ARTIGO – A DEFINITIVA CORRIDA DO OURO

Por Oswaldo Bezerra

Este ano tem sido marcado por uma corrida do ouro. O ouro não muda sua natureza. Pode ser ouro, moedas; não tem nacionalidade, existe há muito e é aceito por todos por seu valor estável. Sem dúvida, o valor de qualquer moeda é determinado por conexões diretas ou indiretas, real ou suposta com este metal, disse De Gaulle, o famoso mandatário francês. O maior império do mundo tentou anulá-lo como ativo financeiro, mas teimosamente o metal é requerido, se valoriza e volta a se tornar padrão financeiro.

O ouro tem sido utilizado como investimento de curto prazo durante crises. E, como estamos nos avizinhando de uma crise mundial então é certa a procura pelo metal. As perspectivas de desaceleração da economia global (o FMI revisou para baixo a previsão da taxa de crescimento global para 2019 e 2020) puxa o aumento da demanda por este ativo seguro.

Indicação de crise mundial temos de sobra. Na última semana, por exemplo, a intervenção do regulador dos EUA que introduziu 75 bilhões de dólares no sistema. É uma ferramenta de política monetária que fornece ao sistema liquidez, aumenta a circulação de dinheiro nos mercados. É uma característica que precede grandes crises.

Coincidentemente, todas as grandes potências naturais Rússia, China e Índia (com exceção do Brasil, pois resolvemos ser quintal dos EUA) estão aumentando suas reservas de ouro. No primeiro trimestre de 2019, o Banco Central da Rússia comprou mais ouro do que qualquer outro país. A China também está entre os maiores compradores do metal precioso, aumentou suas reservas em 99 toneladas (totalizou 2042 toneladas). A Índia também continua a aumentar as suas já grandes reservas. Comportamento também copiado por Hungria e Turquia, dentre outros. Para o Conselho Mundial do Ouro (WGC) isso é preparação para a potencial crise financeira.

Os bancos centrais europeus também puseram fim ao seu acordo sobre ouro que eles celebraram em 1999, em Washington, onde os americanos pretendiam coordenar as vendas de ouro. A tendência das últimas décadas, quando os países europeus, com os EUA na vanguarda, se livraram ativamente desse metal precioso em favor do dólar, mudou na direção oposta.

No final do primeiro semestre, todos os bancos centrais do mundo compraram 374 toneladas de ouro. Assim ficam protegidos das ações dos reguladores financeiros dos EUA, bem como da incerteza geopolítica. Dando sinais de uma volta, pelo menos em parte, ao padrão ouro.

O abandono do padrão ouro foi ocorreu há 75 anos. Foi quando da criação do sistema monetário global. O dólar se tornou a moeda internacional. Sua taxa foi estabelecida segundo as reservas de ouro dos Estados Unidos. O preço do metal foi fixado em US$ 35 por onça troy (31,1 grama). Os países membros mantinham suas reservas na forma de ouro ou dólares e tinham o direito de vender seus dólares ao Federal Reserve dos Estados Unidos em troca de ouro pelo preço oficial.

Com a crescente da inflação e do deficit do comércio exterior, os EUA não foram capazes de manter a paridade estabelecida. A situação foi agravada pelos gastos dos EUA ainda na Guerra do Vietnã. Foi o primeiro questionamento do uso do dólar como moeda de reserva no sistema financeiro internacional. Era um privilégio exorbitante para os americanos.

Mais e mais países se deram conta de que é necessário que o comércio internacional seja estabelecido em um padrão monetário inquestionável e que não use a marca de um país em particular. Que outro padrão além do ouro seria o mais adequado? Já em 1968, a impossibilidade dos EUA cumprirem compromissos de conversibilidade desencadeou uma corrida do ouro. Seria iminente que os bancos centrais do mundo começassem a exigir ouro pelos dólares junto aos EUA.

Os americanos resistiram. Em 1971, as reservas de ouro dos EUA haviam caído para um nível baixíssimo. Por isso o governo americano cancelou os acordos suspendendo a conversibilidade direta do dólar americano em relação ao ouro. Além disso, os EUA passaram a cobrar uma tarifa de 10%.

Os EUA definiram então que todos os países (como vassalos) deveriam se desfazer de suas reservas de ouro, e assim diminuir o preço do metal. Os americanos tramaram a desmonetização e a retirada do ouro do sistema. O FMI e os EUA começaram a se desfazer ativamente do metal precioso. Em cinco anos foram vendidas mais de mil toneladas. Em 2000, o preço do ouro tinha caído para um recorde de US$ 271. Ao mesmo tempo, o dólar americano atingiu seu nível máximo.

A situação mudou com a crise de 2008, com a recessão econômica global e falência de instituições financeiras. Os EUA foram forçados a salvar as empresas de hipotecas Fannie Mae e Freddie Mac (agora são estatais americanas). No ápice da crise também faliu a poderosa Lehman Brothers. Nessas circunstâncias, os bancos centrais tiveram que pensar novamente na diversificação de suas reservas e ativos seguros. O ouro, é claro, entrou no radar por ser o verdadeiro “ativo anti-dólar”.

Finalmente, parece que agora os EUA estão começando a entender que estes países (as grandes potências naturais do mundo) não estão apenas se resguardando de uma crise econômica passageira. As compras de ouro, apesar de ter seus riscos, pois há saída de divisa estrangeira do país, tem como objetivo maior combater a hegemonia da moeda americana no mundo financeiro.

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