Como a PF chegou ao indício de crime e prendeu diretor do Ciretran de Altamira
Após a decisão do magistrado da Comarca de Altamira, que converteu em preventiva a prisão do Diretor da Circunscrição Regional de Trânsito (Ciretran) de Altamira, Jhony Napoleão Rabelo Almeida, a defesa recorreu ao Tribunal de Justiça do Pará (TJPA), com pedido de Habeas Corpus. Até a publicação desta matéria, não havia uma decisão do desembargador relator do caso.
Na última sexta-feira (16) ele foi preso em flagrante por supostamente cobrar propina de um despachante de veículo. Com ele foram apreendidos R$ 980 e aparelho celular.
Na audiência de custódia, a defesa de Jhony argumentou pela nulidade do flagrante com o consequente relaxamento da prisão, requerendo a liberdade provisória sem fiança. Também a aplicação de Medidas Cautelares da Prisão como o afastamento do cargo.
Em seguida o Ministério Público, considerando a legalidade da prisão, solicitou a homologação do flagrante, bem como requereu o deferimento da representação da autoridade policial com a conversão da prisão em flagrante em preventiva.
A prisão ocorreu no âmbito da operação Jhonny Cash, deflagrada pela Polícia Federal (PF), com o objetivo de investigar um possível esquema criminoso no órgão do Detran, que atua nos municípios. A suspeita é de solicitação de vantagens indevidas para gerar boletos a despachantes.
O atual diretor teria reduzido o número de funcionários e dificultado processos em andamento para usar a situação em proveito próprio, sujeitando os despachantes a realizarem pagamentos indevidos. O dinheiro era entregue em espécie, diretamente para ele.
De acordo com a PF, 12 policiais federais, utilizando-se de técnicas de polícia judiciária e tecnologia avançada, participaram da operação. A apreensão do celular é para a extração de dados que ajudem a esclarecer como funcionava o esquema criminoso.
As vítimas foram intimadas a comparecer na delegacia de polícia para prestar esclarecimentos, e Jhony Napoleão Rabelo Almeida foi levado ao Complexo Penitenciário de Vitória do Xingu.
Ação controlada
A reportagem de O Impacto apurou os detalhes de como aconteceu o flagrante que resultou na prisão de Jhony Napoleão Rabelo Almeida. Inicialmente ele é acusado pela suposta prática do crime de corrupção passiva.
Diante da comunicação de possíveis irregularidades, a Polícia Federal planejou ação controlada para realização do flagrante.
No dia 16, às 13h50, a pretexto de operação de combate ao tráfico de drogas, agentes policiais abordaram um despachante para que apresentasse os itens que trazia consigo. Na abordagem foi observada determinada quantidade de dinheiro envolto em envelope de papel rosa.
Prevendo que as quantias verificadas possivelmente seriam destinadas ao suspeito, deslocaram-se ao Ciretran. Depois da saída do despachante da sala onde Jhony estava no órgão, a equipe policial o abordou e, após busca pessoal, encontrou quantidade de dinheiro condizente com as quantias verificadas anteriormente com o despachante na abordagem anterior, ocasião em que lhe foi dada a voz de prisão.
De acordo com os autos, uma das testemunhas afirmou, em síntese, que após a entrada de Jhony na direção do órgão de trânsito, houve a diminuição do número de emissão de boletos aos despachantes. Sendo que o diretor teria se reunido com os despachantes para exigir quantias entre R$ 250,00 a R$ 400,00 para liberação de boletos. Disse ainda que o pagamento era semanal.
Outra testemunha confirmou que após a entrada do diretor, houve a redução da emissão dos boletos e que tomou conhecimento, por terceiros, de que deveria entregar semanalmente quantia para liberação de valores.
Outras duas testemunhas afirmaram sobre a redução do número de boletos, mas disseram não ter conhecimento sobre a solicitação de quantia em dinheiro para liberação de boletos.
Depoimento de Jhony
Ainda conforme os autos, em seu depoimento, Jhony negou a prática de qualquer tipo de crime.
Alegou que as mudanças administrativas foram promovidas pela unidade Regional em Belém e que se reuniu com os despachantes para otimizar os trâmites administrativos, bem como as reuniões realizadas no órgão tinham cunho de atendimento às demandas de cota por vistoria.
Fez questão ressaltar que não exigiu qualquer contraprestação para emissão de boletos e que detinha quantidade de dinheiro físico em virtude das despesas do Ciretran, especialmente, água mineral. Continuou relatando que eventualmente recebe dinheiro de terceiros para pagamento de boletos, a fim de agilizar a transação por meio virtual.
Prisão preventiva
Ao decidir pela prisão preventiva de Jhony, o magistrado assim argumentou:
“[…] a prisão preventiva do indiciado no presente caso é a garantia da ordem pública, na necessidade de evitar a reiteração do cometimento de delitos e ante gravidade em concreto da conduta perpetrada. Em relação à possibilidade da prática do cometimento de novos delitos, verifica-se a existência de tal requisito, tendo em vista que o custodiado [Jhony] é diretor da Ciretran, de forma que, em razão do exercício de suas funções, dos relatos testemunhais carreados aos autos e provas constantes nos autos, estaria exercendo sua atividade de chefia para exigir de vantagem indevida de diversos profissionais despachantes para consecução de suas atividades, podendo voltar a delinquir”, expôs, ressaltando:
“Há aproximadamente 1 ano, de acordo com relato testemunha […] exerce a mesma função no órgão de trânsito, sendo temerário o recebimento dos valores, conforme verificado nos autos, para consecução do serviço público de notória necessidade da população. Além disso, a presente medida se funda na conveniência da instrução criminal e na aplicação da lei penal, tendo em vista que o Custodiado [Jhony] detêm grande influência política na presente comarca, na qual, inclusive, já exerceu mandato eletivo. Nesse sentido, colaciono precedente no âmbito do E. TJPA, acerca da manutenção da prisão preventiva em relação ao crime de corrupção passiva”.
Ao prosseguir em seu argumento, o magistrado, reiterou que “não existe possibilidade de aplicação de medida cautelar típica ou atípica diversa da prisão, pois se fosse imposta, seria inadequada e insuficiente, já que a consequência imediata seria a soltura do conduzido e, conforme demonstrado na fundamentação supra, estes não possuem condição de voltar ao convívio social nesta fase do procedimento sem acarretar abalo à ordem pública”.
Para o Juiz, resta comprovadas a materialidade dos crimes e indícios da autoria dos delitos indicados na investigação.
“A materialidade se comprova com os documentos integrantes do Auto de Prisão em flagrante, especialmente, a apreensão, no local de trabalho do Requerido, de quantia financeira no valor de R$ 980,00 (novecentos e oitenta reais) em valor condizente com o que havia sido anteriormente identificado no curso da ação controlada, inclusive com as mesmas notas de série das cédulas […]. Os indícios de autoria são comprovados, por sua vez, pelo depoimento do condutor e das testemunhas, assim como pela própria busca pessoal realizada, todos convergindo para o fato de que o Flagranteado [Jhony] cometeu a conduta prevista no tipo, consistente no recebimento de vantagem indevida, isto é, os valores financeiros para a emissão de boletos. Destaque-se que o condutor consignou expressamente que as quantias objeto de suposta propina estavam de posse do Requerido. Importa registrar a gravidade em concreto da conduta do autuado que de forma deliberada, ainda estava posse com quantia recebida na abordagem policial. Logo, é preciso a adoção da medida excepcional de segregação cautelar da liberdade do autuado, a fim de coibir a reiteração de condutas criminosas”.
Nota
Por meio de nota à imprensa, o Detran disse que “vem acompanhando o caso junto à Corregedoria Geral do órgão e que não apoia atitudes irregulares por parte de seus servidores”.
Renúncia
Nas últimas eleições municipais, Jhony Napoleão foi eleito vereador no município de Vitória do Xingu. Em outubro de 2020 renunciou ao cargo após tentar um pedido de licença para assumir o cargo de Chefe de Gabinete da Prefeitura. Conforme apurou O Impacto, em parecer, o jurídico da Câmara indeferiu o pedido, declarando “que não havia amparo legal na legislação municipal”.
Por Baía
O Impacto