Artigo – A revolta dos entregadores. Até onde vai a precarização do trabalho?
Por Oswaldo Bezerra
A revolução russa de 1917 trouxe ganhos enormes para trabalhadores não apenas na União Soviética. Governos do ocidente e banqueiros, por medo de uma revolução similar a da Rússia em seus países, proporcionaram amplamente o aumento dos direitos trabalhistas. Direitos estes que perduraram até o início dos anos 70.
O mundo todo hoje encara a precarização do trabalho, que alguns apelidam de uberização, nos EUA é apelidado de Gig economia. Tudo isso começou, coincidentemente, no início dos anos 70, nos EUA, logo após este país abandonar o acordo de Bretton Woods, e tornar o dólar uma moeda fiduciária (sem lastro). Ao mesmo tempo, assistiu-se ao declínio do modelo das relações de trabalho decorrente do New Deal e ao surgimento do trabalho precário.
O declínio dos direitos trabalhistas foi tanto que em alguns países estão voltando a era pré-revoluçao comunista da Rússia. O ataque aos trabalhadores parece ser internacional. Nos últimos desde à própria Rússia até o Brasil os trabalhadores sofrem com reformas trabalhistas e previdenciárias. O modelo trabalhista estilo Uber vem se espalhando por todos os países.
No Brasil, a empresa UBER conseguiu através de uma reunião com seu CEO e o ex-presidente Temer, e o Ministro da Fazenda Henrique Meireles a bloquear uma votação no senado. O senado jogou o projeto de volta ao congresso que, com alterações, foi finalmente aprovada pelo senado. Foi uma fraude política que beneficiou em muito a empresa norte-americana, pertencente ao banco privado Goldman & Sachs. Com isso, centenas de milhares de trabalhadores foram jogados a total precarização.
Esta precarização é ainda mais evidente na atividade de entrega. Caso você tenha uma moto, ou bicicleta e colocar uma caixinha de entrega nas costas e passar 12 horas trabalhando, você chegará ao fim de um período mensal com 900 reais. É um valor menor do que um salário mínimo, e muito menor que um salário digno.
A situação destes trabalhadores é tão ruim que eles são o símbolo da atual precarização do trabalho. Precarização do trabalho é quando o direito e a dignidade de trabalhadores são jogados no lixo e o vínculo de trabalho se torna inexistente. O empregador deixa de ter qualquer responsabilidade com o empregado, sua saúde ou sua família.
Alguns empregadores tentaram denunciar o estado precário na imprensa. Nunca foram atendidos por motivos óbvios. Eles tentaram mostrar o estado de semi escravidão que são tratados por aplicativos, restaurantes e até pelas próprias pessoas que fazem o pedido.
Um dos grandes problemas dos entregadores e não ter uma organização, uma liderança ou sindicato que o representem de maneira concreta. Este estado de coisa só mudará com organização dos entregadores. Parece que isto já está acontecendo.
No próximo dia 1.º de julho os entregadores farão uma paralisação por melhores condições de trabalho. Isso só acontecerá porque a pandemia tornou a vida deles bem mais difícil. Esse movimento de julho, na verdade, tem revindicações muito tímidas. Eles só pedem o básico. Querem aumento no valor vergonhoso que recebem. Eles pedem também um seguro de vida e de roubos e acidentes. Também pedem máscaras e luvas por conta do Covid-19.
A única chance que os entregadores têm serem tratados de forma mais humana pelas empresas que os empregam pois, essa é a verdadeira relação, é unir a categoria e fazer pressão. A paralisação de julho mostra que já existe, mesmo de forma incipiente, um processo de organização e articulação. Esta iniciativa foi feita por um grupo de São Paulo autodenominado “Entregadores Antifascistas”.
Este grupo afirma que eles não são, como a imprensa tenta de forma romântica emplacar, empreendedores. Eles se declaram força de trabalho. Já em abril lançaram um manifesto contra as empresas Ifood, Loggi, Uber Eats, Rappi e outras cobrando o descaso com o risco da pandemia. As empresas fizeram pouco caso através de respostas eletrônicas.
O grupo de entregadores, que no Brasil já soma algo em torno de 15 milhões de pessoas, apelam aos seres humanos das empresas que lucram com o trabalho deles, através da paralisação de julho. O processo de precarização do trabalho se intensifica em todo o mundo. Sem luta e resistência os trabalhadores voltarão a ser explorados como no início da era industrial.
RG 15 / O Impacto