Leíria Rodrigues: “Se for tratado no começo, câncer tem até 100% de chance de cura”
Tratamento oncológico é desgastante e doloroso, principalmente para as mulheres
Jornalista faz um relato de como conseguiu vencer essa doença
Como estamos no mês da campanha do “Outubro Rosa”, movimento para estimular a participação da população no controle do câncer de mama, quando aconteceu a corrida e caminhada no último sábado, dia 20, nossa reportagem recebeu a jornalista Leíria Rodrigues, que passou por momentos difíceis com essa doença, venceu e hoje tem uma história muito bonita, e nos concedeu entrevista exclusiva.
Jornal O Impacto: Fale um pouco para nós sobre esse movimento, que tem como objetivo chamar a atenção e fazer um alerta para prevenção do câncer de mama.
Leíria Rodrigues: A gente está tentando esse bate-papo já há algum tempo. Eu me sinto muito honrada. O Outubro Rosa, é um mês de muita reflexão, conquistas e desafios. É um mês que nós mulheres e homens também somos convidados a repensar na nossa qualidade de vida, não só falar da cura, não só falar do câncer como doença, como diagnóstico, mas em especial a gente costuma tratar o Outubro Rosa como meio de prevenção para que possamos viver os outros meses do ano com mais vida. É um mês muito especial para todos, principalmente para quem já vivenciou o câncer. Vocês devem ter acompanhado minha jornada oncológica, então, falar do câncer para mim é uma alegria. Poderia ser ao contrário, mas é uma alegria poder estar aqui com vocês, poder conversar e dizer que estar viva para mim, é uma alegria.
Jornal O Impacto: E é por isso que nós a convidamos, porque o objetivo também é esse, levar essa sua vitória para muita gente, que ela se transforme em um incentivo para que as pessoas se cuidem e para aquelas pessoas que já detectaram essa doença, que elas saibam que dá para superar.
Leíria Rodrigues: Com certeza. Não ter medo. Falar do câncer ainda assusta. O câncer de mama perde para o câncer do colo de útero. Mas o câncer tem matado muitas mulheres. Na última pesquisa do INCA, 59 mil mulheres receberam o diagnóstico de câncer de mama, e estar nessa estatística não é fácil. A gente trata essa estatística como uma coisa muito distante da gente Se a gente for fazer uma pesquisa, inúmeras famílias santarenas e da Amazônia tiveram ou conhecem alguém que tenha tido um diagnóstico de câncer de mama. O tratamento oncológico é desgastante e doloroso, principalmente para nós mulheres. Em 2012, quando recebi um diagnóstico de câncer, eu estava no auge, com os meus quatro filhos, inclusive os menores que são gêmeos e tinham menos de 2 anos de idade e você de repente se depara com ,esse diagnóstico. Eu que sou da área de comunicação, que divulgava e falava sempre no rádio sobre a saúde da mulher, eu também fazia meus exames. Conhecer o corpo é um passo muito importante. Eu lembro que saiu uma pequena secreção da mama esquerda, que me chamou atenção e saiu outras vezes. Aí eu disse: “Opa! Alguma coisa está errada”. Hoje, a tecnologia está aí ao nosso favor, a informação precisa também chegar às mulheres. A gente nota que as mulheres, principalmente do interior da Amazônia, são as que menos estão próximas da informação e aí ficam com medo. Muitas mulheres são vitoriosas, muitas que descobrem precocemente o diagnóstico, tem 95% ou até 100% de cura.
Jornal O Impacto: Pode ser o fim, se não for descoberto no começo!
Leíria Rodrigues: Isso. Você precisa conhecer o seu corpo e qualquer sinal de alteração, tem que procurar atendimento médico. Eu não estou falando aqui como especialista no assunto, mas como alguém que já passou e viveu com essa doença. Os homens também estão nessa estatística de câncer, infelizmente as mulheres são mais acometidas por uma série de fatores biológicos, fatores externos. Hoje, nós mulheres exercemos papel de mãe, de profissional, de vários fatores que interferem na nossa qualidade de vida.
Jornal O Impacto: Depois que foi diagnosticada com essa doença, cumpriu toda as etapas do tratamento?
Leíria Rodrigues: Infelizmente, hoje a oncologia não diz assim: “Olha, já levou sua carta de alforria e tchau, nunca mais”. Não te dá uma certeza. Eu tive vários surpresinhas nesse percurso, está fazendo exatamente seis anos desde o dia que eu recebi o diagnóstico. Graças a Deus costumo dizer que eu tenho 6 anos de vida, ou então, ainda sou uma criança. Nesse processo todo tem muitos procedimentos, e eu fiz todos. Existem vários tipos de câncer, o meu era um câncer muito agressivo e comum, exige um tratamento mais agressivo, sendo que cheguei a fazer 38 sessões de quimioterapia. Isso tem vários efeitos, sendo que um deles mexe muito com a autoestima da mulher, que é a perda dos cabelos, mas a gente precisa entender que isso faz parte do procedimento oncológico. Você que está passando por isso, não tenha medo, cabelinhos caem e depois nascem. Essa é uma fase que quando você olha para trás, já passou, você já venceu e vai superando cada etapa, depois tem a radioterapia. Assim o tratamento oncológico é muito personalizado. Então, depende muito do estágio da doença, de quando foi diagnosticada. Depende muito, também, da sua aceitação e encarar o diagnóstico. É uma caixinha de surpresa, o impacto é difícil. No meu caso, tive que deixar minha família, deixar o meu trabalho e ir para outro lugar. Isso mexe, também, com a gente, pois você está numa outra terra, sem o apoio da família, que é o apoio fundamental, também o apoio de amigos e colegas, mas a gente tem que ter a certeza de que o emocional é muito importante e naquele momento você precisa se encher de todas as armas possíveis, se munir do bem, do amor, da alegria, do humor e entender que é um momento e que você vai passar por ele sem dúvida.
Jornal O Impacto: A gente não pode deixar de abordar essa questão que você viveu, que lhe tocou. Você já era uma pessoa muito solidária, uma pessoa muito religiosa e isso tocou um pouco mais na sua sensibilidade. Você ajuda quem está vivendo problemas assim?
Leíria Rodrigues: Eu acho que a gente precisa compartilhar não só o que você passou, mas inspirar outras pessoas também. É claro que eu não me tornei uma mártir, não consegui evoluir tanto, mas a gente consegue entender que é o momento que precisamos muito do outro e isso eu tive. Tenho muita gratidão por isso, eu tive muitas mãos amigas, muitos peitos amigos, pois eu tive que retirar as duas mamas e eu sempre dizia que eu ganhei várias mamas, então, não senti necessidade delas naquele momento, mesmo eu já tendo amamentado os filhotes; segundo, era tanta gente, tantos amigos, uma roda de solidariedade que crescia a cada dia. O apoio, sem dúvida, é fundamental. Não vou dizer que não aconteceram aqueles momentos em que eu tive medo de morrer, que eu chorei, que eu achei que a coisa estava difícil, medo de deixar os filhos muito pequenos, tive medo de não ver mais esse rio, de não ir mais para Alter do Chão, de não ver os amigos, mas eu sempre pensava que um dia após o outro estava viva. Então, se eu estou viva hoje, vamos lutar. Eu fui acolhida por 7 casas, não eram casas de apoio propriamente ditas, mas casas de amigos e de pessoas que me conheceram durante o tratamento e que não sabiam de onde eu vinha, não sabiam da minha história, mas me acolheram. Aí, eu dizia: “Nossa! Como é importante esse acolhimento”. Hoje, qualquer situação da sua vida se você não partilhar com alguém, você sofre sozinho. Isso não aconteceu comigo, pois compartilhei, eu fui esperta. O câncer não é meu, é de todo mundo, então, vamos lá.
“A Casa Rosa já acolheu mais de 40 mulheres ao longo de dois anos”
Jornal O Impacto: E hoje você, inclusive, está totalmente engajada ao acolhimento que é feito na Casa Rosa.
Leíria Rodrigues: Nós começamos a formar um grupo de amigos, que a gente costumava se chamar de ´Amigos do Peito`, fazer algumas ações nos hospitais, visitas onde tinha uma mulher que descobriu que estava com a doença e ligava para nós, dar aquela força, dizer que ela iria conseguir vencer, que aquilo é uma fase que vai passar; dizer que o momento é difícil, mas que a gente estava para ajudar. Assim nasceu a “Associação Amigos do Peito”. A partir da corrida e da caminhada nós conseguimos angariar recursos para fazermos uma ação importante para que essa causa crescesse. A gente nota que nós mulheres, que passamos pelo tratamento de câncer de mama ou de outro tipo de câncer, que a medicação faz cair os pelos. Para mim foi muito engraçado, pois eu usava peruca com cabelo de tudo quanto era cor, então, para mim foi muito divertido, pois não gastava com shampoo e nem com depilação. Eu sempre digo isso para as mulheres: “Gente, do limão tem que se fazer uma limonada”. Então, para mim era super bacana aquilo. Mas outras mulheres, que são vaidosas, que vivem no salão, mulheres com cabelão, era ruim. Eu tinha uma amiga que não saía do banheiro; eu tenho amigas que até hoje durante o tratamento dormem de peruca, porque elas não querem se sentir como se estivessem doentes. Ainda há preconceito, também, de pessoas que veem alguém careca. Tem histórias muito interessantes e histórias dolorosas, inclusive aí começamos a pensar: “Poxa, o cabelo sintético não é parecido com o nosso cabelo natural. Cabelo sintético alguém vai descobrir que você está de peruca, alguém visualiza logo e descobre que é um cabelo muito brilhoso e muito grosso”. A peruca de cabelo natural é cara, uma peruca do tamanho do meu cabelo se fosse hoje custaria de 400 a 500 reais, em média. Eu usei peruca natural, porque ganhei de uma amiga, que inclusive já faleceu. Eu me senti poderosa. Quando eu ia para o restaurante, ficava cansada de todo mundo olhar e dizer: “Olha, a Leiria careca, ou então, olha, a Leíria com câncer”. Aí eu colocava a peruca, ficava mais descolada e ninguém nem desconfiava nada. Pensando nessas mulheres, a gente começou a fabricar as perucas de cabelo natural com o recurso da primeira corrida. A gente viu que era possível fazer mais e pensamos: “Gente, eu não posso acolher essas mulheres todas na minha casa, não posso dar dignidade a elas quando isso crescer”. Foi que alugamos uma casa, que chamamos hoje de “Casa Rosa”, que temos a honra e alegria de termos acolhido mais de 40 mulheres ao longo de dois anos, completados em julho deste ano. Hoje, a casa ainda não é nossa, é alugada e nós temos um custo mensal em torno de R$ 5.000 por mês. Então, nós vivemos da doação e do recurso principalmente da corrida e da caminhada.
Jornal O Impacto: Esse dinheiro da corrida e caminhada, depois de tiradas as despesas, o lucro é revertido na manutenção da Casa Rosa?
Leíria Rodrigues: Desde a primeira corrida e caminhada, hoje estamos na sexta edição, só tem crescido e isso nos emociona muito, porque tem gente que corre por um amigo que se foi; tem gente que corre para um amigo que nunca conheceu, mas que ele sabe que lá na Casa Rosa está sendo acolhido; tem gente que corre por alguém da família que está em tratamento. É muito emocionante saber que o esporte é um grande aliado da qualidade de vida das pessoas. Pesquisas apontam que 30% reduz o câncer de mama para quem tem uma atividade física regular, então, a corrida e caminhada, na verdade, é chamar atenção à prevenção. O esporte é um grande aliado; correr, caminhar, praticar qualquer tipo de esporte que você tenha vontade, que você sinta prazer, é muito importante. Fica a dica: que essa corrida realmente traga essa reflexão de que o esporte é muito importante para nossa vida e mais importante ainda para o acolhimento das mulheres em tratamento do câncer na Casa Rosa. No ano passado nós ficamos surpreendidos, pois tivemos R$ 20.000 de lucro. A cada kit comprado, uma parte vai direto para conta da Casa Rosa. Hoje nós temos um conselho fiscal que é muito criterioso. Nós recebemos, inclusive, um recurso da Justiça do Estado. Então, hoje a Casa Rosa é uma associação que tem credibilidade, que a gente abre as portas para que as pessoas conheçam, pessoas que dão até um pacote de café, pessoas que chegam para doar cabelo. A gente precisa ter muito amor por essas doações. A Casa Rosa está localizada na Travessa Xingu, bairro da interventoria.
Por: Edmundo Baía Junior
Fonte: RG 15/O Impacto