Artigo – Como sobre(vivem) as pessoas em situação de rua no Brasil

Por Thays Cunha

Se existe algo marcante que ocorre em todas as sociedades no mundo é a questão das desigualdades sociais. Enquanto há a concentração de riquezas nas mãos de poucos, a grande maioria das pessoas precisa lutar diariamente para pagar pelo seu pão de cada dia e um lugar para dormir. Nesta pirâmide, os mais ricos estão no topo, pisoteando toda a camada decrescente por debaixo deles, com os trabalhadores mais pobres no último degrau sendo esmagados por toneladas de miséria e suor.

Porém, há uma camada ainda mais abaixo de toda essa estrutura, sendo composta por aqueles que perderam até mesmo o direito de lutar pela dignidade de viver um dia após o outro. Essas são as pessoas que vivem em situação de rua, ou seja, indivíduos que não possuem endereço e por vezes nem documentos, e que passam a morar nas calçadas e praças das cidades de todo o país. Sem um lugar seguro para dormir, comer e se higienizar, passam por inúmeros sofrimentos enquanto peregrinam de um lado para o outro expostos a todos os tipos de perigos e adversidades que essa situação os impõe.

Nessas condições, então, como vivem/sobrevivem essas pessoas?

A Secretaria Nacional de Assistência Social define as pessoas em situação de rua como sendo “o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória”. Essa população então é geralmente composta por aqueles que, por algum motivo, foram excluídos da sociedade e acabaram encontrando nas ruas o único lugar que os aceitou. Apesar de invisíveis aos olhos de todos, são notados quando estigmatizados e sofrem o descaso decorrente da falta de acesso aos seus direitos básicos, raramente encontrando ajuda para que consigam sair dessa triste situação. Não é uma vida escolhida por opção, mas sim pela falta dela. Dentro desse cenário, que não acontece do dia para noite, mas sim por uma série de fatores que culminam nessa situação, é comum que a causa que os tenha levados às ruas sejam rejeição, preconceito, uso de álcool, drogas, desemprego e solidão.

Assim, para esses indivíduos não há uma perspectiva de futuro, pois se sentem criaturas abandonadas por estarem sujeitas a todo o tipo de violência, à fome, ao frio, a doenças físicas, psicológicas, e ao medo. Procurando mitigar a dor que os aflige, muitos recorrem aos vícios, que trazem alívio momentâneo, mas em longo prazo contribuem ainda mais para a sua degradação física e moral.

Em relação a caracterização dessa população de rua, segundo um documento intitulado “Política Nacional para inclusão social da população de rua”, produzido pelo Governo Federal em 2008, “são diversos os grupos de pessoas que estão nas ruas: imigrantes, desempregados, egressos dos sistemas penitenciário e psiquiátrico, entre outros, que constituem uma enorme gama de pessoas vivendo o cotidiano das ruas. Ressalte-se ainda a presença dos chamados “trecheiros”: pessoas que transitam de uma cidade a outra (na maioria das vezes, caminhando a pé pelas estradas, pedindo carona ou se deslocando com passes de viagem concedidos por entidades assistenciais)”. O relatório também fala que a maior concentração de pessoas em situação de rua ocorre em localidades mais populosas por concentrarem mais recursos e possibilidades, sendo então mais procurados por aqueles que vivem em situação de vulnerabilidade “que necessitam de oportunidades de emprego e condições mais favoráveis para a sua sobrevivência”.

Ainda falando dos dados que constam nesse relatório produzido pelo Governo Federal, na época, a população em situação de rua era predominantemente masculina (82%). Mais de 15% desses homens estavam na faixa etária entre 18 e 25 e outros 27%, a maioria, tinha entre 26 e 35 anos. Já as mulheres em situação de rua figuravam entre os 18% restantes, sendo que 21, 17% delas tinham entre 18 e 25 e 31,06% estavam entre 26 e 35.

Os níveis de renda eram baixos e maioria (52,6%) recebia entre R$ 20,00 e R$ 80,00 semanais. No entanto, “a população em situação de rua é composta, em grande parte, por trabalhadores: 70,9% exercem alguma atividade remunerada. Destas atividades destacam-se: catador de materiais recicláveis (27,5%), flanelinha (14,1%), construção civil (6,3%), limpeza (4,2%) e carregador/estivador (3,1%)”.

Isso mostra que apesar das adversidades a grande maioria desses indivíduos realiza algum tipo de trabalho, o que evidencia a imensa vontade que essas pessoas têm de tentar se reconstruírem. É essencial que isso seja destacado, pois desconstrói a ideia de que todos aqueles que vivem na rua são pedintes ou mendigos.

Situação de rua e pandemia

A pandemia do novo coronavírus pegou todo o mundo de surpresa no início do ano de 2020. E agora, mais de um ano depois, ainda sofremos com as inúmeras perdas causadas pela doença. Como medida de proteção, algumas ações são feitas como intuito de conter a contaminação, sendo as mais importantes a questão da higiene constante e isolamento social.

Porém, como pessoas que não possuem acesso a essa higiene poderão se manter longe do vírus? Como se isolar se não há um local para onde ir?

De acordo com uma nota pública divulgada pelo IPEA, chamada “População em situação de rua em tempos de pandemia: Um levantamento de medidas municipais emergenciais”, houve o objetivo de “identificar as principais iniciativas municipais em curso para o enfrentamento dessa realidade, discorrer sobre a qualidade, quantidade e oportunidade das ações realizadas, bem como sugerir recomendações para sua implementação ou aprimoramento”.

À medida que a pandemia vai avançando, isso causa um enorme desafio para as políticas de atenção à essa população em situação de rua por conta dos riscos inerentes à doença e alta exposição a ela. Algumas medidas foram tomadas na tentativa de auxiliar aqueles que não poderiam se proteger de maneira efetiva do que estava acontecendo, como, por exemplo, o “acolhimento regular e provisório, a mobilização das entidades da sociedade, além de atenção a situações específicas, como uso abusivo de álcool e outras drogas, migrantes, crianças e adolescentes, e segmento LGBT, em situação de rua”. Também houve/ há a distribuição de comida, consultórios de rua para acompanhamento da saúde, instalação de pias em locais públicos para higiene das mãos, e ampliação da distribuição de recursos. Porém, ainda assim isso tudo não é suficiente, uma vez que essas ações ainda são poucas, espaçadas, e muitos dos que estão na rua não conseguem acesso a qualquer benefício por conta da falta de documentação.

Em outra nota técnica divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), intitulada “Estimativa da população em situação de rua no Brasil (setembro de 2012 a março de 2020)”, a população de rua no país chega a quase 222 mil pessoas. É uma grande quantidade de gente vivendo sem documentação, moradia, higiene e alimentação. Por isso é importante que o governo possa implementar políticas públicas para o apoio a essa parcela da população invisível para o Estado e até mesmo para a sociedade, uma vez que há poucos programas sociais desenvolvidos com foco na solução desses  problemas. Embora até existam albergues ou abrigos temporários para assistência, eles não são em número insuficiente para a demanda de pessoas que necessitam. Assim, a maioria dos em situação de rua só consegue algum apoio através da ajuda oferecida por Organizações não Governamentais (ONGs) ou Instituições Religiosas, que se preocupam em fornecer ao menos um pouco de alento e dignidade com a distribuição de comida, roupas, produtos de higiene e outros serviços, como o amparo, uma vez que há a necessidade de atender essa população não só com suprimentos, mas também oferecer oportunidades para que se sintam cidadãos funcionais novamente. Portanto, as políticas públicas a serem gerenciadas devem atuar não só em tratar as pessoas, mas as causas do problema ao proporcionar dignidade e segurança para todos.

RG 15 / O Impacto

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *