Esquema para aprovar 14 MPs custou R$ 17 milhões, afirma delator
Cláudio Melo Filho detalhou como atuava dentro do Congresso para garantir apoio a projetos de interesse da Odebrecht
Além de expor nomes chave do governo e do próprio presidente Michel Temer, a primeira das 77 delações feitas por ex-executivos da Odebrecht a vir a público revela que a empreiteira pagou caro para incluir no Congresso emendas em Medidas Provisórias e projetos. O ex-diretor da empreiteira, Cláudio Filho, disse, em delação feita à Operação Lava-Jato, que foram pagos mais de R$ 17 milhões a parlamentares em troca de apoio na aprovação de matérias e inclusão de emendas que favoreciam a Odebrecht. Cláudio Filho cita 14 MPs e projetos que teriam sido modificados ao gosto da empresa. Os pagamentos foram feitos entre 2006 e 2014 para sete parlamentares. Os políticos citados na delação negam recebimento de propina.
O governo e a cúpula peemedebista evitaram comentários públicos, apesar de reconhecerem a gravidade da denúncia, que será tema de reunião emergencial dos aliados neste domingo.
O principal interlocutor do ex-diretor no Legislativo era o senador Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Congresso, mas ele relata ter realizado pagamentos também ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) e o ex-senador Delcídio do Amaral.
Segundo a delação, narrada por Filho em 82 páginas, a primeira negociação de que fez parte foi em relação à MP 252, conhecida como MP do Bem e que criava incentivos fiscais para incrementar exportações. O ex-diretor pediu ao então deputado (hoje ex-ministro do governo Temer) Geddel Vieira Lima para que apresentasse uma emenda que atendesse ao pleito da Odebrecht. A empresa queria incluir no projeto um artigo que alterava a forma de incidência de PIS/Cofins. Relator da medida, Jucá conseguiu aprovar a emenda e recebeu, em troca, pagamento “a pretexto de campanha” eleitoral em 2006.
Uma das maiores articulações, no entanto, foi em relação ao projeto de resolução do Senado Federal (PRS) nº 72/2010, que reduzia e uniformizava a alíquota de importação do ICMS de operações interestaduais para acabar com a chamada “guerra dos portos”. O próprio Marcelo Odebrecht levou a questão da guerra dos portos ao então ministro da Fazenda, Guido Mantega, que teria dito que a equipe econômica estava mobilizada para resolver o problema.
Coube a Jucá apresentar um projeto de lei que zerava as alíquotas de ICMS para esse tipo de operação. O projeto só foi votado dois anos depois, em 2012. À época, o senador teria solicitado “apoio financeiro” e recebeu cerca de R$ 4 milhões. Segundo Filho, Jucá teria dito que os recursos não seriam apenas para ele, “mas também, como já havia ocorrido em outras oportunidades, para Renan Calheiros”, segundo trecho da delação. A empresa também pagou R$ 500 mil a Delcídio do Amaral por seus esforços na aprovação do PRS 72/2010.
A empresa ainda pagou mais de R$ 7 milhões pela aprovação, “sem percalços” da MP 613/2013, que tratava de incentivos fiscais à produção de etanol e à indústria química. “Ficou claro na oportunidade que esses pagamentos seriam contrapartidas solicitadas pelo parlamentar para que, mediante a sua atuação e a dos parlamentares já referidos, a aprovação da MP 613 efetivamente ocorresse sem percalços”, diz a delação.
Segundo o relato, o senador Eunício Oliveira teria recebido R$ 2,1 milhões; outros R$ 4 milhões foram pagos para Romero Jucá e Renan Calheiros; entre R$ 1 milhão e R$ 1,5 milhão para Lúcio Vieira Filho; e R$ 100 mil para Rodrigo Maia.
GOVERNO E BASE TENTAM CONTER CRISE
O governo e a cúpula do PMDB evitaram comentários públicos após delação do ex-executivo da Odebrecht. Ontem, governistas tentaram apontar “incongruências” nas denúncias, mas reconheciam a gravidade da delação e o potencial desestabilizador para o Planalto e para a cúpula do PMDB no Senado.
Entre os partidos aliados do governo Temer, o clima é de preocupação com a estabilidade do país. Hoje, deputados do PSDB, DEM e PSB se reúnem em Brasília para discutir uma operação de fortalecimento de Temer. Depois do impeachment da presidente Dilma Rousseff, avaliou um tucano, o país não aguentaria uma segunda destituição presidencial, menos ainda uma eleição indireta, em que o presidente seria escolhido por um Congresso em frangalhos.
Os aliados fogem de análises e conjecturas sobre uma antecipação das eleições de 2018 para 2017. Para isso, seria necessária a aprovação de uma emenda constitucional.
— Um impeachment é uma situação muito especial, alongou a crise. Temos que achar um jeito de sair disso— afirmou o líder do PPS na Câmara, deputado Rubens Bueno (PR).
O deputado Marcus Pestana (PSDB-MG) defende uma força-tarefa dos aliados, unindo PSDB, DEM, PSB e partidos do Centrão, dois grupos que, apesar de base de apoio de Temer, têm diferenças políticas na Câmara.
— Temos que partir para um diálogo aberto com o Centrão. Diminuir a temperatura dos pequenos conflitos e pensar de forma conjunta como sair dessa crise. Nosso dever é fortalecer a autoridade de Temer para que a travessia até 2018 seja possível. Se algum acidente de percurso ocorrer, há a possibilidade de antecipar as eleições, mas esta não é a primeira opção e sim, a última— afirmou o tucano.
Fonte: O Globo