MPF e relatora da ONU para povos indígenas têm reunião sobre usinas no Xingu e no Tapajós
A relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, esteve reunida com o Ministério Público Federal (MPF) para tratar das irregularidades nas barragens que o governo brasileiro constrói e planeja nas bacias do Xingu e do Tapajós, dois dos principais afluentes do rio Amazonas. As irregularidades já detectadas em Belo Monte, para o MPF, dão um panorama do que pode ocorrer na usina São Luiz do Tapajós, começando pelo descumprimento sistemático da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho e da Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
No Xingu estão quase concluídas as obras da usina de Belo Monte e o MPF já ajuizou 25 ações apontando ilegalidades no projeto, que teve um custo socioambiental incalculável. Na bacia do Tapajós são até agora quatro usinas em construção no rio Teles Pires e cerca de 40 projetadas, com 19 processos judiciais mostrando problemas. A maior usina prevista para o Tapajós é a São Luiz do Tapajós que, se construída, irá provocar a remoção compulsória de três aldeias dos índios Munduruku, conduta vedada pela Constituição Federal.
O MPF destacou para a relatora que considera o instrumento da suspensão de segurança o maior responsável pela violação de direitos indígenas em relação a grandes empreendimentos. A suspensão de segurança é um instrumento pelo qual o presidente de um tribunal suspende decisões das instâncias inferiores de forma solitária, sem julgamento em plenário. A suspensão de segurança não analisa os argumentos debatidos na ação, apenas avalia se uma determinada decisão judicial pode afetar a ordem, a saúde, a segurança e a economia públicas, deixando o debate sobre os motivos do processo para depois. Em quase 30 ações judiciais, é frequente o recurso da suspensão de segurança.
A reunião ocorreu na última terça-feira, 15 de março, em Altamira, com a presença dos procuradores da República Thais Santi, que fiscaliza Belo Monte, e Camões Boaventura, que fiscaliza as usinas no Tapajós. Foram entregues documentos à relatora sobre as violações detectadas pelo MPF nas usinas. A relatora disse aos procuradores da República que constatou, ao longo de sua missão no país, que, embora um poder coloque a responsabilidade sobre o outro, há um padrão de articulação dos três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, para a violação sistemática dos direitos indígenas e para viabilizar um projeto político e econômico considerado ideal por esses poderes. “Não há espaço para qualquer diversidade de projetos”, disse.
Belo Monte – A procuradora Thais Santi enumerou os inúmeros impactos, muitos irreversíveis, provocados pela desobediência recorrente das licenças ambientais pela Norte Energia, responsável pela obra de Belo Monte, com anuência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), órgão licenciador. “Os impactos não foram mitigados por irresponsabilidade do estado, sendo que as medidas de mitigação eram condição para assegurar a integridade dos povos indígenas e a manutenção dos seus modos de vida”, disse Santi.
O MPF identificou uma verdadeira política de atração dos povos indígenas ao núcleo urbano, onde vivem sob condições insalubres, são marginalizados e sofrem preconceito. Houve alteração acentuada de hábitos alimentares e foram gastos recursos volumosos para silenciar os indígenas e evitar manifestações contrárias à construção da barragem. Como resultado, as medidas de mitigação surtiram um efeito reverso do que foi previsto, com agravamento de impactos e surgimento de novos impactos.
De acordo com Thais Santi, “no Xingu, vivem muitas etnias de contato recente e que já passavam por um violento processo de segregação social. As medidas de mitigação seriam a única forma de garantir que estes povos indígenas sobrevivessem aos impactos da usina, no entanto elas não foram adequadamente implementadas e agravaram o processo de desagregação”.
A procuradora da República destacou, ainda, que no coração do trecho de vazão reduzida, epicentro dos impactos da usina de Belo Monte, antes mesmo de estar demonstrado que a hidrelétrica permitirá a reprodução da vida no local está sendo licenciado um dos maiores projetos de mineração do Brasil, que recebeu licença prévia do Estado do Pará sem a realização de estudos sobre os povos indígenas da região e sem análise sinérgica de sobreposição de impactos com Belo Monte. Essa realidade demonstra que os impactos de Belo Monte são potencializados, na medida em está aberto o caminho para a exploração dos recursos naturais da região em escala industrial, sem o devido controle ambiental.
Tapajós – O procurador da República Camões Boaventura enfatizou elementos que o projeto da usina São Luiz do Tapajós têm em comum com a de Belo Monte. “Alguns impactos sociais já são identificados, como desgaste dos indígenas com a intensa participação em reuniões e a insegurança sobre o futuro, que causa grande angústia aos povos afetados”, disse.
Camões lembrou da operação Eldorado, da Polícia Federal, que resultou na morte do índio Adenilson Krixi Munduruku, dentro de uma aldeia indígena no rio Teles Pires. Lembrou também da forte militarização na região durante a realização dos estudos de impacto das usinas, com a presença constante da Força Nacional, requisitada pelo governo brasileiro.
“A usina de São Luiz do Tapajós é parte de um projeto muito mais amplo, que envolve portos, mineração, ferrovia e hidrovia, e que se concretizados causarão impactos graves sobre os diversos povos indígenas que ocupam a calha do rio Tapajós”, disse Boaventura. Se construída, a usina de São Luiz do Tapajós irá provocar a remoção compulsória de três aldeias indígenas, conduta vedada pela Constituição Federal.
Como em Belo Monte, no Tapajós há o descumprimento reiterado do direito à consulta prévia, livre e informada. Um dos piores impactos já detectados antes mesmo de qualquer licença concedida para a usina foi a paralisação deliberada, pelo governo, da demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu. “Houve interferência política no trabalho técnico da Funai, que já admitiu explicitamente que a paralisação da demarcação se deve ao projeto hidrelétrico”, afirmou.
A relatora Victoria Tauli-Corpuz disse que considera Belo Monte um caso emblemático, “pois tudo que poderia dar errado, deu errado”. Ela constatou na região de Altamira a situação de um etnocídio praticamente consumado pela usina. E se declarou temerosa de que, em São Luiz do Tapajós, ocorra um processo pior, de genocídio, diante da negativa dos índios Munduruku em assistirem passivos a destruição de seu modo de vida. Para a relatora, a situação é perigosa, porque o governo brasileiro já se mostrou disposto a lançar mão de forças militares e instrumentos autoritários. “O governo brasileiro está empurrando os indígenas ao seu limite com este projeto hidrelétrico e querendo fazer com que eles desapareçam”, lamentou.
Documentos entregues pelo MPF à relatora:
Violações de direitos do povo indígena Munduruku:
http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/documentos/2016/violacoes-direitos-povo-indigena-munduruku
Irregularidades apontadas pelo MPF na usina de Belo Monte:
http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/documentos/2016/tabela_de_acompanhamento_belo_monte_atualizada_mar_2016.pdf/
Fonte: RG 15/O Impacto e MPF