Artigo – Obstáculos para a doação e transplante de órgãos no Brasil

Por Thays Cunha

O transplante é um procedimento cirúrgico no qual podem ser substituídos órgãos como coração, pâncreas, rins, pulmão e fígado, assim como tecidos, medula óssea, córneas e ossos, sendo que o doador, a depender do caso, pode estar vivo ou morto. Pessoas vivas podem doar parte do fígado, do pulmão, da medula óssea e um dos rins. Segundo a legislação, é permitida a doação entre pessoas vivas desde que sejam parentes de até quarto grau ou cônjuges. Caso uma pessoa fora desse círculo deseje doar, terá primeiro que pedir autorização judicial.

Já de doadores falecidos podem ser retirados o coração, o fígado, intestino, pulmões, rins, pâncreas, córneas, vasos, tendões, ossos e até mesmo pele. Porém o procedimento só é feito após a constatação de morte encefálica (Lei 9.434), juntamente com a autorização da família do doador.  Uma única doação de órgãos pode salvar até nove pessoas. Caso haja retirada de ossos e tecidos, o número de pessoas pode aumentar ainda mais.

RECUSA DA FAMÍLIA

De acordo com a nossa legislação, não é necessário se cadastrar nem deixar documentação que afirme o seu desejo de ser um doador, pois isso deve ser comunicado à família ainda em vida, sendo ela quem posteriormente autoriza a remoção. Porém, segundo o Ministério da Saúde, “a negativa familiar é um dos principais motivos para que um órgão não seja doado no Brasil. Atualmente, aproximadamente metade das famílias entrevistadas não concorda que sejam retirados os órgãos e tecidos do ente falecido para doação. Em muitos desses casos a pessoa poderia ter sido um doador”. Isso significa que cada pessoa deve conversar com a sua família e avisar sobre o seu interesse de realizar uma doação de órgãos após a morte, pedindo que essa vontade possa ser respeitada mesmo diante de um momento de dor.

Uma das possíveis razões para que as famílias não permitam a retirada de órgãos de seus entes queridos é a falta de informações sobre o que é a morte encefálica, pois muitas pessoas acreditam que, mesmo após essa determinação, o parente pode vir a se recuperar. No entanto a morte encefálica é um processo irreversível depois de constatada. Quando o cérebro para de funcionar, por causa de lesão grave na cabeça ou outros motivos, a pessoa para imediatamente de respirar, sendo a respiração mantida somente por causa dos meios artificiais.

FALTA DE DIÁLOGO

Outro fator que impede a doação e posterior transplante de órgãos no Brasil é a questão da falta de diálogo e desconfiança em relação ao procedimento. Por conta das fake news algumas pessoas têm medo de doar ou autorizar uma doação, pois pensam que podem ser mortas de propósito, que os órgãos serão traficados ou então dados a quem usar dinheiro e influência para “furar” a fila.

No entanto, esse é um procedimento seguro, com a escolha do receptor feita de forma computadorizada e sem interferências. A fila é controlada pelo Sistema Nacional e pelas Centrais Estaduais de Transplantes, e as normas de seleção são iguais para todos, sendo levados em conta o tipo de transplante e a gravidade de cada caso.

Frisando que a doação só é realizada após confirmação legal da morte encefálica do doador e também somente após um receptor compatível ter sido localizado. Em seguida a retirada é efetuada em um centro cirúrgico, com autorização do Ministério da Saúde. O corpo então é recomposto e entregue à família para a realização do funeral.

FALTA DE ESTRUTURA

A captação e transplante de órgãos e tecidos também esbarra na falta de estrutura dos centros e hospitais brasileiros, pois muitos se encontram em situação precária, por vezes mal conseguindo realizar atendimentos básicos de saúde.

Primeiro, nem todas essas unidades de saúde tem o que é suficiente para atestar a morte encefálica, necessária para viabilizar uma doação. Além disso, retirar e transplantar um órgão exige infraestrutura adequada e alta qualificação profissional, fatores imprescindíveis para garantir a rapidez no procedimento e a manutenção dos órgãos, que apresentam curto prazo de conservação fora do corpo.

Por exemplo, após a retirada um coração deve ser transplantado em até seis horas. Pulmões de 04 a 06 horas. Rins duram cerca de 48 horas. Fígado 12 horas e pâncreas pode ser mantido por até 12 horas.

OUTROS FATORES

Além da recusa da família do doador, falta de diálogo e de estrutura, há também alguns outros fatores que impedem a realização de um maior número de transplantes no Brasil, como, por exemplo, insatisfação com o atendimento hospitalar, dificuldade de aceitar a morte do ente querido, abordagem familiar para pedido de doação feita de forma inadequada, desconhecimento da vontade de uma pessoa de doar, medo de que a aparência do corpo do falecido fique desagradável e até mesmo crenças culturais e religiosas.

PANDEMIA

Assim que fomos afetados pela chegada do novo coronavírus logo foi anunciada a suspensão dos transplantes feitos através de doador vivo. A medida teve a intenção de proteger a saúde das pessoas da contaminação com a covid-19. E com a superlotação de hospitais e a alta taxa de contaminação o trabalho de captar e transplantar órgãos ficou ainda mais difícil. Após o início da pandemia o número de transplantes caiu em cerca de 20% em todo o Brasil, como informado pela Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), pois em caso de óbito por suspeita ou confirmação de contaminação, os órgãos se tornam então inaptos a serem utilizados.

SUS

Apesar de todos os problemas enfrentados pela saúde brasileira, nosso país é referência no que tange a captação e doação de órgãos, e o mais impressionante é que esse é um serviço quase que totalmente público. De acordo com o Ministério da Saúde, “o Brasil é referência mundial na área de transplantes e possui o maior sistema público de transplantes do mundo. Atualmente, cerca de 96% dos procedimentos de todo o País são financiados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em números absolutos, o Brasil é o 2º maior transplantador do mundo, atrás apenas dos EUA. Os pacientes recebem assistência integral e gratuita, incluindo exames preparatórios, cirurgia, acompanhamento e medicamentos pós-transplante, pela rede pública de saúde”.

Os órgãos que possuem fila de espera maior são coração, fígado, pulmão e rins. São milhares de pessoas por todo o país que esperam (muitas nem conseguem esperar) por uma chance de sobrevivência. Nesse sentido é urgente conscientizar a sociedade para a importância da doação de órgãos, disseminando informações através de campanhas, além de, obviamente, capacitar os profissionais de saúde e os hospitais e centros médicos para que consigam salvar o maior número possível de vidas.

Vale lembrar que não há nenhum custo, seja para a família do receptor quando para a do doador, assim como não é feito nenhum pagamento por conta da doação. Esse é um ato totalmente altruísta e que tem como único objetivo ajudar o próximo.  Como bem afirma o Ministério da saúde, “doar órgãos é um ato que pode salvar vidas, em caso de órgãos vitais como o coração, bem como devolver a qualidade de vida, quando o órgão transplantado não é vital, como os rins. A doação de órgãos proporciona o prolongamento da expectativa de vida de pessoas que precisam de um transplante, permitindo o restabelecimento da saúde e, por consequência, a retomada das atividades normais”.

COMO SER UM DOADOR

O Ministério da Saúde informa que se alguém deseja ser um doador de órgãos deve avisar em vida aos familiares, pois a lei brasileira exige o consentimento deles para a retirada de órgãos e tecidos para transplante. “Não é necessário deixar a vontade expressa em documentos ou cartórios, basta que sua família atenda ao seu pedido e autorize a doação. Quando você comunica a sua família e amigos que é um doador de órgãos, você facilita o processo de transplantes e pode salvar muitas vidas”. Desse modo, caso um parente manifeste a vontade de ser um doador, a sua vontade deve ser respeitada.

De acordo com informações do Senado “hoje já são mais de 40 mil pessoas na fila de espera. Para tentar mudar esse cenário, estão em análise dois projetos de lei que tornam a doação de órgãos e tecidos ato de consentimento presumido. O primeiro, PL 3.176/2019, do senador Major Olimpio, institui que caso a pessoa maior de 16 anos não se manifeste contrária, após a morte ela é considerada doadora até que se prove o contrário. Já o PLS 405/2012, do senador Humberto Costa (PT-PE), determina que a pessoa que não deseja doar partes do corpo após a morte deve registrar a expressão ‘não doador de órgãos e tecidos’ no documento de identidade”.

PARÁ

Segundo dados da pesquisa “Dimensionamento dos Transplantes no Brasil e em cada estado”, da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos, no Pará são realizados somente transplantes de córnea, rim e fígado. Nos últimos dois anos (2019-2020), foram realizados 24 transplantes de córnea, 07 de rim e nenhum de fígado. Isso mostra que o nosso estado ainda tem muito o que avançar para que essas números possam vir a melhorar. Em Santarém, o Hospital Regional do Baixo Amazonas foi habilitado para a realização de transplantes somente de rins, tendo realizado até o fim de 2020 cerca de 60 cirurgias desse tipo.

RG 15 / O Impacto

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