Artigo – O poder público precisa de limites ou ele vai destruir até a sua mente
Por Oswaldo Bezerra
Mentiras insistentes não se tornam verdades. Os Direitos Humanos não existem para defender bandidos. Existem para proteger o cidadão contra o abuso do Estado. O Estado pode se tornar o pior dos inimigos do próprio cidadão.
No Brasil, testemunhamos isso na agressão a enfermeiros durante protestos em Brasília, ou nos ataques ao STF tudo por funcionários terceirizados do Ministério dos Direitos humanos. Mais recentemente, observamos funcionários pagos com dinheiro público, na função de intimidar jornalistas ou qualquer pessoa que reclamasse do desastroso governo Crivela.
A pior de todas as agressões veio agora da forma de criminalização da advocacia, na agressão de Bretas, que segue ilegalidades da Lava Jato. Em 2010, fui à Arábia Saudita em um momento onde um advogado perdia sua licença de trabalho por defender uma adolescente estuprada. Estamos caminhando para isso?
Sem travas ao poder público este pode se tornar tão maléfico como o pior dos terroristas. No livro de Stephen Kinzer, “Poisoner in Chief”, é mostrado como isso tudo se transforma em uma ameaça que age covardemente, apesar de muitos fracassos. O livro trata de um só projeto da CIA, mesmo assim é estarrecedor.
A Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA) tem uma reputação terrível. A agência é conhecida, nos EUA, por afogamentos, mudanças de regime, sequestro, contrabando de narcóticos, financiamento de guerras e muitas outras atividades desagradáveis ao redor do mundo, inclusive contra os próprios norte-americanos, até dentro dos Estados Unidos, é temível.
Temível não significa perfeito. A CIA falhou em 50% dos seus atos. Os fracassos são tão flagrantes como enviar milhares anticomunistas atrás das linhas inimigas na Coréia, Europa Oriental, China e Sudeste Asiático, durante a Guerra Fria, onde quase todos morreram.
Kinzer é um ex-correspondente do New York Times, famoso pelo best-seller de 2006 Overthrow: America’s Century of Regime Change from Hawaii to Iraq. Em seu relato, ele traz o projeto mais perturbador da CIA, o MKULTRA. Projeto ultrassecreto e de longa duração que tentava um método para controlar a mente humana.
No final de 1942, um bacteriologista da Universidade de Wisconsin chamado Ira Baldwin foi emprestado a Washington a fim de administrar um programa de armas biológicas. Inclusive ele foi o responsável pelo carregamento de toneladas de antraz que felizmente não foram usados por causa da antecipada rendição alemã.
O Terceiro Reich forneceu muito do legado original para o MKULTRA. Após a Segunda Guerra Mundial, a CIA enfrentou uma escolha. Deveriam processar como criminosos de guerra, os cientistas envolvidos em tais projetos, ou contratá-los como consultores especializados? Foram contratados par enfrentar Moscou.
Kurt Blome, o diretor nazista de pesquisa e desenvolvimento de armas biológicas, em vez de ser enforcado no tribunal de Nuremberg, de 1947, foi absolvido por decreto político norte-americano e enviado para trabalhar na Operação Clipe de papel projetado para trazer cientistas de foguetes alemães para os EUA no Camp Detrick.
Foi em Camp Detrick que ele conheceu e fez parceria com Gottlieb, um especialista em bacteriologia que foi um aluno de Ira Baldwin em Wisconsin, é a figura principal no livro de Kinzer. Sua carreira é o MKULTRA. Sob a direção de Gottlieb, em Camp Detrick, fizeram com que um navio da Marinha com grandes mangueiras de aerossol, durante seis dias, ficasse pulverizando a bactéria Serratia Marcescens na névoa de São Francisco, infectando oitocentas mil pessoas, com finalidade do controle da mente.
Gottlieb se tornou, da noite para o dia, o “envenenador-chefe” da América. O programa de controle da mente da CIA assumiu grande importância, à medida que os rumores da lavagem cerebral soviética cresciam nos Estados Unidos.
No início, a agência experimentou “hipnose, eletro choque e privação sensorial”, junto com drogas como amital de sódio, em escritórios secretos da CIA, em prisões secretas na Alemanha e no Japão. A ideia era extrair informações dos prisioneiros de guerra. Assim A Guerra Fria permitiu uma grande guerra contra a mente humana.
O pensamento era de que se os EUA não ganhassem a corrida, para o método de controle da mente, toda a população norte-americana estaria vulnerável à escravidão mental pelos soviéticos. O controle da mente era uma necessidade urgente, mas nada o colocava ao alcance. Técnica após técnica, droga após droga o desânimo crescia. Foram usados maconha, cocaína e depois à heroína como possíveis catalisadores da lavagem cerebral.
O controle da mente permaneceu algo distante, apesar da massiva dosagem de opiáceos na população de estudantes de Rochester. Nada parecia ter o potencial de abrir a mente para a CIA. Gottlieb teve uma ideia.
Ele se lembrou de ouvir sobre uma droga chamada LSD que o Dr. Albert Hofmann descobriu em 1943. O ácido lisérgico dietilamida (LSD) produzia efeitos psicológicos extraordinários e perturbadores. Em 1951, o LSD definitivamente alterou a mente. Gottlieb estava convencido de que havia encontrado a droga mágica.
Os experimentos geralmente terminavam em morte. Um estudo citado por Kinzer relata que, em 1951, uma equipe de cientistas da CIA liderada pelo Dr. Gottlieb voou para Tóquio. Lá quatro japoneses suspeitos de trabalhar para os russos foram secretamente levados a um local onde os médicos da CIA injetaram uma variedade de depressores e estimulantes. Sob questionamento implacável, eles confessaram trabalhar para os russos. Eles foram levados para a baía de Tóquio, baleados e jogados no mar. A CIA realizou experiências e execuções semelhantes também na Coréia e na Alemanha.
Um artista norte-americano, chamado Stanley Glickman, foi atraído a um bar perto de seu estúdio em Paris, por agentes da CIA, em 1951, e um produto químico foi colocado em sua bebida. Glickman começou a alucinar descontroladamente. Ele fugiu em estado de pânico e permaneceu, em seu apartamento em Paris, por dez meses, escondido.
Ficou paranóico e inválido pelo resto da vida. O produto químico que a CIA introduziu na bebida de Glickman foi LSD. Glickman, sugere Kinzer, foi escolhido pela CIA porque tinha acabado de se recuperar da hepatite. A agência estudava os efeitos da infecção hepática na eficácia do LSD.
Em 1952, a CIA comissionou bandidos e ex-policiais para manter o tráfico que garantiria o suprimento de LSD. Com seu soro de controle mental em produção, os agentes MKULTRA puderam se concentrar em experimentar cobaias. A CIA contratou um mágico profissional, John Mulholland, para ensinar Gottlieb e seus agentes a distribuir LSD em bebidas e alimentos, de pessoas inocentes, sem serem detectados. Muitas vidas foram destruídas, tiveram suas vidas atormentadas com pesadelos, pensamentos suicidas e “depressão profunda”.
O número de vítimas humanas dos experimentos MKULTRA de Gottlieb continuou a aumentar. Membros do departamento começaram a expressar dúvidas sobre o projeto. No final de 1953, Gottlieb administrou LSD a Olson, um dos agentes insatisfeitos com o projeto. Olson entrou em uma desorientação assustadora, acabou sendo encontrado morto, “caiu ou pulou” de uma janela de um Hotel em Manhattan.
As feridas no corpo de Olson eram consistentes com os métodos, ensinados nos manuais da CIA, para incapacitar as pessoas antes de matá-las, para fazer com que suas mortes parecessem suicídios. Gottlieb e MKULTRA ficaram abalados com a morte de Olson, mas continuaram com seu trabalho.
Eles passaram os próximos anos procurando cogumelos mágicos no México, para cápsulas suicidas para seus agentes. Gottlieb entregou pessoalmente à embaixada norte-americana, em Leopoldville, no Congo, os venenos para assassinar o primeiro-ministro Patrice Lumumba, assassinato que falhou daquela vez.
Em vez de ser enforcado no Tribunal de Nuremberg, Gottlieb recebeu, em 1973, quando se aposentou a Medalha de Inteligência Distinta. Contudo, ele deixou um rastro de sofrimentos e milhares de assassinatos, na maioria de pessoas inocentes. Em 1975, o presidente Gerald Ford designou o vice-presidente Nelson Rockefeller para presidir uma comissão sobre a CIA.
Colby, o novo diretor da agência, informou à Comissão Rockefeller que “a CIA conduziu experimentos com LSD que resultaram em assassinato. Nelson Rockefeller, tentando evitar que o diretor da CIA revelasse muito, questionou Colby: “Bill, você realmente tem que apresentar todo esse material para nós?”.
Em 1977, o senador Edward Kennedy, descobriu que Gottlieb ordenou que todos os arquivos do MKULTRA fossem queimados, com exceção de algumas cópias. O próprio Gottlieb foi eventualmente foi forçado a testemunhar, alegou amnésia e o assunto parecia terminar aí.
Em 1984, Gottlieb concordou em se encontrar com a família de Frank Olson, o ex-colega do MKULTRA. Posteriormente foi a julgamento, Gottlieb adiou o julgamento pelo assassinato de Glickman o máximo que pôde e, então, no início de março de 1999, Sidney Gottlieb morreu.
O Poisoner in Chief de Stephen Kinzer é uma obra que mais parece um relata documentos vazados pela CIA. Devemos ser gratos a Kinzer e seu livro franco e corajoso. Ver em um livro uma representação de apenas algumas das vidas arruinadas por apenas um programa da CIA, MKULTRA, é uma revelação preocupante.
Gottlieb foi um bom aluno de família estável. Talvez o fato de ter sido rejeitado para o serviço militar, por gaguejar e ter um pé torto, o deixou insatisfeito e impaciente para provar seu patriotismo. Ele era muito religioso e, portanto, sabia que seu trabalho era antiético.
Talvez achasse que tinha um país para defender, enfrentavam um inimigo poderoso, a União Soviética. Com seus companheiros estavam dispostos a fazer o que fosse necessário, até sacrificar pessoas inocentes, para evitar que os norte-americanos caíssem sob o feitiço do controle mental comunista, do qual hoje se sabe que nunca existiu, mas que eles acreditavam piamente.
Talvez os funcionários públicos e terceirizados do governo, que estejam ameaçando pessoas ou criminalizando políticos e a advocacia, tenham em sua mente que estão fazendo um favor ao seu país. Por isso, mecanismos de travas do abuso de poder devem sempre ser reforçados.
RG 15 / O Impacto