Artigo – A Carteirada que garante o privilégio de poucos
Por Oswaldo Bezerra
Era uma manhã ensolarada em Santos, no litoral de São Paulo. Dois guardas municipais flagraram uma pessoa caminhando sem usar a máscara pelo passeio da praia. O cidadão era um desembargador do estado de São Paulo chamado Eduardo Siqueira. Os guardas tentaram conversar com o cidadão, mas devido à negativa em usar a máscara, os guardas tentaram fazer o que fariam com “todo mundo”, multá-lo.
Siqueira não era “todo mundo”, ou pelo menos, ele achava que não era. Além de ofender os guardas, Siqueira ligou para o Secretário de Segurança, quando estava prestes a levar a multa, para intimidar os agentes. No fim, Siqueira rasgou a multa. Este ato provocou, um mês depois, seu afastamento de das funções e passou a ser investigado pelo Conselho Nacional de Justiça.
Claro, a pena maior que poderia acontecer neste caso seria uma aposentadoria compulsória. No fim da história os guardas tiveram reconhecimento com medalhas e Siqueira foi visto, novamente, caminhando pelas praias de Santos, só que desta vez de máscara. Neste caso observamos um resultado positivo, mas com certeza não é fim da “Cultura da Carteirada”.
A igualdade é uma coisa que cria pânico em nosso país. Talvez em boa parte do mundo e em todas as épocas. Basta lembrar, Daquele, que pregou a igualdade e acabou, ele mesmo, pregado em uma cruz. Aqueles que estão por cima irão combater, com todas suas forças, toda e qualquer mudança, por isso são chamados “conservadores”. Nunca permitirão o enfraquecimento da hierarquia social.
No exemplo de Santos, o desembargador está acima dos guardas. Inclusive é amigo do Secretário de Segurança. Quando o guarda resolve multar o desembargador, ele quebra a tradição brasileira hierárquica.
Historicamente, a aristocracia brasileira foi servida por negros escravizados. Ocorreu em todo território nacional. Foi essa tradição brasileira que criou os famosos “jeitinhos” e o “você sabe com quem está falando?”, que destroem nossa sociedade.
São muitos os exemplos de “Carteirada” e o famoso “você sabe com quem está falando” só neste ano. Tivemos o caso do entregador que foi humilhado por Mateus Almeida Prado Couto que evocou a aristocracia e a cor da pele para se desfazer do entregador.
Todos estes casos são passíveis de punição e não é de difícil correção. A coisa fica grave quando a “Carteirada” é usada nos crimes de influência dentro do sistema judiciário brasileiro. Foi assim que Deltan Dallangnol, procurador da República e ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato, teria interferiu na escolha do juiz que viria a ocupar o cargo do ex-juiz Sergio Moro na 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba. É o que mostra a reportagem do The Intercept Brasil publicada em outubro. O site mostrou as mensagens hackeadas com áudio atribuído ao procurador.
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, disse que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Conselho da Justiça Federal (CJF), o STJ e o TRF-4 devem apurar a revelação de que procuradores da República do Paraná atuaram nos bastidores, para que um juiz aliado assumisse na 13ª Vara Federal de Curitiba.
A alma brasileira deixa de ser caracterizada em qualquer outro aspecto, fica ofuscada pela nossa imensa característica da desigualdade. Aos amigos tudo, aos inimigos a Lei, uma “Lei” parcial. Com esta continuidade o Brasil vai continuar negando o direito de muitos para garantir o privilégio de poucos. Deste modo, a Justiça deixa de ser justiça para ser um grupo mafioso.
RG 15 / O Impacto