Artigo – Desafios da adoção: crianças fora do “perfil” têm menos chance de conseguir um lar
Por Thays Cunha
Hoje em dia a visão que temos sobre família tem mudado bastante. Antes focada somente nas figuras materna e paterna, cercada pelos filhos, agora vemos que possuem os mais variados tipos e núcleos possíveis, sem que isso interfira nos laços de amor, cuidado e afetividade. Famílias podem ter não somente uma única figura masculina e feminina, mas inclui também avós, primos, tios, sobrinhos, pais, mães e até mesmo outros agregados. Porém, apesar de ser uma das bases mais importantes para a vida e o crescimento de uma criança, nem sempre todas elas têm a chance de poder viver e se desenvolver em um ambiente seguro e adequado, que lhes ofereça carinho, segurança e até mesmo alimentação e educação.
Por causa de diversos motivos como, por exemplo, negligência, violência, abusos, abandono, morte dos responsáveis ou problemas com drogas, muitas crianças e adolescentes acabam indo parar em centros de acolhimento espalhados por todo o Brasil. E na maioria dos casos acabam ficando nesses abrigos por um tempo indeterminado, esperando pelo momento em que algum dia terão, novamente ou pela primeira vez, um local para chamar de lar.
A chance que esses meninos e meninas tanto anseiam pode vir através de uma adoção. No entanto, apesar de ser uma forma de dar a quem precisa uma nova oportunidade, o processo de adoção no Brasil esbarra em inúmeros problemas até se concretizar. E esses fatores, em alguns casos, diminuem bastante a possibilidade de uma criança ou adolescente conseguir se integrar a uma nova família.
É interessante destacar que o número de pessoas que pretendem adotar é bem maior do que a quantidade de crianças que necessitam de um lar. Segundo informações do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), administrado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), até o momento há 33.119 pretendentes para 4.962 crianças disponíveis à adoção. Isso nos leva a pensar sobre quais os motivos que levam que tantas crianças fiquem sem uma família, mesmo que haja muitas pessoas na fila.
Um dos pontos a ser frisado é a questão da lentidão da Justiça, que acaba por prolongar a permanência das crianças e adolescentes nos abrigos. Uma das dificuldades é disponibilizar esses meninos e meninas para adoção, pois para isso é preciso destituí-los do poder familiar, ou seja, desvinculá-los completamente de pais ou parentes. O processo acaba demorando por conta das tentativas de reinserção da criança ou do adolescente em sua família biológica, pois a adoção é uma medida excepcional, irrevogável e tomada somente quando não há mais saída, ou seja, quando já esgotados todos os recursos.
Há também o fato de que aqueles que querem adotar precisam antes passar por uma série de avaliações, o que obviamente é o procedimento correto e seguro, contudo é algo que nem sempre é feito da maneira mais célere possível. Através de entrevistas, análise documental e visitas domiciliares a situação da família adotante é avaliada nos âmbitos socioeconômicos e psicoemocionais. Depois, os pais decidem qual o perfil dos filhos que querem, e encontrar quem se encaixe nessas preferências pode ser um longo processo.
Tais procedimentos deveriam duram no máximo seis meses, contudo a morosidade do Judiciário prorroga esse prazo por até mais de um ano. E enquanto isso a adoção vai se tornando cada vez mais difícil à medida que as crianças vão crescendo e envelhecendo. isso é um dos agraves, uma vez que quando mais velha forem, menos chance têm de se encaixarem nas características mais procuradas pelos futuros pais.
PAIS EXIGEM CERTAS CARACTERÍSTICAS NA HORA DE ADOTAR
Embora haja muitos pretendentes que sejam aptos a adoção, algumas exigências feitas por eles tornam o processo ainda mais difícil, pois grande maioria dos pais quer apenas crianças que se encaixam no perfil dado, que leva em conta sexo, idade, cor da pele, etnia e saúde. Essa discrepância entre o perfil de filho (a) desejado (a) no cadastro e a realidade faz com que o número de crianças acolhidas pelos abrigos não diminua, mesmo que haja inúmeras famílias dispostas a adotar, ou seja, as características que as crianças abrigadas possuem não se encaixam nas características idealizadas para que sejam candidatas pretendidas.
Segundo o cadastro do CNJ, a maioria das pessoas só aceita adotar crianças até os quatro anos, estendendo a idade para no máximo até seis. Isso significa que quanto maior a idade, menor a chance de ser escolhida. Por exemplo, do total de 33.119 cadastros, 27.401 optaram por receber apenas crianças que tenham entre zero e seis anos. 3.800 querem crianças com até oito anos e somente 1.919 aceitam as que têm idade acima dos 10 anos.
Além disso, muitos desses meninos e meninas não estão sozinhos nos abrigos e casas de acolhimento, pois não é incomum que essas instituições recebam vários irmãos de uma única vez. Como os juizados preferem, por vezes, não separar irmãos a chance de que sejam adotados juntos é bastante pequena. Dos adotantes, apenas 36,6% aceitam dois irmãos e apenas 2,2% deles receberiam uma quantidade de crianças acima disso.
Outro fator também apontado é a questão da saúde, pois 93,4% dos cadastrados não aceitam crianças que tenham doenças infecto-contagiosas, 93% não as aceitam se tiverem deficiência e 57,5% se tiverem qualquer outro problema de saúde.
Sendo assim o perfil mais “disputado” pelos adotantes é o de bebês e crianças pequenas, até 4 anos, do sexo feminino, cor branca e sem nenhum tipo de doença ou deficiência física ou mental e que, preferencialmente, não pertença a nenhum grupo de irmãos.
Por conta dessas características exigidas a situação se inverte, pois há um número bem menor de crianças que se encaixam nesses padrões em relação aos número de cadastrados que fazem essas exigências. Assim, a maioria dos meninos e meninas acima dos 10 anos, possuem doenças ou problemas físicos ou fazem parte de um grupo de irmãos são candidatos preteridos na hora da adoção.
Caso as pessoas que querem adotar um filho ou filha não relatassem tantas exigências em relação à idade, sexo, cor e saúde, provavelmente as casas de apoio e abrigo não estariam tão cheias como agora. Adotar é um ato individual que deve partir do coração daqueles que sentem vontade de acolher uma criança, porém seria muito bom se as pessoas não idealizassem tanto as crianças que querem receber em suas vidas.
PROCEDIMENTOS PARA ADOÇÃO
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o processo de adoção é gratuito e deve ser iniciado através da Vara de Infância e Juventude. Para adotar, os interessados devem ter a idade mínina de dezoito, respeitando a diferença de 16 anos entre quem deseja adotar e a criança a ser adotada.
As exigências legais para constituição de uma família adotiva são:
1 – Entrega de documentação exigida no Fórum ou a Vara da Infância e da Juventude da sua cidade ou região: Cópias autenticadas da Certidão de nascimento ou casamento, ou declaração relativa ao período de união estável; Cópias da Cédula de identidade e da Inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF); Comprovante de renda e de residência; Atestados de sanidade física e mental; Certidão negativa de distribuição cível; Certidão de antecedentes criminais.
2 – Análise dos documentos pelo Ministério Público.
3 – Avaliação da equipe interprofissional: os postulantes à adoção serão avaliados por uma equipe técnica multidisciplinar do Poder Judiciário com o objetivo de verificar qual a sua realidade sociofamiliar, importante na hora de considerar se a pessoa poderá receber a criança ou adolescente na condição de filho.
4 – Participação em programa de preparação para adoção: requisito legal previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente para quem deseja se habilitar ao cadastro de adoção. o Programa tem o intuito de preparar e fornecer conhecimento aos adotantes sobre as etapas e dificuldades que poderão encontrar.
5 – Análise do requerimento pela autoridade judiciária: A partir do estudo psicossocial, da certificação de participação em programa de preparação para adoção e do parecer do Ministério Público, o juiz proferirá sua decisão, deferindo ou não o pedido de habilitação à adoção.
6 – Ingresso no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento
7 – Aproximação: é feita a busca de uma família para uma criança/adolescente cujo perfil corresponda ao definido pelo postulante, respeitando-se a ordem de classificação no cadastro. Durante esse estágio de convivência, monitorado pela Justiça e pela equipe técnica, são permitidos visitas ao abrigo e passeios.
8 – Construção da relação: a criança ou o adolescente passa a morar com a família, sendo acompanhados e orientados pela equipe técnica do Poder Judiciário. Esse período tem prazo máximo de 90 dias, prorrogável por igual período.
9 – Adoção: a partir do dia seguinte à data do término do estágio de convivência, aqueles que se sentirem aptos a adoção terão 15 dias para propor a ação. Caberá ao juiz verificar as condições de adaptação e, caso forem favoráveis, o magistrado profere a sentença de adoção e determina a confecção do novo registro de nascimento, já com o sobrenome da nova família.
RG 15 / O Impacto