Receitas alternativas criadas pelos sindicatos depois da reforma trabalhista

Por Marcela do Carmo Vilas Boas*

Antes da reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), o desconto decorrente da contribuição sindical compulsória em folha de pagamento (um dia de salário) pela empresa era obrigatório para todos os empregados sindicalizados ou não, sem direito a oposição. Feito o desconto, a empresa recolhia o valor total para o respectivo sindicato da categoria.

Com a reforma de 2017, as novas redações dos artigos 578 [1] e 582 [2] da CLT retiraram a obrigatoriedade do recolhimento da contribuição sindical pelos empregadores, passando o seu pagamento a ser faculdade do empregado. Ainda, para que a empresa realize o desconto na folha de pagamento, tornou-se necessária a prévia e expressa autorização do empregado.

O Supremo Tribunal Federal (STF), mediante edição de Súmula Vinculante nº 40 [3] e no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.018.459, de 23/2/2017, firmou tese com repercussão geral, no sentido em que “é inconstitucional a instituição, por acordo, convenção coletiva ou sentença normativa, de contribuições que se imponham compulsoriamente a empregados da categoria não sindicalizados”.

Diante desse entendimento, os recursos financeiros das entidades sindicais foram significativamente drenados, já que hoje contam apenas com contribuições dos seus filiados, que, na maior parte dos casos, constituem pequenas minorias nas categorias representadas [4].

Nesse cenário, alguns sindicatos passaram a apresentar cláusulas criativas para obter fontes alternativas de receitas, com as quais procuram superar a proibição de cobrar compulsoriamente contribuições dos não associados e, assim, angariar recursos para financiar suas atividades.

Hélio Zylberstajn [5], que examinou 24.768 instrumentos coletivos com início de vigência em 2019, depositados no mediador entre 31/1 e 27/11 do referido ano, analisou as categorias de cláusulas abaixo, demonstrando como têm sido apresentadas e o objetivo comum, que é a arrecadação de receita. Veja-se:

1) Benefício Social Familiar: Com esta cláusula a empresa compra serviços do sindicato. O pagamento é feito ao sindicato laboral e este repassa para a empresa operadora dos benefícios, retendo a sua comissão. Todos os trabalhadores representados recebem o pacote de benefícios que essa cláusula oferece. Ela se trata de uma contribuição sindical disfarçada, paga pela empresa para todos os seus empregados. Os instrumentos normativos com este arranjo incluem o mesmo pacote de benefícios, todos previstos em cláusulas específicas.

 2) Serviço do sindicato para todos: É uma cláusula similar à anterior, com a diferença de que não se trata de um pacote único. Em cada caso, a empresa compra do sindicato um único serviço que inclui um ou mais benefícios.  No entanto, a lógica é a mesma do Benefício Social Familiar, pois a empresa paga ao sindicato laboral e este repassa à empresa que opera os benefícios, retendo sua comissão. Também é uma contribuição sindical disfarçada, abrangendo todos os empregados representados.

 3) Serviço do sindicato exclusivo para filiados: É uma cláusula similar às anteriores, com a diferença no fato de que os benefícios são disponibilizados apenas para os filiados. Para evitá-lo, a empresa se vê obrigada a promover a sindicalização de seus empregados.

4) Condição mais favorável para filiados: Este tipo de cláusula não obriga a empresa a comprar serviços do sindicato, mas estabelece que algumas das normas pactuadas são diferentes para os dois grupos. Da mesma forma que a anterior, esta cláusula incentiva a empresa a promover a sindicalização.

5) Exclusividade para filiados: Semelhante à cláusula anterior, os não filiados deixam de ter direito a usufruir de algumas das normas pactuadas.

6) Perda de direitos dos não contribuintes: Esta cláusula exclui os não contribuintes de normas pactuadas.

A jurisprudência é divergente no que se refere à validade da cláusula normativa que garante benefício social. Há quem defenda que a cobrança é lícita, pois não se trata de contribuição assistencial destinada ao custeio do sistema sindical, mas sim de contribuição destinada exclusivamente aos empregados das empresas pertencentes à categoria profissional.

Por outro lado, existem posicionamentos no sentido de que a cláusula normativa que institui benefício social e seu custeio pelas empresas é inconstitucional, porque a parcela visa, em tese, o financiamento de benefícios assistenciais para os empregados de toda a categoria, sendo que essa imposição viola o princípio da livre associação sindical garantido pela Constituição Federal (CF) e muito se aproxima da criação de contribuição sindical compulsória, que não mais encontra respaldo no ordenamento jurídico.

Saliente-se que a contribuição assistencial não pode ser instituída por norma coletiva, obrigando empregados não filiados a arcar com tais valores, sendo tal matéria completamente pacífica na jurisprudência.

Em relação às categorias de cláusulas que disponibilizam os benefícios sociais apenas para os filiados; que estabelecem condições mais favoráveis ou exclusivas para filiados; e excluem os não contribuintes de normas pactuadas, elas colocam em confronto a liberdade individual do trabalhador de vinculação ou desvinculação ao sindicato profissional, sendo cláusulas passíveis de invalidade por flagrante inconstitucionalidade. Isso porque o modelo constitucional vigente de unicidade sindical (artigo 8º, II [6], da CF) torna compulsória a representação de todos os integrantes da categoria pelo único sindicato existente na respectiva base territorial (artigo 8º, III [7], da CF).

As regras estabelecidas em negociação coletiva são de incidência obrigatória à empresa e a todos os integrantes da categoria profissional representada pelo sindicato que formalizaram o instrumento normativo, pois a convenção coletiva e o acordo coletivo possuem força normativa.

Nesse sentido, para que as normas convencionais sejam aplicadas às relações individuais de trabalho, não é necessário que o empregado seja filiado ao sindicato que celebrou o acordo. Basta que o empregado seja integrante da respectiva categoria profissional para que surja o direito aos benefícios instituídos nas normas coletivas negociadas, já que assegura a livre associação profissional ou sindical, passando a contribuir voluntariamente com essa representação.

Ao lado disso, sem dúvida alguma, afastar dos empregados não filiados os direitos previstos na norma coletiva também demonstra clara inconstitucionalidade ao princípio da isonomia previsto no artigo 5°, I [8], da CF, pois significa conferir tratamento discriminatório a esses empregados em relação aos associados.

A instituição de regime diferenciado tem por intuito induzir e forçar a filiação compulsória dos trabalhadores, ultrajando a regra também constitucional da liberdade de filiação sindical, da qual decorre o ideal de que a conexão do trabalhador com o sindicato deve provir da lídima manifestação de vontade do integrante da categoria, que se incorpora à entidade pelo legítimo reconhecimento do seu compromisso com a base e com a sua função social, alicerces fundantes da legitimidade sindical.

Ou seja, a restrição de benefícios aos filiados ou contribuintes implementa uma política de segregação, que gera discriminação nas relações de trabalho, violando a igualdade de oportunidades aos membros da mesma categoria profissional.

Isto posto, o que se vê no momento pós-reforma trabalhista é a reinvenção dos sindicatos profissionais para a manutenção de suas estruturas e prestação de serviços, sendo que as vias de arrecadação de receita acima mencionadas demonstram a tentativa de instituição de contribuições travestidas de benefícios sociais e implementação de cláusulas que denotam flagrante tratamento desigual entre filiados e não filiados, medidas que ostentam flagrante inconstitucionalidade.


[1] Artigo 578. As contribuições devidas aos sindicatos pelos participantes das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas pelas referidas entidades serão, sob a denominação de contribuição sindical, pagas, recolhidas e aplicadas na forma estabelecida neste Capítulo, desde que prévia e expressamente autorizadas. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)

[2] Artigo 582. Os empregadores são obrigados a descontar da folha de pagamento de seus empregados relativa ao mês de março de cada ano a contribuição sindical dos empregados que autorizaram prévia e expressamente o seu recolhimento aos respectivos sindicatos. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)

[3] “A contribuição confederativa de que trata o artigo 8º, IV da constituição, só é exigível dos filiados ao sindicato respectivo”.

[4] De acordo com o IBGE, a taxa de sindicalização dos trabalhadores com Carteira de Trabalho em 2018 era de 16% (Pnad Contínua 2018/IBGE).

[6] II – é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;

[7] III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;

[8] Artigo 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.

Fonte: CONJUR

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