DESVIOS DE CILINDROS DE OXIGÊNIO TERIAM ELEITO VEREADOR EM ITAITUBA
No Brasil, muitas investigações miram a utilização da máquina pública para obtenção de vantagens pessoais. A realização de eleições municipais em contexto de pandemia trouxe muitas mudanças, especialmente na questão da necessidade de cumprir normas sanitárias. Se em eleições sem covid-19, candidatos “alheios à legislação” barganhavam votos ofertando dinheiro, camisas, material de construção e até mesmo emprego; no pleito marcado pelo coronavírus, a “barganha política” teria se utilizado de uma das terapias mais valiosa para salvar vidas: o oxigênio medicinal.
No município de Itaituba, uma investigação sobre desvios de cilindros de oxigênio de Unidades de Saúde parece se desdobrar em uma história, no mínimo, lamentável.
Segundo denúncia, no período eleitoral cujo atual Secretário de Saúde do município se lançou candidato a vereador – alcançado a vitória -, houve um “considerável número de cilindros de oxigênio cedidos informalmente”. Tal estratégia teria sido utilizada para “angariar votos para o secretário de saúde, que estava afastado da secretaria, para concorrer ao parlamento municipal”.
A INVESTIGAÇÃO
A Primeira Promotoria de Justiça de Itaituba instaurou procedimento para apurar o desvio de cilindros de oxigênio que teria ocorrido na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e no Hospital Municipal de Itaituba (HMI).
O fiscal da lei determinou que fossem oficiadas a Delegacia de Polícia Civil, para requisitar informações a respeito do procedimento instaurado; a Secretaria Municipal de Saúde, para requisitar a instauração de Procedimento Disciplinar Administrativo para apuração dos fatos; além do Diretor Administrativo da Secretaria Municipal de Saúde e o Diretor do Hospital Municipal de Itaituba, para prestar informações a respeito dos fatos.
A pedido do promotor de Justiça Titular, Alan Johnnes Lira Feitosa, a Polícia Civil, por meio da delegada Géssica Thaiany Gomes de Araruna, informou, no dia 04 de março, que após o registro de um boletim de ocorrência realizado pelo secretário de saúde, Iamax Prado Custório, foi dado início a uma verificação preliminar das informações, a fim de angariar elementos que constituam justa causa para instauração de inquérito policial.
Ainda de acordo com a Polícia Civil, “foram colhidos depoimentos de alguns servidores vinculados a Secretaria Municipal de Saúde e, somente no dia de 03/03/2021, o responsável administrativo conseguiu apresentar documentos comprobatórios do quantitativo total de cilindros e do déficit constatado. Ao que tudo indica, há pelo menos 14 (quatorze) cilindros desaparecidos”.
Já a Secretaria Municipal de Saúde, através do Ofício Nº 004/2021, enviou resposta ao promotor dizendo que “ao tomar ciência dos fatos, o gestor da Secretaria Municipal de Saúde se direcionou a 19ª Seccional de Itaituba para registro do boletim de ocorrência policial, visando abertura das devidas investigações e apurações dos fatos”. O documento diz também que a secretaria está contribuindo com a apuração dos fatos ao fornecer os documentos solicitados pela Seccional, objetivando agilizar a conclusão das investigações e, desse modo, tomar as devidas providências de Procedimento Disciplinar Administrativo contra os envolvidos no ocorrido.
Com exclusividade, O Impacto teve acesso ao Boletim de Ocorrência registrado na 19º Seccional de Polícia Civil de Itaituba em 18 de fevereiro de 2021 pelo Secretário de Saúde Iamax Prado Custódio. No documento, o titular da Saúde de Itaituba diz que havia sido procurado por uma servidora do zoonoses chamada Adla Verônica de Miranda, que lhe relatou que o sobrinho, de nome Cristian Renato Sousa de Miranda, havia escondido um cilindro de oxigênio em sua residência, e que ela, ao ver o objeto, perguntou como ele teria conseguido. O rapaz então respondeu que estava escondendo o cilindro a pedido de seu amigo Victor Eduardo da Silva Sousa, servidor temporário da UPA na função de Maqueiro. Adla Verônica teria ficado transtornada com a situação, pois temeu que o fato se tratasse de desvio de material da secretaria. Assim, ela exigiu que o sobrinho entrasse em contato com o amigo para que o cilindro fosse retirado de sua casa o mais rapidamente possível. No dia seguinte então, a mulher teria narrado os fatos para o Diretor Administrativo da Secretaria de Saúde Municipal, Emerson de Oliveira Santos, que repassou a informação ao secretário Iamax. O secretário, ao entrar em contato com o setor administrativo responsável descobriu então que no momento 18 cilindros estavam faltando. Como na cidade ocorre a reposição de oxigênio na usina, onde só há um servidor que acaba tendo que pedir ajuda de outros para manusear os cilindros, geralmente maqueiros e porteiros, isso poderia indicar a ocorrência de delito.
Intimado a prestar depoimento no dia 23 de fevereiro de 2021, Victor Eduardo da Silva Sousa, o maqueiro da UPA que deixou o cilindro de oxigênio na casa de Adla Verônica, afirmou que os maqueiros prestam auxílio ao administrador da usina de oxigênio e que costumam ficar de posse da chave do cadeado que dá acesso à usina. No entanto, várias vezes aconteceu de o cadeado não estar devidamente fechado e assim já se deparou com motoristas da secretaria fazendo a troca de cilindros diretamente. Diante da insegurança quanto ao acesso à usina, passaram a registrar em caderno de protocolo a retirada ou troca de cilindro de oxigênio para o HMI e a cada troca de plantão o número de cilindros deveria ser conferido. Apesar dessa tentativa de controle, já houve ocasiões em que o número de cilindros anotados no protocolo não conferia com o que estava presente na usina. O rapaz relatou que isso ocorria com mais frequência durante a primeira onda da pandemia, mas à medida que foram percebendo essas falhas passaram a estabelecer medidas de controle mais rigorosas. Após isso ficou estabelecido que ficariam a cargo da UPA trinta e um cilindros e que essa quantidade deveria ser conferida com frequência.
Continuando seu depoimento, em relação ao cilindro deixado na casa de Adla Verônica, Victor disse que trabalhou no dia 07/02 e que nesse dia o motorista plantonista da secretaria de saúde, chamado Eudes, foi até a UPA realizar a troca de um cilindro de oxigênio vazio por um cheio e que o ato está registrado no caderno de protocolo. Os dois partiram juntos e no caminho o motorista resolveu buscar objetos de ornamentação para a festa do filho. Victor, com receio de ver os objetos serem quebrados pelo cilindro, teria então pedido para Cristian Renato Sousa de Miranda guardar em casa até o momento em que voltaria para buscar depois. Segundo ele, após a busca o cilindro foi deixado no HMI e ele voltou para a UPA. Ele também contou que tem conhecimento de que cilindros se perderam durante a primeira fase da pandemia por conta da falta de controle administrativo e fluxo frequente de troca e retirada para o HMI sem protocolo, no entanto ele não sabe ao certo a quantidade de cilindros que desapareceram, embora tenha ouvido comentários de que 14 estariam faltando. Porém, ele afirma que desde que passaram a realizar controle mais rigoroso o número de 31 cilindros permanece intacto.
Segundo o diretor administrativo da Secretaria Municipal de Saúde, Emerson de Oliveira Santos, também em depoimento à polícia no dia 24 de fevereiro de 2021, estavam a cargo da secretaria o total de 72 cilindros. Na contagem realizada recentemente, percebeu-se que há 23 unidades na UPA, 22 no HMI, 08 cedidas para a cidade de Prainha, e 01 cedida para um paciente domiciliar, somando um total de apenas 54. Ele informa que os cilindros não possuem qualquer elemento identificador que o vincule à Secretaria, apenas que são cilindros grandes de cor verde, para oxigênio medicinal, de 10m3.
Outro que foi convocado a depor sobre o caso na delegacia de Polícia, em 25 de fevereiro de 2021, foi Thiago John dos Santos Freitas, servidor comissionado da Secretaria Municipal de Saúde responsável pela manutenção dos equipamentos e abastecimento dos cilindros de oxigênio na usina. Segundo ele, no início do funcionamento não havia nenhum controle do quantitativo de cilindros nem tampouco do fluxo de entrada e saída. Somente a partir do mês de janeiro de 2021 um caderno de protocolo para controle começou a ser utilizado, no qual deveriam ser anotados os números de trocas de cilindros cheios por vazios diariamente. Na sua fala em depoimento, Thiago John dos Santos Freitas diz que seus superiores, o secretário de saúde Iamax; o diretor administrativo da Secretaria de Saúde, Emerson, e o diretor da UPA, Fabrício; autorizavam a retirada de cilindros sem que fossem feitas os devidos registros de anotação. Ele conta que por vezes chegava para trabalhar e dava falta de cilindros, dando como exemplo o dia em que só ficou sabendo que cilindros haviam sido cedidos para o município de Prainha através da mídia local.
Ele diz também que houve um considerável número de cilindros cedidos informalmente no período de campanha eleitoral, e que sempre manifestou seu inconformismo sobre a situação diretamente para o Diretor Administrativo Emerson, que respondia que “lhe prejudicaria da mesma maneira caso um dia fosse descoberto, pois é comum ‘a corda arrebentar do lado mais fraco’”. Thiago conta que esta barganha política tinha como objetivo angariar votos para o secretário de saúde, que estava afastado para concorrer a cargo eleitoral municipal. Ele também afirma acreditar que embora sabidamente tenha se mantido contra ao que vinha ocorrendo, nunca foi demitido porque o diretor administrativo não teria autonomia para tanto. Assim, por sempre ter afirmado que jamais negaria o que presencia no trabalho, afirma temer sofrer algum tipo de represália de seus superiores. Atualmente há o controle em seu protocolo de que três cilindros foram cedidos para pacientes de uso contínuo em domicílio, contudo, pelo que tem conhecimento, somente um deles está devidamente formalizado perante a secretaria de saúde, pois os demais foram cedidos informalmente pelo secretário Iamax. Thiago John dos Santos Freitas diz também que um desses pacientes que está com um cilindro de oxigênio não formalizado é um familiar do secretário Orismar, da SEMINFRA.
Outro que falou em depoimento no dia 25 de fevereiro de 2021 foi Adriano de Aguiar Coutinho, que exerce cargo comissionado na secretaria municipal de saúde. Sobre o sumiço dos cilindros, de acordo com a sua declaração ele acredita que é possível ter ocorrido a cessão de cilindros sem a devida formalização, por alguma circunstância eventual (uma urgência, por exemplo), e que talvez o objeto não tenha sido restituído ao órgão posteriormente. Adriano também considera pouco provável que tenha ocorrido uma situação de furto de cilindros diretamente do hospital, mesmo que no espaço não haja câmeras de monitoramento.
No dia 03 de março, Emerson de Oliveira Santos, o diretor administrativo da Secretaria Municipal de Saúde, foi novamente até a delegacia, onde foi realizada a verificação de documentos que constataram que o município de Itaituba possui no total setenta e nove cilindros de oxigênio, incluindo três não adequados ao armazenamento de oxigênio medicinal, fruto de doação. A contagem atualizada agora afirma que há 14 cilindros “desaparecidos”, ou seja, com destino incerto e não sabido.
As investigações deverão proceder para que se possa descobrir o que realmente aconteceu aos cilindros e qual o paradeiro de cada um deles. Nesse momento de pandemia, na qual um pouco de oxigênio pode ser a linha entre a vida e a morte para um paciente, saber que esses equipamentos podem ter sido desviados é algo gravíssimo. É importante descobrir não só as suas localizações, mas saber como esses cilindros saíram das dependências dos hospitais, quais as pessoas que os receberam, quem fez as entregas e qual o motivo dessas pessoas terem cometido o ato ou delito.
Por: Thays Cunha
RG15/O Impacto