Artigo – Tapajós FC X Águia de Marabá e a nostalgia dos velhos intermunicipais
Por Oswaldo Bezerra
Foi um domingo chuvoso em Fortaleza. Aqueles dias pra se ficar em casa. Como de costume, logo minha esposa aparece com uma vassoura na mão e pede carinhosamente pra varrer a sala. Como negar um pedido tão carinhoso como este, mas que sala enorme.
Liguei a TV enquanto varria, coloquei na página do youtube e estava lá ao vivo Tapajós FC X Águia de Marabá. E olha que o jogo foi bom. O canal e o narrador eram de Marabá. Ele torcia descaradamente pelo time da cidade dele. Foi uma batalha futebolística do sul contra o oeste do Pará.
Essa rivalidade no futebol entre cidades do Pará reacendeu lembranças da minha infância. Veio a memória os antigos e ferrenhos jogos do Campeonato Intermunicipal. Naquele campeonato, mais do que futebol, estava em jogo o orgulho das sedes municipais.
O jogo do Tapajós contra o Águia foi no estádio Mamazão na ilha do Outeiro. É um campo enlameado e uma arquibancada bem acanhada. Na minha infância vi muitos jogos do “intermunicipal” em Capitão Poço, no nordeste do Pará. Era a cidade onde passava minhas férias. O campo de jogo não era melhor do que o Estádio Mamazão.
Lembro de que era um campo enorme e sem arquibancada. O portão de entrada era apenas uma corda em uma rua que ficava no limite da cidade. Do lado de dentro da corda, algumas dezenas de metros adiantes, o campo ficava separado dos torcedores adivinhem como, outra corda. Era um limite simbólico.
A cidade ficava praticamente vazia. A população toda ia para a beirada do campo. Era muita alegria, uma festa da população toda reunida. Havia presença da polícia? Nunca vi. Não precisava, nunca testemunhei nenhuma confusão de fato. Os jogos eram nervosos e intensos, do mesmo jeito que foi o primeiro tempo do jogo dos times de Santarém e Marabá.
Diferente de hoje, na época o campeonato paraense era, na verdade, um campeonato belenense de times profissionais. Para o resto do Pará que importavam jogos de Remo, Paysandu e Tuna? O interesse maior era sua cidade representada por seus atletas nativos contra cidades rivais.
E começou o segundo tempo de Tapajós x Águia de Marabá. Foi um início eletrizante. O Águia voltou inspirado e perdeu nos primeiros minutos uns três gols feitos. O time do Tapajós é bom, é aguerrido, mas perde fácil a cabeça. Por uma destas faltas bestas acabou originando o primeiro gol do Águia feito pelo Dé.
Gol na época do “intermunicipal”, em Capitão Poço, era sinônimo de população toda dentro do gramado, comemorando. Tiros de calibre 38 para o alto eram ouvidos e durante alguns minutos o árbitro ficava tentando convencer as pessoas a saírem de dentro do campo. Era uma algazarra gostosa.
Pra quem estava torcendo no jogo do Tapajós contra o Águia? Estou há mais de 20 anos longe do Pará. Não quer dizer que não acompanho os campeonatos de lá. Sempre torci só para um time, o conhecido maior do norte, o Papão da Curuzu. Neste jogo em especial estava torcendo pelo Tapajós, em respeito à mulher da vassoura. Minha esposa é “mocoronga” torcedora do São Raimundo.
Torcendo pelo Tapajós vi o panorama do jogo mudar depois dos 17 minutos. O Tapajós passou a dominar a partida. Um jogador do tapajós, chamado Israel, entrou e passou a comandar a partida. Aos 22 minutos o narrador marabaense agradecia a Deus por não terem ainda levado gol.
Aos 23 minutos, Israel penetrou pela intermediária e teve que ser parado com falta. Eram 3 batedores em frente a bola. Foi o Paulo Curuá quem bateu e fez um golaço. Depois disso foi domínio total do Tapajós que teve chance de virar o placar.
Aos 29 minutos mais uma vez a falta de maturidade fez o time santareno por tudo a perder. O jogador Bacuriteua entrou com tanta vontade em cima de um lateral do Águia que foi expulso. O juiz nestas horas tem uma decisão difícil de dar o cartão vermelho. Difícil mesmo era apitar na época do antigo “intermunicipal”.
Contavam estórias que quando um árbitro chegava à pousada da cidade, recebia logo a visita do prefeito. A autoridade máxima do município era acompanhada por pistoleiros e fazia a seguinte pergunta ao juiz da partida “Quem vai ganhar hoje?”. No folclore dos antigos intermunicipais se dizia que o árbitro sempre respondia “depende do senhor!”.
Acompanhei os campeonatos do intermunicipal nos anos 70. Na época, Santarém quebrou, em 1977, a sequência de conquistas de títulos por municípios do nordeste paraense e repetiu a dose em 1978. Depois nunca mais ganhou.
Nunca entendo como Santarém nunca tenha conseguido estabelecer ao menos um time como, pelo menos, a terceira força do Pará. O último lampejo do futebol santareno foi em 2009 com a conquista do Campeonato Brasileiro da série D, pelo Pantera Negra. Como no final do jogo entre Tapajós e Águia de Marabá, o futebol santareno está só na retranca.
RG 15 / O Impacto