As esquecidas mulheres da história do Pará
A história das mulheres em 407 anos de existência do Estado do Pará e 523 anos de Brasil está sendo revista. O resgate feito gradativamente por cientistas de todo o Brasil põe luz e visibilidade em uma versatilidade já vista, lembrada e celebrada no cotidiano, mas esquecida pela história.
Além de gerar, criar e amparar, as mulheres também foram presença fundamental durante a revolução urbana e rural em solo paraense. Em entrevista, as pesquisadoras Carla Joelma Lopes e Eliana Ramos Ferreira compartilharam um pouco do levantamento feito sobre as mulheres de destaque na história do Pará, e que provavelmente você nunca ouviu falar. As pesquisadoras também apontam o que é preciso fazer para que essa dificuldade não exista no futuro, para que as mulheres que fazem história hoje tenham seu lugar garantido e preservado na história que está sendo escrita.
Ordem no quilombo
Carla Joelma, especialista e doutoranda em História Agrária da Amazônia pela Universidade Federal do Pará, destaca a figura de Felipa Maria Aranha, líder do histórico Quilombo do Mola, nas margens do igarapé Itapocu, no município de Cametá, como uma das precursoras de destaque do movimento dos quilombos.
Carla, que também é professora de história, geografia e estudos amazônicos em escolas da rede pública, apresenta aos estudantes o contraste entre os registros históricos e a realidade atual na região.
Após a morte de Felipa, Maria Luiza Piriá, atuou como sucessora da mãe nas posições de poder e gestão dos quilombos locais, assim como também deixou outra marca na história local: ser a criadora da dança do Bambaê do Rosário, expressão cultural que homenageia Nossa Senhora do Rosário, que acontece na Vila de Juaba, também em Cametá.
Os moradores remanescentes citam que o quilombo do Mola sobreviveu por mais de 300 anos sem ameaças legais efetivas, embora houvesse tentativas de silenciamento enfrentadas por mãe e filha.
União, estratégia e privilégios na Cabanagem
Quando falamos na Cabanagem, as primeiras lembranças clássicas são sobre os irmãos Antônio Vinagre, Francisco Vinagre e também de Félix Malcher. Porém, no feito histórico que envolveu diversas camadas da sociedade, o destaque feminino da articulação do movimento ficou resumido aos registros policiais. Mesmo assim, o olhar minucioso em dados da época revela um esquema estratégico onde escravas, trabalhadoras e donas de casa atuavam juntas usando o melhor que tinham a sua disposição como arma: suas influências e privilégios. Quem traz a luz para o esquema sofisticado é Eliana Ramos Ferreira, doutora em história pela Universidade Federal do Pará.
A pesquisadora cita que, em registros de setembro de 1839, o comandante militar de Monte Alegre, no Baixo Amazonas, menciona a prisão de Maria Lira Mulata, líder de um grupo de mulheres que percorriam as matas e rios. Eliana cita que se acredita que o grupo de mulheres era independente e atuava sem lideranças masculinas.
Em outro registro, são citadas Margarida de Jesus e Bárbara Prestes, viúva do 1º tenente da Armada, Alexandre Riyde. Bárbara é citada como viúva de um militar legalista “que subornou um guarda para facilitar a fuga de Francisco Vinagre”. Já Margarida é descrita como parte de uma família de cabanos. Nos registros policiais da época é mencionado que ela foi presa por “ser mais ferina que o marido e o filho”.
Articuladora do Araguaia
Carioca de nascimento, Elza Monnerat, figura marcante da Guerrilha do Araguaia, teve papel fundamental no Pará ao atuar como articuladora estratégica entre o sul do Pará e São Paulo. Historiadores citam que militantes tocavam suas roças e pequenos comércios enquanto faziam treinamentos militares de sobrevivência na floresta graças a Elza, única mulher dentre os seis militantes da “primeira geração” do PCdoB.
Deslocada para a região da guerrilha, ela voltava do sul do Pará quando soube do cerco militar. Além de ser uma das únicas sobreviventes da guerrilha, Elza, que foi presa em 1976 e libertada três anos depois, também organizou e liderou a busca pelos corpos dos seus companheiros após conseguir anistia.
Atualmente, é possível saber mais sobre a história de Elza, que faleceu em 2004, aos 90 anos, no livro Coração Vermelho: a vida de Elza Monnerat.
Como preservar a história das mulheres de hoje?
Joelma e Eliana citam que, embora o processo de dar notoriedade a uma pessoa nos dias atuais seja considerado relativamente mais simples – por conta da existência de diversas redes sociais e diversas formas de autopublicação – o papel histórico dos pesquisadores e dos professores para consolidar e revisitar os personagens das histórias documentadas é fundamental e constante.
A dupla cita que além da cautela com notícias falsas que podem ganhar fama e repercussão repentina, é necessário ter cuidado redobrado para não repetir os mesmos erros do passado e não “apagar da história” personagens presentes na luz da ação e revolução cotidianas.
Fonte: Portal Roma News