Empresas estrangeiras poderão vender também para estados e municípios
O processo de abertura das compras governamentais para empresas estrangeiras não vai beneficiar apenas o governo federal. A Secretaria de Gestão do Ministério da Economia, que está conduzindo esse processo sob orientação do presidente Jair Bolsonaro e do ministro Paulo Guedes, avalia que estados e municípios também poderão comprar insumos ou contratar serviços de companhias fora do Brasil nas próximas licitações. Será aberto, portanto, um mercado de mais de R$ 50 bilhões para os fornecedores e prestadores de serviço.
Secretário de Gestão do Ministério da Economia, Cristiano Heckert afirma que os estrangeiros poderão participar dos processos de compras públicas brasileiras a partir de 11 de maio, quando a nova versão do Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores (Sicaf) entrará em operação, como antecipou o Correio Braziliense. E explicou que essa possibilidade será estendida a todos os entes federativos porque estará disponível em qualquer pregão eletrônico ou regime de contratação diferenciada (RDC) que for realizado pelo site do ComprasNet, que tende a ser cada vez mais usado pelos estados e municípios.
“O decreto do pregão eletrônico diz que, a partir de junho, todos os municípios vão ter que executar os recursos que recebem da União por meio de pregão eletrônico. Para isso, poderão usar sistemas próprios ou o nosso. Estamos oferecendo gratuitamente o ComprasNet. E os municípios que usarem o ComprasNet também poderão ser atendidos por estrangeiros”, explicou Heckert.
Hoje, 300 municípios já usam o ComprasNet. Mas esse número tende a crescer exponencialmente neste ano. Afinal, apenas 665 cidades já são obrigadas a usar o pregão eletrônico no empenho dos recursos recebidos da União. Até junho, porém, serão mais de 5 mil. E a maior parte desses municípios deve preferir usar o sistema do governo, que é gratuito e estará aberto para os estrangeiros, do que investir no desenvolvimento de um sistema próprio de pregões.
Por isso, tudo indica que os estrangeiros terão um grande mercado a desvendar no Brasil a partir dos próximos meses. Só o governo federal movimenta cerca de R$ 50 bilhões por ano em compras públicas — demanda que hoje é atendida por 350 mil fornecedores brasileiros. E ainda será somada a isso a maior parte das transferências que a União faz para os municípios — transferências que também giram na casa dos bilhões.
Dados do Painel de Transferências Abertas da Plataforma +Brasil indicam que, só em 2018, os municípios receberam R$ 6,2 bilhões dos R$ 10,6 bilhões que foram transferidos pela União. E esse dado está aquém da realidade, pois a Plataforma Brasil só contabilizou nove das 30 modalidades de transferências da União existentes, que, ao todo, distribuíram R$ 380 bilhões entre os municípios, os estados e os demais órgãos da administração pública.
A abertura do mercado de compras públicas para os estrangeiros assusta boa parte do empresariado nacional. Afinal, hoje, eles são praticamente os únicos beneficiados por essa demanda de mais de R$ 50 bilhões anuais. Para o governo federal, contudo, pode trazer uma série de benefícios. Entre eles, a redução dos custos, a melhoria da qualidade e até a ampliação do compliance das licitações públicas.
Concorrência
Quando anunciou a entrada brasileira no Acordo de Compras Públicas (GPA, na sigla em inglês) da Organização Mundial do Comércio (OMC), o ministro Paulo Guedes argumentou que trazer os estrangeiros para esse mercado pode reduzir as fraudes e a corrupção das compras públicas, vistas nos últimos anos por meio de interferências das empreiteiras nas grandes obras públicas brasileiras. Além disso, espera-se que o aumento da concorrência reduza os preços e aumente a qualidade do que é contratado pelo governo.
É por isso que o processo de abertura das compras governamentais, que é parte importante do GPA, mas será antecipada em quase dois anos pela atualização do Sicaf que começa a rodar em maio, valerá para todo tipo de compra governamental. “Vale para a compra de bens, serviços e obras de infraestrutura, desde que a licitação seja feita em meio eletrônico”, contou Heckert.
O secretário de Gestão admite, por sua vez, que a compra de serviços de pronta-entrega deve ser a primeira afetada por essa possibilidade. A indústria farmacêutica, que vendeu R$ 12,9 bilhões em medicamentos para o governo em 2019, segundo a Associação Contas Abertas, por exemplo, pode ser impactada. “Tem uma facilidade maior para os bens de pronta-entrega porque o fornecedor pode dar o lance de qualquer lugar do mundo e vir aqui só entregar o produto. Já na prestação de serviços ou construção de obras, as empresas estrangeiras que vencerem as licitações terão que montar uma estrutura no Brasil, seja por subcontratação ou representação, para entregar o que foi contratado”, explicou Heckert.
Ainda assim, o secretário vê um futuro favorável para a participação dos estrangeiros nesse setor de serviços e obras. É que o novo sistema do Sicaf facilita e reduz o custo de entrada dos estrangeiros no processo de licitações, garantindo que eles só vão precisar fazer um grande investimento quando tiverem a certeza de que ganharam o certame. Além disso, foi na realização de obras públicas que 81% dos R$ 6,2 bilhões que a União transferiu para os municípios em 2018 foram utilizados.
Hoje, as empresas estrangeiras precisam ter uma representação no Brasil e apresentar a tradução juramentada de todos os documentos exigidos pelo certame para concorrer às licitações públicas. Com o novo sistema do Sicaf, contudo, isso só será exigido se a empresa for a vencedora do pregão.
“Tiramos as restrições que limitavam a participação dos estrangeiros. A partir de maio, eles poderão, então, dar seus lances de qualquer lugar do mundo e só precisarão vir ao Brasil na hora de assinar o contrato”, contou o secretário. Ele também prepara a tradução do sistema de pregões para facilitar ainda mais essa participação estrangeira nas compras governamentais e destaca: “Nem a Constituição, nem a Lei de Licitações impede a participação dos estrangeiros nesse mercado”.
O secretário garante, por sua vez, que certas salvaguardas devem ser adotadas no novo sistema de licitações para proteger parte do empresariado local. As micro e pequenas empresas (Empes), por exemplo, continuarão tendo a sua parcela de mercado garantida — que, por sinal, não é pequena. Segundo o sistema de fornecedores da União, as MPEs correspondem a 60% dos cerca de 7,1 mil empresas que forneceram algum tipo de serviço para o governo federal em 2019. Por isso, atenderam cerca de R$ 2,8 bilhões das compras federais no ano passado.
O restante do setor produtivo, que responde pelos contratos de maior vulto, ainda pede, porém, outras garantias. Entre elas, a exigência de que os estrangeiros cumpram as mesmas normas e padrões de qualidade a que estão submetidas as indústrias brasileiras; a contratação de mão de obra local no caso da prestação de serviços ou realização de obras; e a reciprocidade, isto é, a oportunidade de as empresas brasileiras também participarem dos pregões dos países que serão beneficiados pelo novo sistema. Esse último pedido, pelo menos, deve ser atendido pelo Acordo de Compras Públicas da OMC, que foi anunciado no início do ano pelo ministro Paulo Guedes e deve entrar em vigor em 2022.
Procurada, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) não revelou o exato impacto que essa medida pode ter para as licitações municipais, mas disse que vê a novidade com bons olhos. “A CNM considera a medida positiva por entender que representa a simplificação no processo de documentação, redução da burocracia e ampliação da transparência e do aumento da eficácia. Em vez de exigir de todos os fornecedores estrangeiros que eles traduzam todos os documentos por meio de uma tradução juramentada, com a medida, o estrangeiro que ganhar o processo vai abrir os documentos dele e deve apresentar a tradução juramentada”, afirmou, em nota.
Fonte: Correio Braziliense