Justiça Federal de Santarém é acionada para proibir instalação ilegal de pousada em território indígena
O Ministério Público Federal (MPF) iniciou ação judicial contra a pousada Coração do Trombetas, no rio de mesmo nome, na região noroeste do Pará. De acordo com a investigação do MPF, a pousada funciona de maneira totalmente ilegal no interior da Terra Indígena Kaxuyana-Tunayana, sem consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas que vivem na região, sem autorização da Fundação Nacional do Índio (Funai) e sem licença do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama).
O MPF pediu à Justiça Federal em Santarém que proíba a empresa Cachoeira Porteira Fish Brasil Hotel, dona da pousada, de realizar qualquer atividade turística dentro do Território Wayamu – formado pelas terras indígenas Kaxuyana-Tunayana, Trombetas-Mapuera e Nhamundá-Mapuera – sem respeitar os protocolos de consulta dos povos que moram lá, sem receber autorização da Funai e licenciamento ambiental do Ibama.
O MPF lembra na ação judicial que, mesmo que sejam realizados todos os passos para legalização do empreendimento turístico, pelas normas brasileiras ele só pode ser administrado pelos próprios indígenas, nunca por empresários de fora das comunidades. A pousada Coração do Trombetas tem como sócios empresários de outros estados brasileiros. O pedido foi feito à Justiça Federal em caráter urgente, porque a alta temporada de pesca esportiva na região do Trombetas começa em agosto, no verão amazônico.
Fechamento
Em 2021, em recomendação conjunta com o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), o MPF já havia requisitado a suspensão das atividades de todas as pousadas construídas ilegalmente na região do Trombetas – tanto no território indígena quanto nos territórios quilombolas vizinhos. A recomendação foi enviada à Prefeitura e à Secretaria de Meio Ambiente de Oriximiná, município onde ficam as áreas protegidas. O pedido era para que todos os empreendimentos turísticos instalados sem licenciamento ambiental fossem fechados.
No entendimento do MPF e do MPPA, o licenciamento da atividade de pesca esportiva não deve ser feito pela modalidade simplificada, que dispensa estudos de impacto, pelo risco aos estoques pesqueiros que são essenciais à segurança alimentar das comunidades da bacia do Trombetas. Esse assunto continua sendo investigado quanto às demais pousadas da região. Mas no caso da pousada Coração do Trombetas, nem sequer o licenciamento simplificado foi obtido.
A prefeitura de Oriximiná recusou a licença justamente por se localizar no interior de terra indígena e ordenou o fechamento imediato. O MPF reforçou a ordem em ofício. Mesmo assim, em fevereiro, a empresa vendeu cotas para um novo sócio que, em reunião, disse que precisaria de cinco anos para recuperar o investimento feito na compra da sociedade. Para o MPF, a postura do sócio é “ilustrativa” do descaso da empresa com a legislação.
Riscos graves
Além de todas as ilegalidades no funcionamento da pousada, há riscos concretos já constatados pela investigação do MPF. Um deles foi denunciado pelas comunidades indígenas e confirmado em vistoria na pousada Coração do Trombetas em abril desse ano: as fossas dos oito chalés instalados ficam submersas no rio, poluindo a água muito próximo de cinco aldeias da terra indígena: Puhro Mïtï, Pewne Mïtï, Araçá, Kaxpakuru e Watxima. O risco nesse caso é de contaminação das águas utilizadas pelos moradores.
Outro risco grave é aos povos indígenas em isolamento de que há registro na bacia do Trombetas. São pelo menos cinco registros de grupos isolados – que recusam contato com a sociedade externa – que correm risco de desaparecer pela atividade e presença de pessoas não autorizadas no local. A informação foi confirmada pela Frente de Proteção Etnoambiental Cuminapanema, da Funai, que também pediu em ofício o fechamento da pousada Coração do Trombetas.
No ofício, a Frente Cuminapanema ainda informou que “é de conhecimento tanto dos povos indígenas da região quanto das autoridades competentes (…) que a atividade de turismo de pesca esportiva no rio Trombetas não fica restrita ao território quilombola, mas sistematicamente adentra a terra indígena Kaxuyana-Tunayana, tanto nos rios Trombetas como em seus tributários, rios Cachorro e Kaxpakuru. Em diversas ocasiões (…) os moradores das aldeias relataram a presença de turistas nas adjacências das aldeias, portanto, no interior das terras indígenas, situação que prosseguiu mesmo no contexto da pandemia de covid-19”.
O Impacto com informações MPF