Artigo – Abuso e pobreza provocam aumento de casamentos infantis no Brasil
Por Thays Cunha
Quando pensamos no tema “casamento infantil” ficamos horrorizados e provavelmente logo imaginamos que essas pequenas noivas, que se casam antes mesmo de largar as bonecas, pertencem a algum país distante do oriente ou que são filhas de alguma tribo longínqua em algum lugar difícil de alcançar. Ledo engano, pois essa é uma realidade que, acredite, faz parte do nosso dia a dia, fazendo o Brasil ocupar o 4º lugar no ranking mundial em número de casamentos infantis, sendo as meninas as maiores afetadas por essa triste estatística.
A ONU define o casamento infantil como “uma união formal ou informal antes dos 18 anos”. Essa é uma idade em que a criança ou adolescente deve se preocupar somente em brincar ou estudar, no entanto milhares de meninas pelo país acabam trocando a escola pelo casamento. De acordo com um relatório produzido pelo Banco Mundial em 2018, 554 mil meninas de 10 a 17 anos no Brasil, sendo mais de 65 mil delas com idade entre 10 e 14 anos, estavam casadas, ou seja, viviam maritalmente com um homem, geralmente mais velho e às vezes até com o dobro da idade de suas companheiras.
Porém, quais os motivos que levam meninas tão jovens a procurarem esse tipo de vida? As motivações são várias, mas a maioria delas esbarra em questões como abuso, pobreza e preconceito.
Como algumas dessas crianças vivem em situação de muita pobreza, compartilhando uma casa com inúmeros parentes, irmãos, etc., elas acabam vendo o casamento como uma maneira de abandonar a miséria, pois acreditam que terão uma vida melhor ao lado de um parceiro que possa retirá-las daquele meio. É uma forma então de fugir da realidade social em que encontram. E quando pensamos no porquê desses pais concordarem em entregar meninas tão jovens, ainda em formação, para o matrimônio, a justificativa para essa permissão é a mesma: ao se verem tendo que cuidar de vários filhos, a saída de um membro da família acaba sendo vista como um alívio, uma vez que isso significará uma pessoa a menos para alimentar e cuidar.
Outro ponto percebido é a questão da perda da virgindade ou gravidez. Mesmo no século XXI muitos pais ainda veem acontecimentos como esses como desonrosos e se preocupam em como isso afetará a imagem de suas filhas. Desse modo, algumas delas são obrigadas a se casar para “reparar o dano” causado pelos seus atos ou então para “recuperar a honra” da família que não quer lidar com a sua sexualidade ou gravidez. Há também os casos em que a menina vive cercada de violência doméstica e então busca sair de casa o mais cedo possível por não aguentar mais passar por esse tipo de sofrimento.
Em tese essas uniões entre uma menina menor de idade e um homem mais velho não deveriam acontecer, uma vez que se configura como estupro de vulnerável a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, não importando o fato de a vítima consentir com o ato, com pena definida de 8 a 15 anos de prisão. Além disso, o projeto de Lei n° 56, de 2018, proíbe, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade de 16 anos. No entanto são poucos os casos em que vemos algum tipo de intervenção por parte dos órgãos de proteção à mulher, à criança e ao adolescente em relação aos casamentos infantis no Brasil.
Embora utilizemos o termo casamento, no país predominam as uniões informais, sem cerimônias civis ou de cunho religioso, o que torna o problema invisível às autoridades, já que não há registros formais. Outro fato que ajuda a esconder esses casos se dá por conta de a maioria dessas uniões acontecerem em áreas rurais ou em locais com famílias em situação de vulnerabilidade econômica. Assim, essas uniões ilegais continuam acontecendo pelo Brasil inteiro e isso traz inúmeros prejuízos para a vida dessas jovens, para a sociedade e até para a economia.
Ao se casarem essas meninas têm que lidar com muitas responsabilidades para as quais não estão preparadas, como, por exemplo, cuidar sozinha de uma casa e dos filhos. Muitas delas também abandonam a escola e com isso perdem a chance de ter uma formação e uma profissão, tendo que depender exclusivamente de seu cônjuge. Porém essa dependência econômica do parceiro as deixa vulneráveis a outros problemas como violência física, psicológica e sexual.
Segundo o estudo do banco Mundial denominado “Fechando a Brecha: Melhorando as Leis de Proteção à Mulher contra a Violência”, “quando submetidas a uniões consensuais estáveis, uniões civis e/ou religiosas na adolescência, aumenta-se o risco de infecções sexualmente transmissíveis, incluindo o HIV; violência; assédio e estupro; gravidez indesejada; abortos em condições inseguras; morte materna; e o risco de uma adolescente com menos de 15 anos morrer de causas relacionadas à gravidez é até 3 vezes maior do que em mulheres com mais de 20 anos. O estudo também destaca que “o casamento infantil responde por 30% da evasão escolar feminina no ensino secundário no mundo e faz com que as meninas estejam sujeitas a ter menor renda quando adultas. Também as coloca em maior risco de sofrer violência doméstica, estupro marital e mortalidade materna e infantil”. Além disso, “caso as adolescentes retardassem sua gravidez até 20 anos e mais, o Brasil acrescentaria ao seu PIB cerca de R$ 7 bilhões”.
Como combater o casamento infantil
Muitas coisas precisam ser feitas para acabar com o casamento infantil, principalmente no que tange a melhorar a questão das desigualdades sociais para que essas crianças tenham melhores oportunidades de vida e assim não sejam obrigadas a se unirem a alguém antes que possam estudar, crescer livremente e se desenvolver com plenitude. É necessário também assegurar a igualdade de gênero e fomentar os direitos das mulheres fazendo com o que a legislação atue de forma mais dura com aqueles que por ventura violarem esses direitos.
Outro estudo também realizado pelo banco Mundial, intitulado “Casamento na Infância e Adolescência: a Educação das Meninas e a Legislação Brasileira”, diz que “o melhor caminho para eliminar o casamento na infância e adolescência e a gravidez precoce é, provavelmente, mantendo as adolescentes na escola […]. Essas crianças e adolescentes também precisam receber informações que as faça reconhecerem seus direitos, além de aprenderem o autocuidado, recebendo informações sobre saúde sexual, reprodução e formas de evitar a gravidez precoce e problemas como doenças sexualmente transmissíveis. Mas, principalmente, o governo deve realizar investimentos e a aplicação de políticas públicas para que não precisemos mais ver nossas meninas trocando sua infância e ingenuidade pela crença de que somente o casamento poderá dar a elas uma vida melhor”.
RG 15 / O Impacto