Artigo – Perigo nas estradas: o uso de drogas por caminhoneiros
Por Thays Cunha
Em um lugar continental como o Brasil há uma grande variedade de bens e produtos distintos que são produzidos nos diferentes pontos do país. Para dar vazão a esse fluxo de mercadorias, que são levadas de norte a sul diariamente, o transporte rodoviário federal e estadual configura uma das formas mais importantes de realizar essa movimentação. Segundo informações da Fundação Getúlio Vargas (FGV), “o peso do transporte rodoviário de carga é estimado em torno de 1,4 ponto percentual (p.p.) do PIB, considerando análise das contas nacionais entre 2010 e 2017. Mas o impacto do setor na economia pode ser em torno de 29%, porque esse modal permite que haja interligação entre mercados produtores e consumidores, fazendo com que a economia flua”.
Muito se fala do transporte rodoviário e da sua importância como um todo, porém há uma luta individual diária em relação àqueles que o fazem funcionar que muitos não conhecem. Por detrás das boleias dos caminhões e carretas existem pessoas que ficam longos períodos longe de suas famílias, sozinhos e lutando contra o tempo para que as cargas cheguem no momento certo e sem nenhuma perda. Há também os pedágios, o constante medo de assaltos, as estradas com infraestrutura inadequadas, os atoleiros causados pela chuva e a poeira intensa. Qualquer coisa pode atrasar uma entrega e isso significa prejuízo.
Assim, como lidam com a pressão que envolve a profissão caminhoneiro?
Com prazos de entrega tão apertados a serem cumpridos e também necessitando fazer o máximo de fretes em um curto período para aumentar os ganhos, muitos caminhoneiros encontraram uma saída perigosa tanto para a saúde quanto para a segurança deles e de outros: o consumo de drogas.
Para evitarem sentir sono durante as viagens e assim lutar contra o cansaço de jornadas estafantes, alguns motoristas utilizam diferentes substancias lícitas e ilícitas. Desse modo, uma enorme quantidade de horas que deveriam ser de sono e descanso é convertida em trabalho pesado sem pausa.
Nessa rotina de horas seguidas ao volante, o uso de substâncias psicoativas já se tornou comum. O motivo é que elas causam um efeito no sistema nervoso central capaz de alterar, por certo período de tempo, a percepção, o comportamento e o humor. Como o motorista tem a sensação de estar mais desperto e alerta, ele então dirige noite adentro ao invés de dormir e assim pode entregar a mercadoria o mais rapidamente possível para logo pegar outra. No entanto, quando uma pessoa fica mais de 19 horas sem dormir ela pode perder os reflexos de forma equivalente a quando ficamos embriagados.
Entre as substâncias que foram detectadas sendo utilizadas pelos caminhoneiros, as mais comuns são o rebite e a cocaína. O rebite é uma substância que existe em alguns remédios, como os inibidores de apetite, e é capaz de manter o usuário acordado por algumas horas. Agindo no sistema nervoso central, estimula o cérebro a trabalhar mais rápido, causando a de falta de sono.
Visto como uma alternativa ao rebite, a cocaína também atinge o sistema nervoso central e deixa o usuário com a sensação de estar eufórico e alerta. No entanto, na realidade essas drogas são perigosíssimas, pois causam aumento da frequência de batimentos cardíacos e da pressão arterial, irritabilidade, prejudicam fortemente os reflexos e causam inquietação e confusão mental que frequentemente resulta em acidentes.
Ao longo de uma viagem um caminhoneiro pode ingerir uma grande quantidade de comprimidos de anfetamina (rebite) por dia e até cheirar cocaína enquanto dirige. Isso aumenta o risco de acidentes, pois essa sensação de bem-estar é ilusória e breve, fazendo com que, em busca de resultados melhores, a pessoa passe a utilizar tais substancias de forma cada vez mais excessiva. Drogado, muitos chegam a dirigir por 72 horas ininterruptas. Porém, em um momento o corpo e a mente entram e colapso e o motorista pode dormir ao volante, pondo em risco a sua vida e a de outras pessoas.
Segundo informações divulgadas através do Brasil Caminhoneiro, “dados do Ministério da Saúde de 2018 dão conta que no período entre 2007 e 2016, os caminhoneiros lideraram as mortes de trânsito relacionadas à profissão, representando 13% do total de apurações”. Dentre as causas apontas para os acidentes está o não cumprimento do descanso. Chegando a 2020, de todos os acidentes em rodovias federais do País registrados, 17,6% envolveram caminhões. Em relação à região norte houve 3.881 acidentes desse tipo somente no ano passado nas estradas federais.
Exame toxicológico obrigatório
A Lei Nº 13.103/2015, também conhecida como Lei do Caminhoneiro, institui a obrigatoriedade do “exame toxicológico com janela de detecção mínima de 90 (noventa) dias, específico para substâncias psicoativas que causem dependência ou, comprovadamente, comprometam a capacidade de direção” nas ocasiões de emissão ou renovação de carteira das categorias C, D e E.
Realizado através da coleta de fios de cabelo ou pelos, o exame pode apontar o uso de substâncias ilícitas nos 90 dias anteriores à coleta. Caso os resultados sejam positivos, o motorista fica impedido de seguir com o processo de emissão ou renovação da carteira por mais 90 dias, data na qual deverá ser feito novo exame.
A Lei Nº 13.103/2015 também é conhecida como a “Lei do Descanso”, pois “dentro do período de 24 horas, são asseguradas 11 horas de descanso, sendo facultados o seu fracionamento e a coincidência com os períodos de parada obrigatória na condução do veículo, garantidos o mínimo de 8 horas ininterruptas no primeiro período e o gozo do remanescente dentro das 16 horas seguintes ao fim do primeiro período”.
Porém, para mudar esse situação perigosa somente a Lei do Descanso não é suficiente, uma vez que ela precisa não somente de fiscalização para ser cumprida como também de consciência por parte dos caminhoneiros e principalmente das distribuidoras e transportadoras que exigem prazos mínimos para a realização da entrega de produtos. Somente um esforço conjunto poderá diminuir as mortes em acidentes causadas pelo consumo de drogas utilizadas para ganhar tempo e urgência. Os governos devem implementar leis que auxiliem esse tipo de trabalhador, aumentando os pontos de parada de descanso e fazendo fiscalizações, e as empresas devem ter consciência de que não coagirem os caminhoneiros a trabalharem além de suas possibilidades é uma maneira de evitar que os trabalhadores se sintam compelidos a utilizarem drogas que os mantenham alertas para dirigir mais que o tempo necessário.
RG 15 / O Impacto