Artigo – Reflexões de um jovem envelhecido!

Por Edison Messias*

Parece-me neste momento oportuna uma síntese histórica e empírica de um pouco do muito que eu vivenciei, desde meu nascimento neste belo, rico e imenso País. Apresso-me a dizer que sempre acalentei e me esforcei por viver numa pátria diferente daquela, na qual tive consciência de minha existência, sob uma pobreza tremenda, que dominava toda nossa ambiência, típica do pós-guerra, sem que fôssemos teatro de guerra, exceto pelo torpedeamento de 35 navios, do que um cruzador, um catamarã e outra embarcação foram afundados, ressalva que se impõe pela morte brutal de 1.035 pessoas.

É chocante o atraso medonho daquela época, sobretudo, comparado aos avanços nos dias atuais, após o domínio do átomo, do bit e do gene, a partir dos quais vivenciamos uma revolução na biogenética e na informatização.

Não tínhamos televisão, só o rádio, em ondas médias e, precariamente, em ondas curtas, nem serviço de telefone, restrito a poucos usuários, em geral estabelecimentos comerciais, exclusivamente local e ausência total de interurbano, suprido a custo elevado pela Western, companhia inglesa.

As comunicações eram por via das cartas postais e telegramas. Enviávamos cartas às namoradas. O Saber obtínhamos pelas bibliotecas públicas e dos colégios. Nossos livros didáticos passavam de mão em mão, todos estudamos nas escolas públicas. Para acessar o secundário, hoje fundamental de 2º grau, havia um vestibular (exame de admissão). Submissos todos a um regime patriarcal, tipo castrense. Sabíamos jogar futebol, subir em árvores frondosas, lutas marciais. Correr! Mas, aquele marasmo ou um niilismo, tipo Nietzschiano, ninguém merece.

E na política? Barbaridade! Vargas, após 15 anos (salvo menos de 3 anos entre 34/-37) reinou como ditador.

Eu viria a conhecê-lo no período 50/54 e fomos chocados com seu suicídio. Testemunhei JK no Poder. Alavancou o País, mas pagamos um preço alto. Lembro bem da eleição, posse e renúncia de Jânio, um ato inconsequente, espécie de “tiro pela culatra,” porque ainda era época de golpes de Estado e ele queria governar sem Congresso.

Foi o fator determinante do advento daí a três anos dos governos militares, que puseram Jango para fora do país. Seguiram-se 24 anos de ditadura para vários segmentos e autoritarismo para outros. Porém, igual tempo sem uma Constituição democrática e nesse interregno (1969/1973) fui graduado em Direito, eu, vestibulando de engenharia, professor de matemática, ingressava no jurismo.

O que sobreviria, ninguém ou talvez alguns militares, poderia prever. A década de 80 foi literalmente perdida e por óbvio, pela herança advinda de governos passados e incapacitação dos sucessores. O 1º Governo 1985/1990 foi um fracasso total, agravado por planos econômicos mirabolantes e improfícuos, o 2º, abreviado pelo impeachment, nada acrescentou e até piorou, o mesmo ocorreu com o governo tampão, cujo único mérito foi o Plano Real, espécie de aperfeiçoamento daqueles anteriores malogrados. É que faltou naqueles a âncora cambial. E o germe da corruptocracia, preexistente à 1ª República, se disseminou de forma alarmante, sobretudo, no 1º governo petista com a deflagração do mensalão e posteriormente com os escândalos teratológicos, a reboque do petrolão, cuja apuração e responsabilização foram comprometidas por situações pejadas de desvios institucionais.

Neste passo, não posso deixar de registrar minha repulsa pela má utilização da delação premiada, com que foram aquinhoados todos os agentes da cúpula política e empresarial da macrocriminalidade, e não só essa instituição, recolhida “ad hoc da commom law”, mas igualmente, de um sortilégio de medidas pirotécnicas à sorrelfa, buscas e apreensões massivas, conduções coercitivas à socapa, ações controladas, tudo sob o neon midiático, espetaculoso, gravações clandestinas, coação de familiares, numa forma de subjugo estatal nunca antes visto, o que nos nossos arraiais advocatícios chamamos de direito penal do terror ou simbólico.

Passa-se à vulgaridade da encenação do falso beijo de Judas e suas 30 moedas ou “traição bonificada”, na feliz expressão cunhada por Cesar Roberto Bittencourt. E pensar que em virtude da busca pelo ideal da contenção da subversão da Ordem Social e do combate à Corrupção na Administração Pública, Lema do golpe (de 31.03.64),  eu só pude votar para presidente da República aos 46 anos!”

Pois é, agora vivo minha fase crepuscular, outonal, e já nem me toca a esperança de ver reescrita nossa História, sem esses entulhos devastadores e me pergunto: tudo isso foi normal? Será eterno? Não, acho improvável, mas é difícil reverter em razão de fatores multifatoriais, em que o primeiro óbice me parece a mudança da mente dos governantes, “mens sana in corpore sano”, colocar no modo saudável para que o corpo social todo transpire saúde e se não mudar, improvável será a mudança, continuando reinar o Império da corrupção, que o grande Rui versejou em “Oração aos moços”, em 1921. Um século depois, o mal persiste, e eu ainda posso dizer confiante que meu país dele se livrará.


*Dr. Edison Messias – Advogado e Juiz Federal aposentado

O Impacto

Um comentário em “Artigo – Reflexões de um jovem envelhecido!

  • 25 de abril de 2023 em 21:56
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    Maravilha de documentário! Muito nos lisonjeia termos um amigo tão conhecedor de nossa história. Parabéns, amigo e que Deus sempre te dê esse dom da palavra

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