Apolinário, o artista plástico que se renova com sua arte
Com alguns trabalhos polêmicos, expôs em cemitérios e teve seu trabalho reconhecido no exterior
Apolinário Oliveira fala sobre a polêmica do letreiro na orla de Santarém
O artista plástico Apolinário Oliveira, que atua nesta profissão há 35 anos, esteve em nossa redação para falar sobre suas atividades, entre as quais, o rádio, onde apresenta um programa em Santarém: |
“Tive um problema sério uma vez. Eu era menino e minha mãe precisava trabalhar. Nessa época eu tinha nove anos de idade, minha mão trabalhava no Hotel Brasil, ali da Lameira Bittencourt com a Travessa dos Mártires, e não podia me levar, aí eu ficava com aquele rádio ouvindo o Osvaldo de Andrade, Leal de Souza, Natalino Souza, e outros locutores. Um dia eu liguei o rádio para escutá-los e nunca imaginaria que estaria aqui. Tudo começou com meu pai, um artista baiano que casou com uma cabocla de Fordlândia. Na verdade, minha mãe nasceu em uma vila, Caeçuepar. Muitos nordestinos vieram para Fordlândia para trabalhar na empresa de Henry Ford, na época da borracha, quando meu pai conheceu minha mãe. Quando ele se separou e foi embora, minha mãe ficou só com o filho menor. Ele era um artista, pegava um pedaço de madeira e com um canivete fazia artes bonitas. Dois oitos filhos, eu era o que mais olhava e contemplava calado, eu achava aquilo muito bonito. Meu pai também pintava e, quando foi embora deixou os pincéis, deixou tudo. Eu fiquei usando aquilo como um brinquedo. Minha mãe se desfez de todas as outras coisas, mas pelo meu apego com os pincéis, formão e outras ferramentas, como o brinquedo, depois aquilo se tornou sério. Eu precisei, no período mais difícil da vida, ir às ruas encarar de frente as dificuldades, eu engraxei sapato, vendi jornal, lavei carro, mas, foi exatamente por volta dos anos 80, quando eu estava um dia de sábado na praça, quando não tinha ninguém, chegou o mesmo cara que ajudou a fundar o rádio em Santarém, Frei Juvenal, quando eu estava ali com minhas produções que eram feitas em papelão, ele trouxe uma bolsa de couro grande bem costurada por fora e por dentro, coisa americana de primeira, ele disse: ´Vê se você consegue engraxar`. Eu disse que conseguia. Frei Juvenal retrucou: ´Mas, não graxa da mesma cor pra não sujar a roupa. Você tem uma graxa incolor?`. Eu disse que tinha. Aí eu fui procurando, tirando as minhas coisas, quando ele disse: ´O que é isso?`. Eu respondi: ´Uns desenhos que eu faço`. Com uma certa timidez, não quis que ele visse, porque tinha medo que me reprovasse`. Ele disse: ´Mostre aqui`. Tinha umas seis peças em pedaço de papelão pintado com graxa de sapato, era uma espécie de um surrealismo diferenciado, com os rostos que eu fazia com o sofrimento das pessoas que eu via na rua. Ele olhou assim e disse: ´Rapaz, você vai ser bom, se você não parar. Como é seu nome?` Começou ali, e já começava também a primeira conversa para Pastoral do Menor, porque depois eu fui levado para os Irmãos de Santa Cruz. Eu fui uma pessoa que teve muitas dificuldades na vida, mas eu tive muitas pessoas boas que me apoiaram. Eu fico feliz porque eu consegui atravessar todos os desertos vivo, sem matar e sem ferir. Eu tive confrontos, porque é natural na sociedade naquele período, pós febre do ouro, você sabe que nossa região ainda tem essa marca onde todo mundo era garimpeiro, todo mundo estava arrancado o bucho da terra, a riqueza, muitos forasteiros. A sociedade ficava muito dividida com isso, não dava uma atenção para a arte, naquele período o Laurimar Leal já tinha suas dificuldades, imagine alguém que estava surgindo naquele momento, encontrado na praça. Mas, eu não estava sendo encontrado na praça por qualquer um, era o frei Juvenal e aí depois no programa que havia na TV Tapajós denominado e “Coisas Nossas”, do professor Dororó, e quem fazia o programa com para trazer talentos era justamente o professor Emir Bemerguy. Os irmãos de Santa Cruz disseram: ´Apresente ele na televisão`. Mas aquilo tinha todo o apoio de Dom Tiago, pela minha história de vida até aquele momento. Aí fui apresentado para a sociedade, e devido a minha maneira de me expressar eu contrariei alguns, mas continuei mantendo a admiração e o apoio de outros, como o irmão José Ricardo que era o diretor do colégio Dom Amando e patrocinou passagens para eu ir para Rio de Janeiro, São Paulo. Daí, eu fui saindo da graxa de sapato, fui acreditando nisso por conta do apoio dessas pessoas, do que elas me diziam. Eu estudei no Álvaro Adolfo, consegui concluir o segundo grau, que hoje é o ensino médio; eu tenho alguns anos de leitura, pois tive de me aprofundar. Depois eu comecei a fazer umas exposições diferentes, pois o meu trabalho não se encaixava muito naquele trabalho que é feito para combinar com a sala, para combinar com os móveis, para combinar com arquitetura, era um trabalho que tinha uma fala diferente com uma pessoa. Eu consegui chegar na Argentina, consegui chegar na França, através de um trabalho meio diferenciado que eu fazia aqui, exposição cemitério”, informou.
EXPOSIÇÕES EM CEMITÉRIOS: Com relação à polêmica sobre a Pastoral do menor, após uma exposição no cemitério, Apolinário Oliveira informou: “Eu precisava fazer um trabalho para as pessoas e eu houve ali, não sei se a palavra certa é metempsicose, que as pessoas não me entendiam. Aí eu descobri que as pessoas não têm medo de morrer, e que o ser humano é o único animal que tem certeza que vai morrer. O que ele tem na verdade é medo de deixar de existir, por isso que ele é um plantador da pedra, desde arquitetura da própria casa, da cidade, os monumentos, calçada, tudo de concreto e até a sua catacumba onde coloca no jazigo a palavra ‘fulano de tal’. Aquilo ali é para ele não deixar de existir. Eu digo: ´Pronto, eu vou expor nesse ponto`. Foi uma confusão que eu não sabia explicar e, na verdade, na arte tem uma coisa que você tem de deixar rolar porque ela se explica sozinha. Eu fiz a exposição aqui em Santarém, chamou bastante atenção, porque que eu estava fazendo uma exposição ali contemplando os mortos, e os vivos encontraram nisso um desrespeito que eu estava tendo pelo cemitério. O tema eu não me lembro direito, isso faz muito tempo, mas foram inspirações que vinham de maneira natural. Isso não tem nada haver com espiritismo, umbanda, com macumba, com nada, era uma coisa muito bonita que vinha e eu disse que ia expor no cemitério. Depois disso, eu fui convidado para levar essa mesma exposição para o cemitério da Soledade em Belém, que agora é museu. Quando eu fiz essa exposição lá fiz sucesso e fui convidado para levar essa exposição para Brasília, mas lá não fiz a exposição em cemitério e sim na galeria do Senado. Quem arrumou a exposição na época foi um político amigo nosso, que tinha um carro-pipa que levava água para o pessoal das colônias, Benedito Guimarães; ele foi Vereador, Deputado Estadual, Deputado Federal, tentou ser Prefeito algumas vezes. Ele me recebeu em sua casa, foi muito bacana, me deu um grande apoio. Em Brasília eu conheci o francês Charles Perrow, que depois me mandou uma passagem para eu ir para a França. Ele disse: ´Quero que você coloque uns quadros ao lado da sepultura do Allan Kardec, e depois uma outra tela do lado da sepultura do Van Gogh`. Aquilo foi muito bacana, não tinha esse jogo da internet para fazer toda aquela divulgação, só televisão, e foi um sucesso, foi muito bacana e eu consegui atingir resposta para aquele grito que vinha através do meu trabalho”, informou.
LAURIMAR LEAL: Apolínário Oliveira falou de sua aproximação com o consagrado Laurimar Leal, que é uma pessoa que tem uma folha de serviço muito grande à arte e à cultura de Santarém.
“Fazendo aquelas pinturas, um dia minha mãe disse que ia me levar para conhecer o Laurimar Leal. Fui, vi sua casa muito pequena para aquela situação, tinha um pessoal que trabalhava para festas, diferente do meu estilo, pois trabalho para pedra. Hoje eu sou um artista da pedra, que trabalha para o medo deixar de existir. Por isso que eu tenho ali o Trenzinho na orla, o Tucunaré, a Tartaruga, tem obras com imagens de Santos, lá em Novo Progresso uma escultura de 12 metros de altura. Coisas assim da pesada e que isso faz a gente sofrer. O material que eu uso são ferro, madeira, prego, cimento, pedra, vidro. Você precisa dominar esses trabalhos para dar uma forma. Qualquer forma que você for dar em alguma coisa, primeiro você tem de deformar. O artista de festa é aquele que trabalha, por exemplo, com carros alegóricos para uma escola de samba, e depois que termina o desfile aquilo tudo é jogado fora. Você pode observar quando termina o Festival dos Botos, os materiais ficam lá jogados, pois a beleza e o valor daquilo terminam junto com a festa. Depois, eu estava na Praça da Matriz, na época de uma grande reforma na igreja”.
POLÊMICA DO LETREIRO DA ORLA: O artista plástico se reportou sobre a polêmica de uma obra sua, mais precisamente um letreiro, que foi colocado na orla de Santarém: “O Rio Tapajós vem desde Jacareacanga. Quando eu fui convidado pelo empresário para fazer aquele letreiro para Alter do Chão, era um presente que ele queria dar para o povo valorizar o turismo, já que ele é do ramo de hotelaria. Logo depois fui chamado para Itaituba e quando terminei o letreiro da Cidade Pepita, voltei para Santarém. Foi quando um outro empresário me convidou para fazer aquele trabalho na orla. Ele disse: ´Cara!, eu quero colocar em Santarém, antes que alguém tenha essa ideia, eu quero mostrar o meu amor pela cidade`. Ele uma pessoa muito jovem, cheia de sabedoria e tem toda uma história de marketing dentro do mundo dele, da forma como ele trabalha. Me convidou e foi uma coisa interessante, pois eu estava tendo uns problemas, umas dívidas e ele até que me pagou adiantado, pois estava querendo sair da cidade por conta disso. Ele resolveu meu problema. Eu achei muito diferente isso, porque as pessoas se relacionam com o artista ou com qualquer uma outra pessoa que tenha no seu corpo, rascunhos de arte, design de uma pintura ou um adereço qualquer, com certas restrições. Aí o rapaz fez essa oferta diferenciada e fui fazer o trabalho. Deu todo esse auê que eu vi na internet, é uma coisa que está na moda atualmente. A gente já sabe que o ser humano já tem isso, independente de internet. Se eu chegar com alguém e for contar as coisas boas de uma pessoa, esse alguém não vai aguentar 20 minutos me escutando. Agora, se eu parar para contar as coisas bizarras, os detalhes esquisitos, vão dar muito ouvido e ainda vão recapitular algumas coisas. Eu fui vendo isso, mas fiquei na minha. Mas graças a Deus que a população gostou, aplaudiu e você fica dignificado quando as pessoas passam pelo local, tiram o celular da bolsa ou do bolso e começam a fotografar, tiram selfie. Isso que é gratificante, as pessoas gostarem do nosso trabalho”, finalizou Apolinário da Silva.
Por: Edmundo Baía Junior
Fonte: RG 15/O Impacto