Mulheres do crime e as crianças herdeiras do tráfico de drogas
Infelizmente em Santarém, para aqueles que acompanham informações da área policial, constatam facilmente, que o ‘amor bandido’ tem-se tornado cada vez mais em ‘amor entre bandidos’.
Nos últimos meses, cresceu exponencialmente o número de mulheres presas, principalmente as que estão envolvidas no tráfico de drogas. Anteriormente, ao ‘estourar’ uma boca de fumo, em uma residência que tinha presença de mulheres/esposas e crianças, o marido assumia para a Polícia, que todo o material entorpecente era dele, livrando a companheira da cadeia.
Porém, algumas dessas mulheres, ao retornarem para suas casas, assumiram o papel do esposo preso, e passaram a comercializar drogas. Nesta situação, em nova operação da Policia, a mesma é presa e autuado por tráfico de drogas, e encaminhada ao Complexo Penitenciário de Cucurunã.
Tal situação tem ocasionado um complexo problema social, o qual não tenha uma ação efetiva da sociedade e do Estado, fomentará ainda mais a criminalidade. Os chamados ‘herdeiros do tráfico’, crianças e adolescente cuja mãe e o pai estão presos, tornam-se presas fáceis para os traficantes.
Para a delegada Márcia Rabelo, o aumento da prisão de mulheres, muitas delas mães, é o resultado de uma série de fatores, mas que acabam afetando em cheio as crianças.
“Até algum tempo atrás a gente não via a constante de mulheres envolvidas em crimes violentos, mas hoje em dia nós observamos uma crescente em que as mulheres estão participando de assaltos e do tráfico de drogas ativamente. Então, infelizmente para mim como mulher é muito triste observar isso, já que a mulher é o esteio da família e a gente vê famílias inteiras destruídas por conta da droga, por conta do crime. A mulher e o marido são presos, e as crianças ficam aqui fora sozinhas, muitas vezes ficam com conhecidos ou até mesmo vão para lugares que não é salutar para essas crianças. Observamos tanto do marido, quanto da mulher ou das pessoas envolvidas, a falta de comprometimento com essas crianças, e isso é muito temerário. O mais preocupante é que temos observado que as mulheres têm participado realmente desses crimes, inclusive estão sendo presas. Então, atualmente já não é solicitado em uma boca de fumo, só a prisão preventiva do marido, mas sim da esposa também pelo fato dela ser conivente, sabendo o que está acontecendo, não denunciar e principalmente colocar as crianças dessa família em risco, presenciando desde muito cedo a preparação e a venda da droga. Sabendo que essas pessoas passam a madrugada inteira vendendo droga, então, a casa não tem sossego, a criança não descansa para ir à escola no dia seguinte, isso quando vai para escola, em grande parte os filhos são prejudicados, infelizmente está existindo essa nova realidade”, declarou Márcia Rabelo.
Em um ambiente vulnerável, crianças crescem observando as atividades ilícitas, e futuramente, caso não se tenham uma ação para reverter este quadro, o submundo da criminalidade ganhará mais um integrante.
Conforme relata a Delegada, as Políticas Públicas devem absolver essa nova realidade, e trabalhar na prevenção, caso contrário, irão perder a sociedade.
“A cidade está crescendo, assim como nas capitais, a participação das mulheres já tem sido maciça e nós observamos, mesmo quando ela não participa ativamente no crime, ela dá apoio. Quando o marido é preso no caso de tráfico de drogas, ela consequentemente assume aquele ponto de venda de drogas com a desculpa de manter os filhos. A gente sabe que está difícil o emprego, mas não é impossível, existem outras maneiras de se conseguir dinheiro legalmente e principalmente dar bons exemplos a essas crianças que observam, já que não adianta falar, mas dar o exemplo é o melhor a ser seguido. Temos famílias que já estariam atuando há muito tempo no tráfico, aonde os filhos já estariam maiores de idade, as filhas são usadas como mula, por serem menores de idade, então, a gente observa de forma temerária, é muito triste esta situação, e a Polícia e a Justiça têm realmente que conseguir proteger nossas crianças, e é, infelizmente através da apreensão desses genitores”, explica Márcia Rabelo.
A JUSTIÇA E OS DIREITOS DAS CRIANÇAS: No momento em que uma criança ou adolescente tem os pais presos, entra em ação uma rede de proteção, que tem por objetivo garantir os direitos, conforme consta nas legislações vigentes.
Para Dra. Josineide Medeiros, juíza titular da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Santarém, o problema é complexo, mas conta com a atenção de diversas entidades, que trabalham conjuntamente para tentar garantir o direito das famílias.
“De fato, o tráfico tem alcançado famílias inteiras e envolvido não só mulheres como também adolescente dentro de uma mesma família. Nessas situações, quando no ato do flagrante é identificado crianças presentes na casa, necessariamente o Conselho Tutelar é acionado para dar um destino àquelas crianças que ficam reféns daquela situação e da vulnerabilidade em razão do afastamento temporário dos pais que são presos. Então, o Conselho Tutelar procura identificar pessoas da família extensa que tenham responsabilidade, que possam assumir e paralelo a isso noticia a Vara da Infância e Juventude para fazer o acompanhamento. Em muitos casos, não é encontrada uma pessoa na família que tenha aptidão para assumir a responsabilidade por essas crianças, que por vezes são encaminhadas ao abrigo. É solicitada a medida protetiva de acolhimento na Vara da Infância e Juventude e é deferida e as crianças ficam no abrigo. Posteriormente se tentam o resgate de vínculos e algumas vezes é bem sucedido e em outras vezes ocorre a destituição do poder familiar dessas crianças”, explica a magistrada.
E qual seria a ação necessária para romper esse ciclo crescente, aonde as crianças são as principais vítimas. Segundo a Juíza, são vários os aspectos a serem considerado.
“Nós temos que analisar o fenômeno do crime de tráfico sob vários aspectos. Se uma família recorre ao tráfico como meio de adquirir renda e a família não tem nenhuma outra fonte de renda, o Estado precisa olhar para essa necessidade e gerar condições de renda familiar e dar oportunidade para que essa família possa aferir uma renda de forma licita e não de forma ilícita. Não se pode normalizar o fenômeno do crime, achar que é normal, que é aceitável, que essa é a fonte de renda da família. Principalmente, as crianças não podem assimilar o aprendizado de que o tráfico é um meio em que os pais têm para suprir as necessidades da família. É um ambiente realmente impróprio para o crescimento saudável e desenvolvimento de valores numa criança ou em um adolescente e isso deve ser evitado. Para quebrar esse ciclo, primeiramente, é necessário responsabilização pelo crime, segundo, geração de renda lícita para essas famílias”, finaliza Dra. Josineide Medeiros.
QUESTÕES SOCIOECONÔMICAS X RELACIONAMENTO AMOROSO: Para especialistas, existe uma linha muito tênue, sobre os motivos que levam a mulher praticar crimes, especificamente os relacionados ao tráfico de drogas. De um lado fatores relacionados à manutenção de relacionamentos amorosos, e de outro, uma questão de renda. O certo é que existe uma relação direta entre pobreza e encarceramento.
PRESÍDIO LOTADO: Assim como na maioria dos municípios brasileiros, o sistema penitenciário não suporta a quantidade de presos. Em Santarém, a situação das detentas é de muita dificuldade. Não possuem um Centro Triagem Feminino, e aguardam o posicionamento da Justiça, em uma estrutura bastante precária.
PRISÃO DOMICILIAR: De acordo com a Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a mulher presa gestante ou com filho de até 12 anos de idade incompletos tem direito a requerer a substituição da prisão preventiva pela domiciliar. É o que estabelece a Lei n. 13.257, editada em dia 8 de março de 2016, que alterou artigos do Código de Processo Penal. A mudança amplia o rol de direitos das mulheres presas no Brasil, que hoje representam 6,4% da população carcerária do país, número que vem crescendo em ritmo muito maior do que a população carcerária do sexo masculino.
De acordo com o levantamento nacional de Informações Penitenciárias do Ministério da Justiça (Infopen), em quinze anos (entre 2000 e 2014) a população carcerária feminina cresceu 567,4%, chegando a 37.380 detentas. Já a média de crescimento masculino foi de 220,20% no mesmo período.
As mudanças instituídas por meio da Lei n. 13.257 ampliam os direitos já previstos na legislação brasileira para as mulheres presas. Segundo a Cartilha da Mulher Presa, editada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2011, a mulher presa tinha direito a cumprir pena em estabelecimento distinto do destinado a homens e a segurança interna das penitenciárias femininas deve ser feita apenas por agentes do sexo feminino.
Na amamentação – Enquanto estiver amamentando, a mulher presa tem direito a permanecer com o filho na unidade, caso o juiz não conceda a prisão domiciliar. Por esse motivo, penitenciárias femininas devem contar com uma ala reservada para mulheres grávidas e para internas que estejam amamentando. Além disso, a criança tem direito a ser atendida por um pediatra enquanto estiver na unidade.
A cartilha esclarece que a mulher não perde a guarda dos filhos quando é presa, mas a guarda fica suspensa até o julgamento definitivo do processo ou se ela for condenada a pena superior a dois anos de prisão. Enquanto a mulher estiver cumprindo pena, a guarda de filhos menores de idade fica com o marido, parentes ou amigos da família. Depois de cumprida a pena, a mãe volta a ter a guarda do filho, se não houver nenhuma decisão judicial em sentido contrário. A perda da guarda do filho e do poder familiar só pode ocorrer se a mulher cometer crime doloso contra o próprio filho ou estiver sujeita à pena de reclusão.
Além destes direitos específicos para as mulheres, também são assegurados às presas os mesmos direitos reservados ao homem preso, como os direitos e garantias fundamentais previstos no artigo 5º da Constituição Federal. Fazem parte destes direitos e garantias: o tratamento digno, sem preconceito de raça, cor, sexo, idade, língua ou quaisquer outras formas de discriminação, o direito a não sofrer violência física ou moral e de não ser submetida à tortura ou a tratamento desumano e cruel.
As presas têm direito também à assistência material, devendo receber roupas, cobertas, material de higiene e limpeza e produtos de higiene pessoal suficientes para que sua integridade física ou moral não seja colocada em risco. A presa tem direito ainda à assistência, à saúde, respeitadas as peculiaridades de sua condição feminina, inclusive ginecologista e participação em programas de prevenção a doenças sexualmente transmissíveis.
Caso não tenha recursos para pagar um advogado, é assegurada a assistência jurídica gratuita à presa. Seus dependentes, quando de baixa renda, também têm direito ao auxílio-reclusão, caso ela contribua para a Previdência Social, esteja cumprindo pena em regime fechado ou semiaberto e não receba aposentadoria, auxílio-doença ou remuneração do antigo emprego. Assim como o homem preso, a mulher presa também tem direito à educação formal e não formal e à visita de cônjuge, companheiro, parentes e amigos.
Por: Edmundo Baía Júnior
Fonte: RG 15/O Impacto