Artigo – Um nome colocava medo nos corações dos homens: Quintino, o “Gatilheiro”

Por Oswaldo Bezerra

Como todo mundo, eu adorava o período de férias durante a infância e adolescência. Era especial pra mim, sair de um mundo para outro (de Belém para a cidade de Capitão Poço). Os igarapés a famosa cachoeira, o cinema, o clássico de futebol Paroquial x Comercial, e a bondade do meu avô e de minha avó me cativavam.

Tinha algo, no entanto, que me assustava na cidade. Era a violência traduzida em assassinatos. Eram muitos e por curiosidade, eu com os amigos, íamos ver os cadáveres que sempre ficavam expostos. Quando era bem criança até testemunhei um assassinato, bem próximo de mim, que me rendeu um trauma.

A violência era tanta que meu avô jamais saía às ruas sem estar com seu revólver na cintura. Eram anos difíceis de pobreza e dificuldade que transformavam homens em feras. Uma destas feras colocava terror nos corações das pessoas em toda a região. Eu ficava com medo só de ouvir o nome dele, apesar das pessoas o considerarem um herói na época. Ele era conhecido como Quintino.

Seu nome completo era Quintino da Silva Lira ou Armando Oliveira da Silva. Até o início dos anos 1980 era apenas um simples agricultor no Município de Ourém, que ficava ao lado de Capitão Poço, a minha cidade de veraneio.

Muitas pessoas não entendem como que no Brasil não ocorra uma revolução, diante de tanta concentração de renda e de injustiça social. A verdade é que há sim. O que acontece é que estas revoluções são dispersas e sem liderança. Há uma revolução nas periferias quando facções criminosas são criadas. Há uma revolução quando ocorre um arrastão em uma grande cidade. Há uma revolução quando posseiros lutam contra os poderosos grileiros.

Na época, a situação imposta pelo sistema de governo da ditadura militar, as injustiças sociais afloravam por toda parte. Foi isso que fez o pacato colono se transformar na fera mais temida do Pará.

Quintino perdeu companheiros assassinados por “guachebas” de grileiros. Por isso, resolveu liderar um grupo de colonos rebelados contra o sistema, com armas nas mãos. Foi comparado a Zumbi e “Lampião”, mas se auto-intitulava de “Gatilheiro”.

Ele matou, se apropriou, chantageou. Foi criado o mito de que ele tinha o corpo fechado e parte com o diabo. Seus perseguidores não conseguiam capturá-lo. Surgiram lendas de que ele se transformava em toco, cão ou outro animal qualquer. Na verdade, ele foi um grande líder e estrategista. Procurava se manter informado sobre os passos da polícia e dos assassinos contratados para matá-lo.

Quintino era um fora-da-lei, mas conseguiu vencer a inércia de nossos governos em relação a assuntos que nunca ousariam solucionar como, por exemplo, a reforma agrária. O “Gatilheiro” desapropriou terras, assentou “sem-terras”, resolveu conflitos como se fosse um Juiz de Paz, causando temor e admiração ao mesmo tempo.

Na época, o governador do Estado do Pará deu a ordem para que tropas da Polícia Militar ocupassem a área e encerrassem definitivamente o conflito entre os posseiros, liderados por Quintino, e grileiros da área que ficou conhecida como Gleba Cidapar, no município de Viseu.

O coronel Cleto, comandante da Polícia Militar na região, e suas tropas adentraram as matas sob as ordens do governador do Estado do Pará, Jader Fontenelle Barbalho, para eliminar o líder do movimento dos pequenos agricultores.

Foi quatro anos de buscas nas matas fechadas. Foi uma obstinação tão grande, na captura, que gostaríamos de ver este mesmo empenho, das autoridades, para atenuar o sofrimento do povo do campo.

O “Gatilheiro” era um estrategista, mas ingênuo nas relações. Assim foi traído. No dia 4 de janeiro de 1985, há 35 anos, uma tropa de policiais militares sob o comando do capitão Cordovil cercou a casa de um colono, na região do Piriá, nordeste do Pará.

Lá estava Quintino, líder do movimento da resistência dos posseiros da Gleba Cidapar. Foi morto pelos policiais com tiros de fuzil ao tentar escapar do cerco. Após o fuzilamento, seu corpo foi levado pelos policiais para a cidade de Capitão Poço, onde foi exposto. Junto com amigos, fui ver o Quintino. Eu não entendia o motivo de tanta violência.

Quintino foi uma das figuras mais importantes do nordeste do Pará, do século passado. Ele deixou como legado ao povo do campo o exemplo de resistência e luta, além de um alerta as autoridades, de que mesmo o povo mais humilde um dia pode se levantar em revolta.

Um ano depois do assassinato do “Gatilheiro”, na luta pelas terras da Gleba Cidapar, o próprio Jader Barbalho, ministro da reforma agrária do presidente José Sarney, publicou o Decreto Nº 92.623, que deu início à desapropriação da toda a área, incluindo as fazendas da família do próprio ministro. Foi dada a ocupação aos posseiros em diversas vilas agrícolas. Quintino finalmente venceu!

RG 15 / O Impacto

3 comentários em “Artigo – Um nome colocava medo nos corações dos homens: Quintino, o “Gatilheiro”

  • 22 de julho de 2024 em 12:08
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    gostaria de ter o contato do autor do artigo, Oswaldo Bezerra, e de João Santos, que comentou o artigo.
    obrigada

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  • 22 de maio de 2021 em 10:04
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    Gostaria de ter o contato do João Santos. O mesmo que fez o comentário nesse artigo. Sou pesquisadora e preciso conversar com o João.

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  • 23 de fevereiro de 2021 em 13:32
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    Eu estive la na epoca… e cheguei a ver ele de longe…na vila do japim… nas margems do rio piria… com o seu grupo fortemente armado…ele foi sim um heroi … e o seu nome deveria sim estar nos livros de historia … paraense.. como nacional… era sim de origem humilde… e era um defenssor dos mais humildes … ele se confrontou diretamente… com as elites da regiao e do para… e com o sistema implantado pelo governo autoritario da ditadura…nao era covarde… e nunca matou um inocente..ele nao era rico… ele tinha odio dos mais ricos … e lutou para impor respeito ao trabalhador classe essa e que gera toda a riqueza…foi sim um homem de bem … honesto e decente…na verdade ele e o seu grupo de colonos… nao se rebelaram…eles se defenderam legetimamente da opressao de uma elite inssana e sem razao…. e na regiao teria que ter um memorial … para homenagear o grande defenssor … dos mais humildes…estive la em 1984… a grande falha do quintinho … foi a falta de esclarecimentos e o auto conhecimento … todos os levantes que aconteceram no brasil … quase todos esse lideres… eram de estratificacao pobre sem nenhuma instrucao politica…esse foi o seu maior defeito.. assim como lampiao … e canudos… a reforma agraria no brasil e um problema antigo … e tem que ser resolvida. um grande abracos e viva a quintinho grande heroi de viseu.

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