As lutas e desafios dos quilombolas de Santarém
Nesta sexta-feira, dia 20 de novembro, é comemorado mais um Dia Nacional da Consciência Negra. A data foi criada no ano de 2003 com o intuito de fazer as pessoas refletirem sobre a situação dos negros na sociedade brasileira, e é atribuída à morte de Zumbi dos Palmares, líder quilombola no Brasil que lutava contra a escravidão. O Dia da Consciência Negra é então um dia muito importante para todos aqueles que descendem dos povos africanos e que ainda lutam pelos seus direitos básicos. Nesse período são debatidos temas como o racismo, a discriminação, a inclusão e a busca da valorização da cultura afro em nosso país. O dia 20 de novembro então marca o fato de que até hoje os negros ainda estão lutando por espaço e igualdade, principalmente aqueles cujas raízes se remetem aos quilombos, que ainda existem.
Assim, convidamos Luiz Franca, professor do Curso de Letras da UFOPA, militante negro e parceiro do movimento quilombola, para falar um pouco sobre a situação dos alunos quilombolas na universidade; e a FOQS, Federação das Organizações Quilombolas de Santarém, para falar sobre quais as suas principais lutas na região. A FOQS é uma organização que já tem quase 15 anos de existência e se materializou no movimento de luta pela terra e pela regularização dos territórios quilombolas.
Segundo informações dos entrevistados, em Santarém há 12 comunidades quilombolas: Arapemã, Saracura, Pérola do Maicá, Bom Jardim, Murumuru, Murumurutuba, Tiningu, Surubiu-Açu, Patos do Ituqui, Nova Vista, São Raimundo e São José, dos quais 06 estão na área de várzea e 06 estão na área de planalto. Ao todo são cerca de 890 famílias que se auto-reconhecem desde a década de 90. Para o professor Luiz, “é interessante além dos números, falar um pouco sobre a invisibilidade dessas comunidades. Veja, por exemplo, aqui na orla em frente à cidade de Santarém, do outro lado, há uma comunidade quilombola chamada Arapemã. E a maior parte da população de Santarém nem sabe disso. E o quilombo, se ele existe é porque existiu a escravidão”.
Quando questionado sobre como está a situação dos quilombos presentes aqui em Santarém em relação a território, a FOQS respondeu que “as terras são certificadas pela fundação cultural palmares, e os primeiros quilombos que estão na frente, os que se auto-reconhecem desde o início, a dar exemplo de Saracura, Arapemã e Bom jardim, estão com um processo no INCRA para regularização fundiária. E à frente há o quilombo urbano, o Pérola do Maicá, que já recebeu parte do seu título por estar em área da prefeitura de Santarém”. Para o professor Luiz, “ao conhecer um pouco a organização do movimento aqui na região e na cidade, fica muito claro que o direito à terra e a luta pela regularização é a principal demanda.
Depois há o problema da saúde que as comunidades enfrentam como a falta de postos e atendimento mais próximo. Segundo a representante da FOQS, Miriane Coelho, nesse período de pandemia as comunidades quilombolas passaram por um período muito complicado, pois não foram bem assistidas. Segundo ela houve muitas falhas, e até teve casos de quilombolas que morreram nesse período da covid-19. A FOQS tentou então amenizar os danos ao realizar ações através do projeto OMOLU, que é uma ação de saúde que leva para os quilombos alimentos, kits de higiene e informação, inclusive com placas de restrição a entrada e saída de pessoas dentro do quilombo.
Outro problema enfrentado por esses povos é o do acesso a educação, pois algumas comunidades ainda não têm ensino médio, por exemplo. Contudo algumas pequenas conquistas já foram alcançadas, como nos contou Miriane. “Hoje o movimento quilombola, depois de muita luta, conseguiu através da SEMED ter uma coordenação que trata apenas da educação quilombola. E isso para a luta do movimento foi muito importante. Há quatro pólos, que inclusive na sua maioria têm professores e diretores quilombolas, então a nossa luta com a educação, embora não esteja boa, está caminhando futuramente para o caminho certo”.
A educação carrega uma importância fundamental para o desenvolvimento de qualquer região. Desse modo, é essencial destacar os processos de entrada de alunos quilombolas na universidade local através das ações afirmativas e cotas. De acordo com Luiz Franca, “a Universidade Federal do Oeste do Pará tem dois processos seletivos de entrada. Há o regular, via Enem, o qual tem as cotas raciais da lei de cotas. E além dessa lei há também o processo seletivo especial quilombola, que começou em 2015. Nesse caso há uma reserva de 02 vagas em média por curso, e o aluno quilombola que concluiu o ensino médio ou está para concluir e que pertence a uma comunidade pode fazer a prova discursiva, que utiliza textos que tratam da história, da cultura, da política e da identidade quilombola. Em relação às bolsas, os estudantes quilombolas têm as que são oferecidas na universidade. Então ele pode concorrer às bolsas acadêmicas, assim como também aos auxílios como a bolsa permanência MEC, que é justamente oferecida para estudantes indígenas e quilombolas que estão no ensino superior e são considerados estudantes em situação de vulnerabilidade. E a UFOPA, nos seus editais, tem reservado vagas nas bolsas tanto acadêmicas quanto nos auxílios.
Continuando o professor destacou que “um dos grandes desafios dos estudantes é o da permanência dentro da universidade, porque não basta só dar acesso, é preciso que eles permaneçam e concluam o curso, progredindo dentro da instituição. Então esse é um desafio que é preciso trabalhar nos processos de acompanhamento dentro da universidade. Outro é a progressão desses estudantes para a pós-graduação. Até há um ingresso considerável de estudantes negros e quilombolas na graduação, mas ao chegar à pós-graduação esse número é reduzido”.
Por isso é imprescindível falar sobre a atuação do movimento negro em Santarém. Como afirma o professor da UFOPA, “o movimento negro existe na cidade desde o tempo da escravidão. É histórico. Então a existência das comunidades quilombolas é justamente a materialização dessa luta. Não é por nada que há 12 comunidades quilombolas. Então a presença deles aqui na região marca não só o passado escravista, mas também o passado de luta contra a escravidão, na qual o negro e a negra foram protagonistas. Atualmente o movimento negro na cidade se dá em várias formas, com movimentos que trabalham com pautas específicas e pautas comuns. Há, por exemplo, o Coletivo de Mulheres Negras de Santarém, a organização quilombola FOQS; dentro da universidade há o Coletivo de Estudantes Quilombolas, há também a Quitanda Preta, que é um coletivo que reúne afro-empreendedores da nossa cidade. Então o movimento negro está bastante diversificado, atuando em várias frentes que dialogam com uma pauta comum que é justamente a luta contra o racismo que ataca a população negra em várias dimensões”.
A união é o que marca a força dessas pessoas. A FOQS, por exemplo, agrega a luta dos 12 quilombos aqui de Santarém e também faz um apoio aos quilombos mais próximos da região, como o de União São João, Prainha, e os quilombos de Monte Alegre. Com reunião todas as segundas-feiras, tratam de pautas referentes à regularização fundiária entre outros. A instituição tem sede na travessa Sorriso de Maria, em um espaço cedido pelo Centro Franciscano. De acordo com a representante Miriane, “esse mês é para se comemorar a consciência negra. Nós estamos na luta, porque ainda temos muito que conquistar. Não há território, poucos dos terrenos são titulados, a não ser o território urbano do Pérola, então é preciso garantir primeiro esse espaço da terra, mas enquanto isso se encaminha a gente vai para outras pautas como a educação e a saúde, e continuamos nessa luta sempre”.
Para Luiz Franca, “a maior luta do movimento negro como um todo é o combate ao racismo que violenta, discrimina, aniquila, e trás dor e sofrimentos para a população negra. Esse racismo que está inclusive nas instituições, na polícia, na própria justiça, dentro da universidade. Devemos então encorajar as pessoas a fazer a denúncia de racismo na delegacia, fazer o boletim de ocorrência. No ano passado, aqui em Santarém, uma cidade em que os casos de racismo são muito frequentes, nós tivemos o primeiro processo e julgamento de um crime de racismo na cidade”. Isso significa que ainda precisamos avançar muito se quisermos uma sociedade realmente justa, na qual todas as pessoas que nela vivem possam ter as mesmas oportunidades, além de igualdade de direitos.
Por Thays Cunha
RG 15 / O Impacto