriz regional, porque empresários de outros estados, em especial do Mato Grosso, estão se articulando politicamente e devem ocupar o cenário econômico e político. O Porto de Mirituba é a ponta de um grande empreendimento internacional que passa ao largo de Santarém, que foi deixada fora de qualquer planejamento logístico para o escoamento da produção e ficou alheia a esse empreendimento.
O juiz federal Airton Portela – a propósito, exemplar caso de meritocracia – escreveu artigo publicado recentemente no site Jus Navigandi em que trata do “direito ao esquecimento”. Ali, o jurista resume com brevidade sobre a tese criada pela jurisprudência alemã e adotada no Judiciário brasileiro. Mas deixa a observação que é o mote do assunto: as chamadas pessoas públicas não podem pleitear pelo “direito ao esquecimento”; apenas os cidadãos comuns podem reclamar por uma plena proteção à intimidade e à vida privada. Ou seja, em especial os políticos, que devem satisfação dos seus atos àqueles que o elegeram, são destituídos do direito de ter sua vida e seus atos esquecidos.
Aliás, penso eu, além de os titulares de cargos públicos – que não são obrigados a provar meritocracia – não possuírem o direito de ser esquecidos, ao votar, restou aos cidadãos que elegeram este ou aquele político a obrigação de lembrar em quem votou e de cobrar por aquilo que o eleito prometeu realizar.
Ora, mas se o político comprou voto (com dinheiro ou com favores) ou simplesmente o eleitor o escolheu no clima de torcida de futebol, o cidadão não terá como cobrar qualquer compromisso porque ele não terá do que lembrar.
A possível extinção da gerência do IBAMA em Santarém e a falta de reação até das categorias profissionais mais fortes e organizadas, como os advogados são sintomáticos de uma grave apatia. A advocacia será, entre tantas, a categoria profissional que mais sofrerá efeitos dessa perda, porque os escritórios de Belém – entre os quais o meu, que é especializado em matéria ambiental – serão os grandes beneficiados, uma vez que as defesas serão feitas perante a Superintendência da capital. Ou talvez os advogados de Itaituba, para onde parece passarão a ficar estabelecidos os centros de decisão do Oeste do Pará.
Fonte: RG 15/O Impacto