Monopólio de bancos na área cambial pode chegar ao fim
O projeto de lei de liberalização cambial enviado pelo governo ao Congresso dá o primeiro passo para a abertura às fintechs do mercado de remessas internacionais, quebrando a exclusividade hoje em vigor de perto de duas centenas de bancos com carteira de câmbio.
A proposta também avança nas agendas de conversibilidade da moeda, simplificando os fluxos de ingresso e saída de dólares do país; de internacionalização do real, permitindo a atuação de bancos correspondentes; e para permitir que pessoas físicas tenham contas em moeda estrangeira.
A legislação hoje em vigor permite que o ingresso e a saída de moeda estrangeira do país sejam feitos apenas por bancos com autorização para operar no mercado de câmbio. O projeto de lei mantém essa determinação mais geral, mas abre espaço para que o BC autorize outros tipos de instituições a efetuar essas operações, obedecendo a diretrizes baixadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Hoje, são 187 bancos autorizados a operar em câmbio, num sistema restritivo que garante maior controle sobre as remessas. O diretor de regulação do BC, Otávio Damaso, lembrou que, em outros países, as fintechs atuam nesse mercado, barateando as operações.
Um estudo publicado pelo BC no seu relatório de economia bancária mostra que os bancos operam com grandes margens nesse mercado. O spread mediano das operações é de 0,9%, considerando a diferença entre os valores de compra e venda de moeda de empresas pelos bancos e as cotações no interbancário.
Uma fonte da área bancária argumenta que o spread é elevado devido aos diversos custos regulatórios da legislação atual e que não só as fintechs, mas todos os que operam neste mercado, poderão oferecer produtos a preços mais competitivos para os seus cliente daqui por diante.
O projeto de lei, enviado ao Congresso na sexta-feira, cria uma legislação mais enxuta e simplificada para as operações cambiais, nelas incluídas o ingresso e a saída de capitais estrangeiros e os fluxos de comércio exterior e serviços.
Com apenas 26 artigos, ele consolida mais de 40 leis antigas que haviam sido editadas desde 1920, com mais de 420 artigos. “Isso muitas vezes traz insegurança jurídica para os diversos players do mercado. Então, um dos objetivos é consolidar em um único projeto, com muito menos artigos, uma legislação que hoje está dispersa”, disse Damaso.
O texto basicamente prevê princípios das operações de câmbio, estabelecendo que as transações com moeda estrangeira poderão ser livremente contratadas, desde que respaldadas pela legislação em vigor e por fundamentação econômica. Os detalhes e como irá, de fato, operar esse ambiente de maior liberdade cambial serão definidos por uma legislação infralegal, por meio de diretrizes fixadas pelo CMN e normas editadas pelo BC.
É o caso, por exemplo, das contas em dólares. “Hoje alguns segmentos já podem ter conta em moeda estrangeira”, disse Damaso. “O projeto não permite que pessoa física tenha conta em dólar. Isso não está no nosso radar de curto prazo. Mas no médio/longo prazo sempre vamos estar abertos a fazer aperfeiçoamentos”, disse, explicando que nesse caso a permissão poderia ser concedida por meio de regulamentação infralegal.
Uma das principais críticas à possibilidade de pessoas físicas e empresas em geral deterem contas em moeda estrangeira é o risco de dolarização da economia, sobretudo nos períodos de aceleração inflacionária. Na exposição de motivos que apresenta o projeto, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, e o ministro da Economia, Paulo Guedes, dizem que “essa permissão para ampliar o leque de contas em moeda estrangeira no Brasil será conduzida de forma gradual e prudente, alinhada ao processo de aprofundamento dos fundamentos macroeconômicos e financeiros da economia”.
Damaso insistiu, em entrevista a jornalistas ontem que apresentou o projeto, que a permissão de contas em dólares no país não é a medida mais importante do projeto de lei. Segundo ele, essa faculdade já existe para alguns setores, como o de energia e de emissões de cartão de crédito internacional.
A proposta autoriza empréstimos e financiamentos bancários a não residentes, permitindo o financiamento de importadores de produtos brasileiros por bancos brasileiros. Também será concedida maior liberdade para a gestão dos recursos mantidos no exterior por exportadores, permitindo inclusive a realização de empréstimos para subsidiárias ou terceiros.
O projeto de lei também procura avançar na internacionalização do real, o que o Banco Central tem chamado de conversibilidade. A proposta permite que BCs estrangeiros e câmaras de compensação e custódia tenham contas em reais e em moeda estrangeira no país. Isso permite que os bancos centrais de outros países invistam em títulos públicos denominados em reais. Damaso disse que o Banco Central foi procurado por bancos centrais estrangeiros para a compra de títulos públicos federais. “Isso está sendo tratado na lei e avançando na possibilidade de BCs estrangeiros terem conta aqui.”
O projeto aprimora as regras para a atuação de bancos correspondentes que operam com o real. Será permitido o envio ao exterior de ordens de pagamento de brasileiros a partir de contas em reais mantidas no Brasil e tituladas por bancos do exterior.
Segundo Damaso, a permissão para a abertura de contas em reais no exterior é um passo importante no processo de internacionalização da moeda nacional. “Muitas vezes, no âmbito no Mercosul, há demanda por contas em reais nos países que fazem fronteira, para negociações do dia a dia”, afirma.
A exposição de motivos argumenta ainda que, apesar da maior liberalização cambial, estão sendo mantidos os controles contra crimes de lavagem de dinheiro e combate ao financiamento do terrorismo.
Fonte: Jornal Valor Econômico