Banco não pode se negar a renegociar dívida de crédito rural
A Súmula 298 do Superior Tribunal de Justiça, de 2004, diz que a renegociação de dívida originada de crédito rural é um direito do devedor, não cabendo a decisão à instituição financeira. Por isso, a 20ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve sentença que condenou o Bradesco a renovar os contratos das operações rurais de um agricultor, cuja dívida estava sendo executada, nos termos disciplinados pela Resolução 4.272/2013 do Banco Central. A dívida era de cerca de R$ 116 mil.
O autor ajuizou Ação de Prorrogação de Negócio Jurídico de Mútuo Rural contra o banco porque o crédito de custeio rural foi renegociado com o cômputo de encargos abusivos, sem a observância dos termos da Resolução 4.272/13 do BC. Ele não conseguiu honrar o pagamento da dívida em função da frustração de colheita ocorrida no ano-safra 2004-2005 na sua região, em função da seca. Em contestação, o banco reiterou a legalidade dos encargos, já que contratados por livre manifestação do autor.
Função social do contrato
Na primeira instância, o juiz José Pedro Guimarães, da 1ª Vara Cível da Comarca de Soledade, deferiu o pedido. Para o julgador, a produção de alimentos constitui prioridade básica das políticas de governo. Logo, o seu financiamento interessa a toda à sociedade.
Nesta linha, o regime de produção, pelo menos no tocante à produção de alimentos básicos essenciais, não pode sujeitar-se apenas às regras de mercado e da livre iniciativa. ‘‘A regulação do Estado (intervenção) é rigorosamente necessária e indispensável para a normalidade da oferta e, assim, segurança alimentar’’, complementou na sentença.
Conforme o juiz, a agricultura é, por definição, atividade de alto risco, na medida em que depende do clima. Ante à inexistência de um instrumento seguro de previsão do clima, o risco de frustrações de safras ou de produção de carnes passou a se constituir em variável importante a ser levada em conta nos negócios agropecuários. Neste cenário, discorreu, os custos de produção, notadamente de crédito, devem ser subsidiados direta ou indiretamente pelo estado, como manda o artigo 187, inciso I, da Constituição Federal.
Ainda segundo o julgador, a função social do contrato, como dispõe o artigo 421 do Código Civil, se constitui em ‘‘valor axiológico inafastável’’ da disciplina normativa (jurisdicional) do sistema de crédito rural no país. Tanto é verdade que o Superior Tribunal de Justiça, ante à publicação da Lei do Crédito Rural, editou a Súmula 298. Esta jurisprudência assegurou o direito subjetivo dos produtores rurais ao alongamento das dívidas e, assim, à continuidade dos negócios rurais.
No caso concreto, reconheceu, ficou demonstrado no processo que o Rio Grande do Sul vivenciou grave estiagem nos anos de 2003 a 2011. E tal evento climático comprometeu significativamente a renda dos produtores rurais. “Daí por que a autoridade nacional de crédito editou a Resolução 4.272/2013, autorizando a renegociação das dívidas decorrentes de operações de crédito rural de custeio e investimento contratadas no referido período”, escreveu na sentença.
Por: Jomar Martins, correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Fonte: Revista Consultor Jurídico