O desinteresse da indústria em desenvolver medicamentos para tratar doenças que atingem mais pobres
Por Thays Cunha
Desde o começo da pandemia ocasionada pelo novo coronavírus a humanidade se viu sonhando com uma ou mais vacinas capazes de amenizar ou até mesmo eliminar completamente os casos de infecção. Assim, através de esforço conjunto e muito trabalho, um ano após o início dos casos os primeiros imunizantes já começavam a ser testados e posteriormente distribuídos.
Situações como essa mostram que a indústria, quando interessada e bem articulada, consegue desenvolver medicamentos necessários para tratar um mal em tempo hábil. No entanto, apesar de todos os esforços em prol da saúde das pessoas, a indústria farmacêutica não deixa de ser um mercado, e desse modo frequentemente opta por dar importância somente para as doenças cujos remédios para tratamento, diagnóstico e combate possam gerar lucros significativos.
DOENÇAS ESQUECIDAS
Isso significa que existem muitas doenças que são esquecidas, uma vez que são males que atingem principalmente a população mais pobre e que fazem parte geralmente de continentes como a África, Ásia e América Latina, locais onde há bolsões nos quais o “progresso” ainda não chegou. Com isso os seus moradores vivem em residências precárias e sem acesso a água potável e ao saneamento básico, o que aumenta as chances de contaminação e contribui para a proliferação desenfreada de insetos vetores.
A maioria dessas doenças são chamadas de Doenças Tropicais Negligenciadas (DTN) por serem um conjunto de doenças em que a grande maioria dos casos ocorre em países subdesenvolvidos e com clima tropical e que, apesar de muitas vezes serem moléstias aparentemente simples de serem tratadas, são responsáveis por problemas que podem até levar à morte.
Algumas pessoas podem até imaginar que são doenças que fazem parte de um passado distante, uma vez que em locais com boas condições de vida e higiene elas foram até mesmo erradicadas. Sendo assim quase não há pesquisas científicas e políticas públicas voltadas para a sua resolução, mesmo que em alguns casos não sejam necessárias medidas de alta complexidade. De acordo com dados publicados pela revista científica The Lancet em 2013, nos últimos anos “apenas quatro em cada cem novos medicamentos produzidos foram dedicados a doenças que atingem principalmente populações em países tropicais de baixa renda”.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), há 17 doenças tropicais negligenciadas, que atingem cerca de um bilhão de pessoas. As mais conhecidas são: dengue, doença de Chagas, hanseníase, leishmaniose, esquistossomose, malária, tuberculose, raiva e teníase. São doenças propagadas/ocasionadas por vermes, parasitas e insetos.
DOENÇAS E POBREZA
Essas são mazelas que fazem parte do cotidiano principalmente dos que vivem em áreas rurais afastadas ou locais urbanos aglomerados e sem saneamento básico. Além de trazerem consequências à saúde essas doenças também contribuem para o aumento da pobreza, pois causam déficit no desenvolvimento de crianças, impedem adultos de trabalhar e com isso impactam a produtividade.
Como bem exemplifica o Primeiro Relatório da OMS Sobre Doenças Tropicais Negligenciadas, “uma vez que só constituem ameaça em contextos empobrecidos, têm pouca visibilidade no resto do mundo. Apesar de serem muito temidas pelas populações afetadas, são pouco conhecidas e mal compreendidas em outros locais. Embora haja enorme necessidade de prevenção e tratamento, a pobreza dos que são afetados limita seu acesso à intervenções e aos serviços necessários para realizá-las. Da mesma forma, doenças associadas à pobreza oferecem pouco incentivo à indústria para investimentos no desenvolvimento de produtos novos e melhores para um mercado que não pode pagar por eles”.
Assim sendo, mesmo que sejam doenças comuns podemos perceber que há poucos esforços para o combate e até mesmo a prevenção. Isso significa que não vemos uma força tarefa preocupada em criar vacinas e remédios para os afetados, que não possuem poder aquisitivo o suficiente para serem vistos como “clientes em potencial”.
POSSÍVEIS SOLUÇÕES
Parte dessa culpa recai em nossos governos, pois é notável a falta de interesse das autoridades em fomentar pesquisas e adquirir medicamentos para distribuição. Para a OMS, essas doenças são chamadas silenciosas pelo fato de “as pessoas afetadas ou em risco terem pouca voz política, ocupando lugar secundário nas agendas nacionais e internacionais de saúde”.
Por vezes, as soluções são tão simples que nem envolvem a indústria farmacêutica. Um dos exemplos é a questão da água tratada. Somente o oferecimento desse serviço já seria suficiente para evitar problemas relacionados a verminoses. Limpeza de vias e conscientização da população através de medidas de prevenção também diminuiriam casos de doenças causadas por mosquitos e outros vetores. Além disso, a própria preservação do meio ambiente evitaria o maior contado do homem com os ambientes selvagens, propícios à propagação de doenças como a malária.
“A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda cinco estratégias de saúde pública para a prevenção e o controle das DTN: medicação preventiva; intensificação da gestão de casos; controle de vetores; provimento de água limpa, saneamento e higiene; e saúde pública animal – isso é, aplicação da ciência veterinária para garantir a saúde e o bem-estar de seres humanos. Embora uma abordagem possa predominar no controle de uma doença específica ou de um grupo de doenças, as evidências sugerem que são melhores os resultados no controle quando as cinco abordagens são associadas e aplicadas localmente”.
No momento, este cenário tem sofrido alguma mudança graças a entidades filantrópicas e algumas instituições públicas empenhadas em auxiliar a população acometida por todos esses males, no entanto ainda precisamos de muito mais. É importante frisar que sem investimento no tratamento e prevenção das Doenças Negligenciadas o país não tem como se desenvolver em sua plenitude. Além do mais, é mais barato prevenir e tratar os males, pois os gastos com o sistema público de saúde após um indivíduo adquirir as doenças é bem maior. E em um momento como esse, de pandemia causada pelo novo coronavírus, é ainda mais importante evitar que pessoas adoeçam por conta de fatores que poderia ser solucionados com recursos simples.
Seria interessante se a indústrias farmacêuticas pudessem ter um olhar mais humano e não vissem as doenças e seus possíveis tratamentos apenas como um negócio. Mas para isso os governos precisam entrar em ação com táticas de auxílio e desenvolvimento desses setores, visando o bem estar e o cuidado com a sua população. Segundo ao OMS, “é necessário desenvolver uma estratégia de pesquisa para o desenvolvimento e a implementação de novos medicamentos, particularmente para leishmaniose e tripanossomíase; novos métodos de controle de vetores; vacinas para a dengue; e novos diagnósticos que sejam acessíveis para todos que precisem deles”. Infelizmente as doenças e epidemias fazem parte da história humana, contudo é de suma importância melhorarmos a forma como lidamos com esses problemas, enxergando não só a existência dessas doenças como também a pessoas por detrás dos males que elas ocasionam.
RG 15 / O Impacto