Tombamento de cargas na Transamazônica e Santarém-Cuiabá oculta esquema milionário
Por Diene Moura
A região amazônica possui uma infinidade de atrativos, desde a biodiversidade para o desenvolvimento do turismo até condições para o investimento no setor do agronegócio, e consequentemente, o impulsionamento na economia do país.
No entanto, o mercado lucrativo atuante principalmente na estrada que liga o trecho de Moraes de Almeida ao distrito de Bela Vista do Caracol no Oeste do Pará, advém de uma prática delituosa que alimenta um esquema milionário perpetuado durante anos.
O que para muitos turistas, aventureiros ou até outros motoristas do mesmo segmento, parece uma cena ‘comum’, avistar uma carreta tombada na rodovia, não imagina o que há por trás do suposto acidente de trânsito. Segundo apurado pelo Jornal O Impacto, o tombamento premeditado de cargas faz parte de uma pirâmide do crime, a qual possui uma hierarquia de funções muito bem definidas, que inicia no motorista do caminhão simulando um sinistro na estrada, o catador de grãos, os empresários, sojeiros e até a possível participação de policiais militares.
Segundo fontes ouvidas pela reportagem, que solicitaram o anonimato para não sofrerem represálias, o esquema inicia quando o caminhão tomba, consequentemente a carga derrama na pista. Logo, os saqueadores obtém informações sobre o sinistro através de rádio. Na ocasião, se deslocam em carros, caminhonetes e até caminhão para catar os grãos e revender. Porém, aquela carga adquirida de forma ilícita não é para uso próprio, mas é comercializada ilegalmente para outros empresários e eles se desempenham para vender o produto à preço de bolsa de valores. Dependendo do mercado financeiro, vendem esta carga para outros empresários do mesmo segmento.
Conforme investigação do setor de jornalismo, as práticas criminosas teriam impulsionado a criação de uma empresa instalada em Castelo dos Sonhos, da qual integram, políticos, polícia e empresários. Há ainda a participação dos próprios motoristas que provocam o tombamento, às vezes dá errado e acabam sofrendo escoriações, mas é onde tudo começa. Primeiro com o motorista, depois os catadores que pegam, escondem e repassam para os empresários e eles comercializam para o Mato Grosso.
O ESQUEMA MILIONÁRIO
O esquema milionário é articulado a partir do tombamento do caminhão. O montante arrecadado em apenas um sinistro, resulta em aproximadamente 300 sacas de grãos, a qual são vendidas por R$ 60,00 cada, equivalente a um valor total de 18 mil reais. O prejuízo estimado por ano é avaliado em 6 milhões de reais. O dinheiro “sujo” e o produto furtado já tem um destino planejado: os empresários que negociam com sojeiros, e posteriormente comercializam este produto ilícito para o Mato Grosso (MT).
Informações dão conta que a hierarquia criminosa inicia pelo menor, o catador. Sua função principal é vender cada saca por 60 reais. Desse valor, 10 reais seria para pagar a polícia, tal pagamento posteriormente é prestado conta por militares, pois a revenda para o empresário maior seria de conhecimentos dos PM’s, que avaliam a margem de lucro novamente. A participação de servidores da polícia militar tem o objetivo de facilitar e obter ganhos através da comercialização ilegal.
Durante o tombamento, um grupo de catadores já fica à espreita para saquear aquela carga. Vídeos enviados à nossa redação mostram o exato momento em que um caminhão está ao solo e várias pessoas se unem para furtar os grãos. Nas imagens registradas no dia 30 de março de 2022, às 13h50, é possível constatar que um segurança tenta intervir na ação, mas é confrontado pelos catadores que alegam “atira, atira, vamos roubar e vender aí no Santa Júlia. Pode atirar. Vocês estão roubando de nós, assaltando, porque de armado bem aí” e continuam “ Eu tenho prova e vou vender no Santa Júlia”.
Um dos catadores ao ouvir dos seguranças que era para continuar filmando, gerou ainda mais indignação: “Pode filmar, enfia no teu c*”. O confronto entre os catadores e seguranças prossegue com ânimos exaltados: “Me respeita que eu não tô te desrespeitando”, falou um segurança.
Um outro indivíduo de estatura mediana, trajando uma blusa branca, com uma calça preta, retorna gritando: “Se eu puxar, eu atiro! Respeita porquê? Você pode ser Sargento, Coronel entendeu, mas você é ex! Eu já fui militar também. Eu era ex, ex não é atual! Pega aqui para vender no Santa Júlia, bem aí”. No tumulto, outro menciona: “essa carga é assegurada, isso aqui é tudo nosso!” e prosseguem “deixa a gente levar, a carga já ta assegurada mesmo, pode atirar, quero ver!”. E assim segue a confusão no meio da BR com outros argumentando: “Quem pegou, pegou” e antes de finalizar, outra pessoa enraivada tenta impedir a gravação: “Para de filmar. Já te avisei, não vou avisar de novo”, finaliza o vídeo.
Quase um mês depois, um boletim de ocorrência foi registrado no dia 25 de abril no município de Trairão, onde o denunciante relata que no dia anterior por volta das 15h, o homem identificado como Nildo Pereira dos Santos, 43 anos, foi flagrado furtando soja de uma carreta que se envolveu em um suposto acidente de trânsito no KM 450 da BR-163. O relator da denúncia, alega que o suspeito foi flagrado furtando a carga da empresa COFCO Internacional Brasil S.A. e o envolvido de nome, Wanderley Campos Almeida saiu com a materialidade do furto ao norte da cidade de Ubiratã, situado no Mato Grosso com destino a Miritituba, no Pará.
Nildo foi preso em flagrante na noite de 25 de abril, horas depois da denúncia na delegacia de Trairão. O suspeito estava transportando 1 tonelada de soja furtada em um caminhão Mercedes Benz, da cor branca. Durante depoimento na delegacia, Nildo confessou a autoria do furto e recebeu voz de prisão, outros envolvidos naquela ocasião, conseguiram fugir levando outra parte da carga.
O esquema de furtos na BR, as proximidades dos dois distritos vem se transformando em um mercado promissor. Relatos realizado à reportagem, suspeita-se que uma pessoa montou uma empresa em Castelos dos Sonhos apenas para comprar cargas de grãos e fertilizantes furtadas de tombamento. A empresa possui nome, registro, além de uma carreta com estufa onde se deslocam para comprar material furtado na estrada e revender para o Mato Grosso. A prática da organização criminosa revela impressiona pela naturalidade que os criminosos agem, conforme apurado pela nossa reportagem, os envolvidos pagam o furto via pix, deixando rastros e sem se preocuparem em serem pegos.
Obtivemos um comprovante de pagamento via PIX realizada no dia 28 de fevereiro de 2022, a qual foi transferido para uma determinada conta, o valor de R$ 13.670. O empresário que adquire livremente o produto de furto construiu um galpão só para depositar o que foi roubado. O apontado como percurso da prática criminosa é natural do Mato Grosso, mas achou viável instalar um pátio para arrecadar os grãos oriundos do crime, em Castelos dos Sonhos. A ação está gerando uma fortuna, enricando só comprando furto, pois articula a compra pelo preço menor e revende em alto valor para a sua região.
DENÚNCIA NO MPF
O crime que afeta e ameaça as transportadoras já virou Notícia de Fato no Ministério Público Federal (MPF). O despacho n° 129/2022 indeferiu a instauração da N.F no dia 26 de janeiro de 2022, solicitada por uma empresa responsável pelo serviço de resgate de cargas. O despacho que a reportagem do jornal O Impacto teve acesso, menciona a possível prática delituosa de uma organização criminosa que atua no furto de cargas sinistradas carregadas com toneladas de grãos (soja, milho e fertilizantes) nos perímetros da BR-163 e 230, no Pará.
O documento do MPF destaca que no ano de 2021 foi registrado o furto de 80 cargas somando um prejuízo total de R$ 6.000.000,00 (Sei Milhões de Reais), autoridades locais foram cientificadas e nada de efetivo foi realizado para findar o suposto delito. Acrescenta ainda, o pedido para investigação. “Diante dessa realidade perturbadora esta empresa responsável pelo serviço de resgate de cargas nos perímetros supracitados em conciliação com o representante das reguladoras e transportadoras responsáveis pelas cargas sinistradas na área em questão solicitamos, SMJ, a abertura de investigação sobre o referido fato”, cita.
O indeferimento ocorreu por entendimento do MPF que “as informações iniciais não evidenciam lesão a bem, serviços ou interesses da união ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, conforme exige o artigo 109,inciso IV e V da Constituição Federal”. O MPF através do Procurador da República, Ricardo Tarso, relata ainda que levou ao conhecimento da polícia civil local tais ocorrências e ressalta as notícias constantes na representação, a qual indicam possível ocorrência de crime contra o patrimônio em grande escala (furto de carga) perpetrado em face de veículos que transitavam em rodovia federal.
“Bem como possível necessidade de se efetivar o controle externo da atividade de polícia local no município de Itaituba/PA e Novo Progresso/PA, ante o relato de que, embora tenham sido registrados mais de 80 ocorrências de furto, não houve nenhuma medida apuração para responsabilizar os infratores e coibir a ocorrência de novos crimes. Ante o exposto e nos termos da Resolução nº 174/2017, art. 4º, §4º (§ 4º Será indeferida a instauração de Notícia de Fato quando o fato narrado não configurar lesão ou ameaça de lesão aos interesses ou direitos tutelados pelo Ministério Público ou for incompreensível. (Incluído pela Resolução nº 189, de 18 de junho de 2018) determino o indeferimento de instauração da presente NF”.
O MPF considerou por fim que o objeto da representação diz respeito a possível necessidade de controle da atividade policial e determinou remessa do documento para o Ministério Público Federal em Itaituba/PA, verificar as providências cabíveis.
O QUE DIZ A LEI?
O Código Penal especifica no art. 169, a proteção ao patrimônio. Portanto, a apropriação indevida caracteriza infração penal. A lei dispõe ainda que se a carga mesmo não estando assegurada, ainda assim, possuí dono, e caso seja cometido o ato delituoso, o infrator pode ser detido por um mês a um ano.
Por outro lado, a seguradora pode se manifestar com relação ao prejuízo causado pelo sinistro na estrada, mas até que seja averiguado esta questão, qualquer interferência pode imputar o crime de furto.
O Impacto