Depressão não é frescura
Artigo do escritor e jornalista Nazareno Santos
Você certamente já ouviu falar de Moisés, Elias, Davi, Hipócrates, Saul, Jonas? Quem eram essas pessoas? Eles também nos primórdios de nossa história sofreram de Depressão, doença que na época delas tinha outros significados semânticos, sendo que veio antes de Cristo.
Vou começar falando de Elias, após fazer várias caminhadas pelo deserto e ter se sentado debaixo de um Junípero, em desespero disse o seguinte:
“Lahwe! Retira-me a vida, pois não sou melhor que meus pais (1Rs 19,4). Rei Davi que cometeu muitos vacilos, pisou na bola muitas vezes com Deus não suportando carregar o fardo do seu pecado, também foi vitima de profunda depressão, e isso você encontra no salmo 37(38), com ênfase no versículo 7. Dizia Davi mergulhado em profunda melancolia: “ando triste, abatido, encurvado, todo o dia afogado em tristeza” e no 11, “bate rápido o meu coração, minhas forças estão me deixando, e sem luz, os meus olhos se apagam”. E o que podemos dizer de um senhor de Jeremias??? Ele tinha o epiteto, o codinome de Profeta Chorão, sendo visto como o patrono da depressão, não daria para reproduzir aqui todas suas lamentações, mas ele dizia: “maldito o dia em que nasci!, o dia em que minha mãe me gerou não seja abençoado”.
Padre Reginaldo Manzoti, que escreveu na minha opinião um dos livros mais verdadeiros, mais sábios falando sobre essa doença, definiu no texto a depressão como Feridas da Alma.
Vamos lá, a nossa lista de lamentadores. Jonas, aquele mesmo que também brincou com Deus e foi engolido por uma baleia. Jonas ao entrar também no universo sombrio e às vezes inexplicável das feridas da alma foi ao extremo. “Agora, Senhor, toma a minha alma, porque é melhor a morte que a vida” (Jn 4,3).
Nos tempos bíblicos não existiam ainda várias palavras nos históricos da medicina, mas podemos afirmar pelo que li sobre nosso próximo personagem que ele era realmente Bipolar. Pois é, o primeiro rei de Israel era bipolar, ele tinha alterações características de depressivo pela brusca mudança de humor, considerada até certo ponto bizarra, fora dos limites; poderíamos até sem exagero afirmar que o rei era portador de transtorno afetivo bipolar. Rei Saul (1079-1007) também tinha surtos de fúria, e só voltava ao normal porque seu amigo (viram como é importante termos um amigo numa hora dessas!), Rei Davi, nestes momentos de crise tocava harpas para que Saul voltasse ao seu estado normal.
Vou ficando por aqui porque poderia citar centenas, dezenas, milhares de nomes de pessoas famosas, de eruditos, intelectuais, profetas, pessoas comuns que foram vitimados pela depressão.
Mas você pode estar se perguntando, mas qual a finalidade desse texto que só cita pessoas famosas da Bíblia como vítimas dessa doença??? Exatamente, porque esse introito, esse preâmbulo, foi proposital para que eu pudesse imperativamente dizer: ”Depressão não é frescura, é doença, e as pessoas não podem mais fechar os olhos e o coração pra ela”. Lembram-se da morte recente de um policial, bom emprego, rapaz jovem, ele se foi e deixou um imenso ponto de interrogação nos seus familiares e amigos próximos??? E a vida não deve ser feita só de porquês, deveríamos todos nós tirar a bunda da nossa zona de conforto e correr atrás de respostas.
Hipócrates (460-380), médico grego, considerado pai da medicina, já definia esse grande mal como melancolia, mania para conceituar, definir os sintomas e casos de distúrbios mentais. Portanto, jamais diga que depressão é frescura, que fulano era fraco, foi covarde, porque pior que a insensibilidade humana, a falta de amor ao próximo que se espalha feito uma metástase do egoísmo, é você violentar o silêncio daquele que não saberemos se morreu também por falta de uma palavra, de um abraço, por falta de um minuto, porque ninguém mais tem tempo nem pra si mesmo e vivemos correndo em ponto imaginários feitos uma gazela aflita pra escapar das garras do leão feroz.
Ainda sobre Hipócrates, ele foi o pioneiro nos relatos sobre essa doença maldita, também afirmando que a produção excessiva da bílis era reflexos, era associada a uma das estações do ano, o Outono e detalhava seus sintomas reiterando como depressão moral, ansiedade, tristeza, tendência ao suicídio, aversão à comida, irritação, inquietude, desânimo e insônia acompanhado de medo prolongado. Na mesma linha de pesquisa, o também médico e filósofo romano de origem grega Cláudio Galeno (131-201), definiu como sendo quatro tipos de temperamentos que podem significar depressão: Melancolia, estado colérico, estado fleumático e sanguíneo. Ele acreditava na existência de psique (alma) que estaria localizada no cérebro e sujeita a um ego, cuja influência era tão potente quanto Deus regendo nosso mundo como um genial maestro. Platão, Sócrates e outros sábios pensadores também em seus escritos fizeram referência à depressão, que não vamos comentar aqui porque a intenção dessa crônica é falar sobre depressão em si e não filosofia, nem tratado de erudição.
Viram como o buraco é mais embaixo??? Eu, como você que está lendo agora esse texto, com certeza viveu o drama da perda de um parente, um amigo que encontrou no suicídio uma saída para fugir de um cárcere invisível chamado por ele (a) de vida, portanto, não diga e nem entenda essa doença como uma síndrome de frescura ou que o depressivo esteja se entregando porque tem pusilanimidade perante os problemas da vida.
Não deixe que um espirito de porco se aposse de você a ponto de deixar sozinho na beira do abismo, um amigo, um parente, ou seja lá quem for. No século V, João Cassiano, um monge que era um dos padres do deserto, também descreveu a depressão como acedia, como um desgaste ou perturbação do coração geralmente associado a pessoas solitárias.
Ficar só é ruim, deixar alguém na beira do caminho é ruim, se fazer de surdo é péssimo, ser um homem ou mulher de gelo enquanto alguém sangra sob seu nariz é uma tragédia. Essa doença desde que Deus criou a humanidade é tão desafiante, paradoxal que numa clara referência ao salmo 90, Ele a chamou de “Demônio do meio dia”, sendo que a mesma inferniza a vida da pessoa de dia e de noite. Portanto, não deixe que seu filho, sua filha, seu esposo ou sua esposa se torne um eremita no deserto da sua falta de tempo. O que mais falta para que possamos enxergar quem está tão próximo, mas muitas vezes tão distante de nós??? Da falta de um abraço, da falta de um carinho, da falta de palavras pode brotar no solo semiárido do desamor, o silêncio, o eterno silêncio da culpa por omissão, por fecharmos os olhos a quem agoniza a nossa frente, e não somos apenas um composto de alma, mas de corpo, coração, mente, pés e mãos. Depressão mata, leva ao suicídio e não é frescura.
Pra encerrar, diria que todos nós temos um projeto na vida ou um projeto de vida, mas é importante que nosso irmão (na acepção global do amor ao próximo) também entre em nosso projeto de vida, porque você pode até temer a morte, fugir para a floresta do egoísmo e da indiferença, não vai lhe traduzir o verdadeiro significado do que é a vida. A vida é o agora, são os segundos, os minutos, as horas, o tempo, então, não perca tempo e dê visibilidade a quem você ama, porque ser abandonado, rejeitado esquecido na beira de uma estrada, na borda de um abismo, é ruim pra caramba. Mesmo com a internet, WhatsApp, telefonia fixa, mesmo numa aldeia global regida pela velocidade das teclas, porém, nunca estivemos tão a sós como nos dias atuais. Diria até que além da depressão, a pior doença do século é a solidão. Solidão não é estar sozinho (a), solidão é não enxergar quem está do nosso lado mesmo estando junto ou próximo. Você pode ter cinco mil amigos invisíveis nas redes (internet), mas o verdadeiro a amigo (a) deve ser real, alguém que esteja perto e que você possa tocá-lo (a) de verdade, alguém de carne e osso e pele.
Pense nisso sempre quando se defrontar com uma pessoa vítima dessa maldita doença.
E pra finalizar com tudo que escrevi, se ainda houver ainda algum ceticismo no seu coração renitente, deixo uma reflexão de cunho popular: “Se você quiser saber qual a quantidade de amigos (a) que fazem parte de sua vida, promova uma grande festa com churrasco e com bebidas. Agora, se quiser saber a qualidade dos seus amigos, adoeça gravemente (principalmente se for depressão) ou perca seu emprego”.
Fonte: RG 15/O Impacto