Celso de Mello anuncia aposentadoria e causa alvoroço na Esplanada

Após 31 anos de serviços prestados à mais alta Corte de Justiça do país, o ministro Celso de Mello já tem data para deixar o posto de decano do Supremo Tribunal Federal (STF). O magistrado, que deixaria o cargo em novembro deste ano, decidiu antecipar a aposentadoria para o próximo dia 13. Com isso, o presidente Jair Bolsonaro terá de agir rápido para indicar um novo integrante para a cúpula do Judiciário. Mello vai deixar o cargo por conta da idade — ele completará 75 anos e vai se aposentar compulsoriamente. Ele estava de licença médica e voltou ao trabalho ontem. Poderá decidir sobre a investigação contra Bolsonaro em razão das acusações de que o presidente teria tentado interferir na Polícia Federal. A escolha do novo ministro compete ao chefe do Executivo, mas precisa de aval do Senado.

Atualmente, o principal nome para ocupar o cargo é do ministro da Justiça, André Mendonça, ex-advogado-geral da União. Além de ser evangélico, perfil desejado pelo presidente, ele vem agradando Bolsonaro usando o cargo para solicitar à Polícia Federal investigações contra críticos do governo. Também aparecem no radar de Bolsonaro o ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Otávio Noronha e o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira. Está cotado, ainda, o desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo e pré-candidato a prefeito de Santos (SP), Ivan Sartori.

Nas últimas semanas, surgiu na lista de possíveis candidatos o nome do juiz federal William Douglas dos Santos. Pastor, tem apoio do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, investigado em um esquema de rachadinhas no Rio de Janeiro. A ligação com o parlamentar, entretanto, é considerada um problema pelos aliados. A avaliação é a de que a indicação poderia repercutir de forma negativa entre os eleitores.

Democracia

O anúncio da aposentadoria antecipada do ministro causou alvoroço no Legislativo, Executivo e especialmente no Poder Judiciário. O presidente Jair Bolsonaro começou a articular com aliados a indicação de um novo nome. Em contatos com ministros, o mandatário informou que pretende indicar alguém ao cargo o mais breve possível. Nos últimos meses, ocorreram embates constantes entre o presidente, sua equipe e o STF. O chefe do Executivo e seus ministros criticaram decisões do ministro Alexandre de Moraes, que determinou a prisão e a busca e apreensão contra bolsonaristas acusados de ataques contra o Supremo; do próprio Celso de Mello, que encaminhou à Procuradoria-Geral da República pedido para apreensão do celular de Bolsonaro; e da ministra Cármen Lúcia, que solicitou informações sobre queimadas na Amazônia.

As relações tensas entre os dois Poderes fizeram com que o ministro Celso demonstrasse extensa preocupação com a democracia. Em uma mensagem encaminhada a amigos, ele chegou a falar que o “ovo da serpente estava prestes a eclodir”. Ele referiu-se às ameaças democráticas e à instabilidade institucional. Ao anunciar a saída do cargo, novamente o ministro voltou a se referir à necessidade de se garantir a democracia. “O Supremo Tribunal Federal , responsável pelo equilíbrio institucional entre os Poderes do Estado e detentor do “monopólio da última palavra” em matéria de interpretação constitucional, continuará a enfrentar (e a superar), com absoluta independência, os grandes desafios com que esta Nação tem sido confrontada ao longo de seu itinerário histórico”, disse.

Na mensagem, o ministro, que é o mais respeitado da Corte entre seus pares, afirmou que o tribunal protegerá a democracia. “Tenho absoluta convicção de que os magistrados que integram a Suprema Corte do Brasil, por mais procelosos e difíceis que sejam (ou que possam vir a ser ) os tempos (e os ventos) que virão, estão, todos eles, à altura das melhores tradições históricas do Supremo Tribunal Federal na proteção da institucionalidade, no amparo das liberdades fundamentais, na preservação da ordem democrática, na neutralização do abuso de poder e, como seu mais expressivo guardião, no respeito e na defesa indeclináveis da supremacia da Constituição e das leis da República! Sem que haja juízes íntegros e independentes, jamais haverá cidadãos livres”, concluiu Celso de Mello.

Corrida

Com a decisão do ministro, começa uma corrida para preencher a vaga. O tempo, que já era curto, ficou ainda mais apertado. A constitucionalista Vera Chemim, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), especialista em Supremo Tribunal Federal (STF), afirma que caso o nome do novo ministro não seja indicado a tempo pelo presidente Jair Bolsonaro, a cadeira deve ficar vaga – como ocorreu nos últimos dias, quando Celso de Mello estava de licença médica. O regimento interno prevê a possibilidade de chamar o integrante da Corte da outra Turma do STF para ocupar sua cadeira também na Segunda Turma. Neste caso, seria o Marco Aurélio de Mello.

Nos dias em que Celso de Mello estava fora, a Segunda Turma realizou julgamentos com apenas quatro membros. As decisões que empataram favoreceram os réus, como prevê a regra. Para Vera Chemin, o ministro Gilmar Mendes deve aproveitar os próximos dias para agilizar os principais julgamentos, com o intuito de ter a participação de Celso de Mello antes da aposentadoria. Um deles, que o ministro Gilmar Mendes estaria esperando o retorno do colega para julgar, é o processo de suspeição do ex-juiz federal Sergio Moro. “Eu não duvido que Gilmar Mendes agora agilize para ele participar desse processo do Moro”, avalia.

Em relação ao depoimento do presidente Jair Bolsonaro, que obteve decisão favorável de Marco Aurélio de Mello para que possa depor por escrito, o cenário pode mudar com o retorno do decano. A constitucionalista pontua que o ministro pode retirar o inquérito do plenário virtual e apresentar em caráter de urgência à mesa, para que seja apreciado no plenário presencial (no caso, em videoconferência). Neste caso, caberia a Fux pautar.

Para ela, é possível que, em respeito ao colega, o resultado do julgamento pode ser pela manutenção do entendimento de Celso de Mello. “Até porque ele agiu conforme a lei processual penal. Não agiu com paixão; ele foi frito, pegou a lei e aplicou”, afirma. A outra possibilidade seria o decano deixar no plenário virtual para respeitar a decisão do colega. Neste caso, o resultado é imprevisível, para a advogada.

Fonte: Correio Braziliense

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