Artigo – O drama das domésticas: desvalorização e exploração em troca de sustento

Por Thays Cunha

A categoria das empregadas domésticas está entre uma das mais importantes para o funcionamento da sociedade. Elas – pois as mulheres são a imensa maioria que exercem esse trabalho – estão presentes nas diversas residências das diferentes classes sociais, e realizam trabalhos de cuidado não somente com a casa como também com as pessoas que nela residem, lavando, limpando, cozinhando e até tomando conta de crianças, jovens e idosos ao mesmo tempo em que realizam as suas tarefas. Falar sobre essas trabalhadoras é algo muito delicado, pois este assunto gera certa polêmica sempre que abordado.

Como são pessoas que trabalham dentro de um círculo familiar, essa proximidade acaba então fazendo com que muitos patrões não vejam nenhum problema em não fornecer a elas todos os direitos trabalhistas aos quais têm direito, uma vez que alguns podem ver esse tipo de trabalho como algo “colaborativo” entre as partes, ou seja, uma situação em que todos estão “se ajudando”.

Com isso milhares de empregadas domésticas pelo Brasil afora se dedicam com ardor a famílias, no entanto recebem em troca, no final do mês, apenas um salário mínimo ou/e até mesmo menos do que isso. E essa informalidade abre espaço para muitos casos de desvalorização e até exploração, pois a grande maioria dessas trabalhadoras se submete a esse tipo de tratamento por não encontrarem nenhuma outra forma de sustento.

NÚMEROS

O Brasil tem no seu histórico de fundação o trabalho doméstico, que na época colonial era proveniente da escravização de pessoas. Desde sempre foi considerado um trabalho precário e carrega consigo, até os dias de hoje, muito preconceito e estigmatização.

Segundo dados da Pnad Contínua, do IBGE, a população ocupada em trabalhos domésticos era de 6,4 milhões em 2019. Em 2020, provavelmente por conta da pandemia ocasionada pelo novo coronavírus, esse número diminuiu substancialmente para cerca de 4,9 milhões.

Houve também redução de trabalhadores com registro em carteira assinada, diminuindo ainda mais um número que já era extremamente baixo. Em 2019, 1,6 milhão de pessoas que exerciam serviços domésticos eram registradas. Em 2020, o número daqueles que recebem os direitos básicos trabalhistas e previdenciários passou para apenas 1,1 milhão. Desses, as mulheres representam mais de 92% das ocupações, das quais mais de 65% delas são negras. Quanto à faixa etária, a maioria tem entre 30 e 59.

Ainda de acordo com a pesquisa Pnad Contínua, em relação ao rendimento médio mensal, a média nacional caiu de R$ 924 para R$ 876. Houve queda em todas as regiões, exceto na Região Norte, que ficou estável. Sobre a média de horas trabalhadas, até o 4º trimestre de 2019 a  jornada média semanal das domésticas no Brasil foi de 52 horas

INFORMALIDADE

Essa queda no número de trabalhadoras registradas pode não refletir a diminuição total de “postos” de trabalho, uma vez que por conta da crise ocasionada pela pandemia os poucos que conseguiam pagar salários fixos e legalizados às suas domésticas acabaram tendo que abrir mão dessa despesa. Isso significa que muitos trabalhadores e trabalhadoras, se não estão desde o começo, foram lançados na informalidade por conta da necessidade vinda dos dois lados, ou seja, como patrões precisam continuar contando com esse tipo de serviço, ele acaba sendo aceito, mesmo que sem garantias, por quem precisa trabalhar de qualquer modo para garantir o sustento de sua família.

O trabalho informal faz com que a doméstica perca muitos direitos como, por exemplo, o salário mínimo da categoria, jornada de 44 horas semanais, vale-transporte, adicional noturno caso estenda o horário, descanso semanal, FGTS e 13º. A pesquisa Pnad aponta que as informais ganham 40% menos do que as formais e as trabalhadoras negras recebem em média 15% menos.

EXPLORAÇÃO

É triste, mas real, quando dizemos que muitas dessas trabalhadoras domésticas são exploradas pelos seus patrões. Há casos em que essa exploração começa desde a infância, quando meninas acabam tendo os seus direitos substituídos por deveres, uma vez que o “empregador” acredita que está ajudando famílias pobres ao recolher suas filhas. Assim, disfarçado de amparo, pessoas recebem em casa meninas quase sempre pobres e vindas do interior e prometem emprego e estudo. Porém, para a grande maioria delas a única realidade que conhecerão é a do trabalho pesado. Algumas crescerão sem ter a oportunidade de estudar e há casos em que ficam a serviço de uma mesma família durante a sua vida inteira, até o momento em que precisam ser resgatadas daquela situação.

Para as que entram nessa vida após a fase adulta também existem muitos problemas a serem enfrentados. Mulheres que são mães e trabalhadoras acordam cedo e deixam seus filhos com parentes ou até mesmo sozinhos enquanto se deslocam de suas casas para cuidar dos filhos dos outros.

Por não haver para essa categoria uma maior proteção legal, é frequente que recebam salários inferiores a de outras profissões, além do cumprimento de jornadas de trabalho extenuantes, sem direito a folgas e descanso.

PANDEMIA

Entre os inúmeros problemas causados pela pandemia do novo coronavírus está a questão da alta vulnerabilidade das trabalhadoras domésticas, pois muitas profissionais do lar se veem obrigadas a se expor a contaminação devido patrões não lhe dispensarem do serviço, alguns nem mesmo quando a família inteira está com a covid-19. As que escolheram ficar em casa e se isolar acabaram demitidas, tendo que contar somente o auxilio emergencial, que agora foi cortado para uma grande parte da população e teve o valor bastante reduzido para os que ainda recebem, tornando essas pessoas ainda mais vulneráveis.

De acordo com informações fornecidas pela CUT (Central única dos trabalhadores), desde o início da pandemia os casos de denúncia de abusos e falta de pagamentos aumentaram cerca de 60%.  “A reclamação mais comum é a dispensa dessas trabalhadoras sem o devido recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), da contribuição ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e outras verbas rescisórias. Mas há denúncias até de cárcere privado”.

DIREITOS

Trabalhadores domésticos devem receber os mesmo direitos que qualquer outro trabalhador neste país. Isso significa que devem cumprir horas de trabalha adequadas, com descanso, carteira assinada e segurança de que não serão exploradas. Além disso, é preciso retirar a ideia de que o trabalho doméstico é algo “fácil”, o que faz com que elas recebam rendimentos até menores que um salário mínimo.

É preciso também combater os aproveitadores, que ao perceberem que essas domésticas necessitam de trabalho para sustentar suas famílias, ainda mais nesse momento tão difícil, oferecem as piores condições já intencionalmente.

RG 15 / O Impacto

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