Relatório aponta pagamento indevido de R$ 12,5 milhões na obra do Abelardo Santos
“Problemas técnicos de competência do órgão executor”. A frase grafada em um documento elaborado pela própria Auditoria Geral do Estado (AGE), direcionada a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Obras Públicas (Sedop) resume bem o tamanho da irresponsabilidade do Governo do Estado em uma das obras mais demoradas da história: a construção do novo Hospital Regional Abelardo Santos (HRAS), em Icoaraci, iniciada em 2013 e ainda sem previsão de ser entregue.
Orçada em mais de R$ 196 milhões e utilizando de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), já teve a continuidade prorrogada tantas vezes que até a AGE resolveu questionar não só a quantidade de aditamentos do contrato – chegou ao 15º este ano, mas também recomendar instauração de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) dentro da Sedop para identificar o mal uso do dinheiro público: há pelo menos dois aditivos cobrando duas vezes por uma mesma finalidade.
Andares inteiros estão com trabalhos inacabados (Foto: Reprodução)
É importante lembrar que desde o dia 13 de agosto, o HRAS, que ainda não está pronto e não tem data marcada para começar a funcionar, já rende lucros à Organização Social Pró Saúde. De acordo com o Contrato de Gestão 003/Sespa/2018, a OS já responde pela administração do hospital e assim será até julho de 2023, recebendo um total de R$ 661,2 milhões, ou pouco mais de R$ 11 milhões mensais. E isso com o prédio tendo, pelo menos, dois andares “crus”, como a reportagem do DIÁRIO pôde confirmar in loco. Durante esta semana, fiscais do BNDES estão em Belém para vistoriar o prédio e avaliar se os recursos foram aplicados de acordo com as previsões do projeto.
INCONFORMIDADES
A manifestação da AGE, de julho desse ano, atende a um pedido da Secretaria de Estado de Planejamento (Seplan): verificar a regularidade técnica e jurídica do 7º e 15º aditivos do contrato 048/2013, firmado com a Empresa Consórcio Nova Saúde, que reúne Construbase e Paulitec, esta última uma das parceiras mais frequentes dos governos do PSDB no Pará em obras superfaturadas.
E em cada uma das justificativas, a Auditoria aponta uma série de inconformidades cometidas pela Sedop, e diz mais: que os acréscimos financeiros devem ser arcados pelo Estado, no caso pela Sedop, como ônus de sua própria incompetência por ter aprovado um projeto incompleto, e não pela empresa responsável pela obra.
Em relação ao 7º aditivo, de 2016, a AGE recomenda PAD para entender o motivo de se precisar de mais R$ 2 milhões para arcar com cinco itens voltados à segurança básica, exigidos pela lei e indispensáveis ao andamento da obra, e que deveriam fazer parte da planilha orçamentária licitada, ou seja, inclusos nos R$ 196 milhões: cimbramento metálico, linha da vida/varal de carpinteiro, proteção periférica de lajes e duas bandejas salva-vidas secundárias de forro em compensada. “Deixaram de ser orçadas quando obrigatoriamente era exigido (…) Pelas justificativas apresentadas pela Sedop, não caberiam, a princípio, serem imputadas à contratada”, afirma o parecer.
Já em relação ao 15º aditivo, de 2018, o aumento de R$ 12,5 milhões no valor do contrato se refere a serviços preliminares, demolições e retiradas, fundações e infraestrutura, entre outros. Ocorre que, de acordo com a AGE, esses itens já tinham previsão de aumento justamente no 7º aditamento. “Ou seja, estes que pretendiam corrigir o projeto básico, de fato, mostraram-se ainda deficientes, considerando sua repetição, com mesma motivação, no 15º TAC”, informa o documento.
Para finalizar, a AGE recomenda consulta formal ao BNDES sobre o acatamento e autorização do cancelamento de dois itens da planilha orçamentária, que somam mais de R$ 33 milhões, referentes a “equipamentos e instrumentais necessários para que o hospital possa funcionar”, mas sem detalhar que instrumentais e equipamentos são esses.
Na Unidade Municipal de Saúde, atendimento só com muita sorte (Foto: Maycon Nunes/Diário do Pará)
Como sempre, quem sofre é a população que precisa de atendimento médico
A população que reside nos distritos de Icoaraci e Outeiro, em Belém, enfrenta uma verdadeira via crúcis para conseguir atendimento médico na rede de saúde pública. O Hospital Regional Abelardo Santospoderia estar suprindo essa carência de atendimento que existe na área. Caso estivesse pronto, o centro atenderia os 180 mil habitantes de Icoaraci e 87 mil moradores da Ilha de Outeiro.
Grávida de oito meses, a autônoma Suzane Dias, 23, é moradora de Outeiro, mas procura atendimento médico em Icoaraci. Mesmo se encaixando no grupo de prioridade, ela diz que não consegue atendimento prioritário devido à superlotação da emergência do Abelardo Santos e nas unidades de saúde. “Quando for ter o neném, vou ter que vir pra cá ou ir pra Belém. Se estivesse pronto não precisaria ir pra lá. Você demora pra fazer consulta, exames, não existe prioridade devido ser muita gente”, reclama.
Na Unidade Municipal de Saúde de Icoaraci, situada no bairro do Cruzeiro, faltam medicamentos e os pacientes são obrigados a se encaixar em uma longa fila de espera para conseguir consulta, sobretudo quando se trata de consulta especializada. A operadora de caixa Andreia Silva, 45, recebeu resposta negativa ao solicitar insulina para a mãe que é diabética e recebe o medicamento pelo sistema Único de Saúde (SUS). “Está terrível a situação. Outro dia cheguei com a minha mãe que tem diabetes e estava com a glicose baixíssima e não atenderam. É um desrespeito”, diz ela, acrescentando que a unidade de saúde vive superlotada. Segundo ela, a unidade já passou 30 dias sem ter insulina disponível. “Para quem depende de saúde pública é precário. Quando temos dinheiro conseguimos comprar. Mas e quem não tem condições?”, questiona.
PROTESTO
Os servidores do Hospital Abelardo Santos, em Icoaraci, protestaram em frente ao hospital na manhã de sábado (20). Eles se posicionaram contra às mudanças que o Governo do Estado pretende implementar na unidade após a reforma. Os servidores são contra a terceirização da gestão do hospital, bem como a mudança nos critérios de atendimento, deixando de ser uma unidade de urgência e emergência para atendimentos encaminhados de outras unidades. (Com informações do repórter Luiz Guilherme Ramos)
Fonte: Carol Menezes e Redação do Diário do Pará