Leia o voto de Gilmar Mendes sobre renúncia de ICMS sobre exportados

Para o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, é “mora legislativa inconstitucional” o fato de o Congresso ter discutido diversos projetos sobre um assunto delegado a ele pela Constituição, mas nunca ter aprovado uma lei. Não adianta, porém, apenas reconhecer. É preciso garantir que a omissão do Legislativo seja sanada, e o direito em questão, regulamentado.

Foi esse o argumento usado pelo ministro em seu voto para dar ao Congresso um ano para regulamentar o artigo 91 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. O dispositivo foi incluído lá pela Emenda Constitucional 42, de 2009, e fez parte da reforma tributária do primeiro governo Lula. A EC isenta de ICMS, um imposto estadual, os produtos destinados a importação. E o ADCT diz que a União compensará os estados dessa renúncia fiscal. A forma de compensação deve ser estabelecida em lei complementar.

Caso o Congresso não obedeça a esses 12 meses, a proposta de Gilmar é que o TCU assuma a responsabilidade e dê conta da tarefa. Caberá a ele decidir quanto deverá ser o repasse da União e qual será a forma da divisão.

A votação se deu em três partes. O reconhecimento da omissão legislativa foi unânime. O ministro Marco Aurélio ficou vencido quanto ao estabelecimento do prazo. Na delegação ao TCU, ficaram vencidos os ministros Marco Aurélio, Teori Zavascki e Cármen Lúcia.

Compensação
Durante a conclusão do julgamento nesta quarta, o ministro Gilmar se disse impressionado com  a argumentação do governador do Pará, Celso Jatene. A ministra Cármen Lúcia concordou com ele. O governador, de fato, pintou um quadro preocupante.

Segundo a petição enviada ao Supremo, a renúncia de ICMS exigida pela reforma tributária de 2009 corresponde a 29% do PIB do estado. Em outros estados, essa cifra é de 9,62%, segundo cálculos da Secretaria de Fazenda paraense.

Essa renúncia fiscal começou em 1996, com a edição da Lei Kandir, que definiu o ICMS como ele é hoje. A lei ampliou uma renúncia que já vinha do artigo 155 da Constituição Federal: mudou de “produtos industrializados” para importação para “produtos destinados ao exterior”.

Na petição, o governo paraense informa que, não fosse essa renúncia, a arrecadação do estado entre 96 e 2012 seria de R$ 20,5 bilhões. Mas a compensação paga pela União nesse período foi de R$ 5,5 bilhões, alega o Pará.

Questões fiscais
Para o ministro Gilmar, relator, o pedido do governo paraense chama atenção para uma questão sensível no Brasil, a da partilha de recursos como forma de concretização do federalismo fiscal. “De nada adianta o zelo na partilha de competências constitucionais, entres os diferentes entes federativos, se essa repartição não é acompanhada da divisão de recursos próprios e suficientes para fazer frente às diversas tarefas que lhes foram conferidas pelo Poder Constituinte”, escreveu, no voto.

O ministro explica que a Constituição de 1988 ampliou a repartição de receitas tributárias entre União, estados e municípios, por meio dos fundos de participação. E ao longo dos anos foram editadas três emendas constitucionais para aumentar o total do bolo tributário aos municípios, como forma de ampliar a participação dos entes federados na arrecadação, diz Gilmar.

Mas a saída encontrada pela União foi aumentar o número de contribuições a ser pagas pelos contribuintes, sem necessariamente mexer nos impostos. O ministro levantou dados da Secretaria do Tesouro, do Ministério da Fazenda, segundo os quais a participação das receitas tributárias na receita líquida da União permanece entre 30% e 33% do PIB desde a edição do Plano Real, em 1994.

Já a participação das contribuições saiu de 29,18% em 1994 para chegar a 60% em 2008 e depois se estabilizar entre 50% e 55% ao longo dos últimos anos. Portanto, observa o ministro, se o constituinte estabeleceu um modelo fiscal “fortemente descentralizado quanto aos impostos”, deixou nas mãos da União, “livres de qualquer partilha”, as contribuições.

Por isso, o governo federal usou as contribuições como manobra de aumento de caixa. “Essa tendência, no entanto, trouxe efeitos perversos. No plano econômico e fiscal, a ampliação do financiamento do setor público brasileiro por meio de contribuições pode ter sido responsável por efeitos perversos, como o ganho de complexidade do sistema tributário, a centralização fiscal e a elevação da carga tributária”, diz Gilmar.

Fonte: Revista Consultor Jurídico

 

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