Jarsen Guimarães: “Tráfico cresce devido às lacunas deixadas pelo Estado”
Professor Pós-Doutor da UFOPA, Jarsen Guimarães, comenta pesquisa do IPEA
Duas situações chamaram a atenção da população em relação aos dados do levantamento divulgado na terça-feira (6), pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O chamado Atlas da Violência no Brasil apontou que o Município de Altamira é o líder do ranking dos municípios acima de 100 mil habitantes mais violentos do País, levando-se em consideração as taxa de homicídios por 100 mil habitantes e a taxa de mortes violentas por causa indeterminada. Já Santarém foi considerada a segunda cidade mais pacífica do Pará, de acordo com a mesma pesquisa.
Nossa equipe de reportagem conversou sobre o tema com o professor pós-doutor em Criminalidade, Jarsen Guimarães, momento que ele expôs o seu ponto de vista e esclareceu algumas dúvidas sobre a pesquisa do Ipea. Acompanhe:
Jornal O Impacto: Quais fatores contribuíram para que o município de Altamira apresentasse essa estatística preocupante?
Jarsen Guimarães: Anteriormente nós tínhamos o Sul do Pará como um dos grandes conflitos e um número de mortes muito grande, pois recebia os grandes projetos. Atualmente, o município de Altamira recebe esses projetos, e como consequência podemos observar o aumento considerável da população, trazendo criminalidade. Os conflitos são muito grandes, se nós observarmos a disparidade que existe de renda da população, que é muito grande, quem mede isso é o ‘Coeficiente de Gini’ da economia. Com relação a essas mortes sem causas ou motivações, existe outro fator que nós temos que levar em consideração. No passado, a cidade mais violenta que nós tínhamos era no Nordeste, Recife. Além de Recife nós temos outras grandes metrópoles como Rio de Janeiro e São Paulo. Políticas eficientes de combates à criminalidade foram feitas nesses locais, muito embora a partir de 2010 tivéssemos um controle maior da criminalidade, até mesmo reduzindo no País. Em estados como o Pará, a criminalidade continua crescendo e podemos observar que houve uma migração, principalmente um tipo de crime, que se trata do narcotráfico.
Jornal O Impacto: Como se dá a relação entre o aumento populacional e aumento da criminalidade?
Jarsen Guimarães: O aumento populacional leva a conflitos, e consequentemente à criminalidade, porém, o mais interessante neste tema são as motivações. Por exemplo, uma das motivações dos crimes de homicídio, é exatamente a questão da interação social, que é quando observamos os ambientes que o indivíduo frequenta, com quem se relaciona. Então, encontramos uma baixa interação social nesse local, consequentemente motivando os crimes de homicídio, crimes contra a vida.
Jornal O Impacto: A busca do crescimento econômico, em detrimento do social, também contribui para aumento da criminalidade?
Jarsen Guimarães: Nós fizemos em Santarém um estudo sobre o crime per capita, o crescimento da população junto ao crescimento da criminalidade. Há uma confusão muito grande entre o desenvolvimento e o crescimento. Desenvolvimento é não só a evolução de uma das variáveis econômicas, mas também variáveis sociais, políticas, religiosas, morais, éticas e culturais e isso demanda tempo, não acontece ao mesmo tempo, demanda médio e longo prazo. Então, daí esse aumento na criminalidade, a busca pelo crescimento econômico, consequentemente gerando desigualdades sociais, isso também leva à criminalidade.
Jornal O Impacto: Trabalhadores se deslocaram para Altamira, atrás de emprego. Chegando, muitos se depararam como uma realidade de falta de oportunidades, e para sobreviver acabaram indo pelo “lado mais fácil”, cedendo ao mundo do tráfico de drogas?
Jarsen Guimarães: Nós vivemos o auge do garimpo nas décadas de 70 e 80, depois essas áreas de garimpo foram fechadas, e podemos ver que a população retorna para cidade e estagna, pois a população tinha trocado a produção pelo enriquecimento fácil. Então, com o retorno dessa população, Santarém passa a crescer e com esse crescimento tivemos o aumento da criminalidade. A partir de 2008 a cidade viveu um aumento muito grande do tráfico. O crime de tráfico de drogas entre as atividades ilegais é a maior do mundo. Ele movimenta em torno de 320 bilhões de reais, e hoje Santarém é rota de passagem do tráfico, mas a Polícia desenvolveu mecanismos para combater esse crime. Podemos ver o mal que ele faz, o tráfico de drogas estimula outros crimes, como o furto e o roubo. Então, se você combate os furtos e os roubos, existe o tráfico de drogas que necessita desses dois delitos. A Polícia está trabalhando com geotecnologia, com sistemas de georeferenciamento e geoprocessamento. Hoje temos profissionais que antes não tínhamos nas Polícias Civil e Militar, existe as estatística em cima dos BO’s, ou seja, estão mapeando a criminalidade e em função disso, atacando e combatendo esses crimes justamente em seu foco. Daí inclusive o controle da criminalidade em Santarém.
Jornal O Impacto: O Estado como repressor da criminalidade, age de forma adequada para garantir a segurança da população?
Jarsen Guimarães: Nós tivemos recentemente a expansão do PCC e do Comando Vermelho aqui na região Norte. Temos filiais atuando justamente no tráfico de drogas, que é uma indústria que emprega de “forma ilícita” muitas pessoas, inclusive, nós tivemos em Belém o mapeamento do tráfico de drogas. Eles vêm justamente nas lacunas deixadas pelo Estado. Tivemos um amigo integrante da nossa rede de pesquisa da UEPA, que observou que alguns bairros onde há fragilidade do Estado, o tráfico de drogas consegue imperar. O furto e o roubo são impedidos nesses bairros, porém, nos bairros vizinhos onde a ação criminosa acontece, não. São as chamadas tecnologias do tráfico. Ao impedir o roubo naquele bairro onde o traficante age, eles chamam de corpos expostos, se trata de mortes, onde ele deixa o corpo no local para todo mundo ver, ou tiros para aleijar o indivíduo, para demonstrar que aquilo ali é em função do tráfico, esse não pagou ou outras coisas. Então, existe o que eles chamam de tecnologias para expor o poder do tráfico perante a sociedade e uma espécie de proteção. Nós pensamos que no tráfico é simplesmente vender e comprar, mas existe uma rede complexa de atividades ilegais, milícias e etc. Então, o tráfico é um crime complexo de se verificar, especificamente para Santarém, repito, esse crescimento do tráfico na cidade se deu porque Santarém é rota do crime, nossa fronteira local é extensa, é muito difícil o policiamento e controle. Os bandidos se aproveitam dessa situação para tentar passar por aqui.
Por: Edmundo Baía Júnior
Fonte: RG 15/O Impacto