Exclusivo: Inquérito apura indícios de irregularidades em contrato da Cosanpa
Um Inquérito Civil instaurado em 2020 pelo Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), por meio da Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa, apura possíveis irregularidades no Contrato nº 74/2019, firmado entre a Companhia de Saneamento do Estado do Pará (Cosanpa) e a empresa Bauminas Química Ltda.
O procedimento investiga a prestação de serviços por terceiros e aceitação de produto divergente do especificado em contrato, com potencial de prejuízo de quase 3 milhões de reais.
Para o fiscal da lei, caso confirmadas as irregularidades, estaria caracterizado o crime de fraude em licitação, provocando empobrecimento da empresa pública pelo pagamento de produto inferior ao preço do produto de maior valor qual fora contratado e pelo acréscimo de despesas com outros produtos no tratamento de água em consequência do uso do produto divergente. Além disso, a conduta caracteriza, em tese, ato de improbidade administrativa.
Em diligências inicias foi solicitada à Cosanpa que enviasse ao MPPA:
1) Cópia integral do Procedimento Licitatório;
2) Cópia integral do Contrato nº 74/2019 e seus aditivos;
3) Informações, comprovações e andamento da execução do contrato;
4) Manifestação quanto a denúncia apresentada; e
5) Outras informações e documentos relevantes ao caso.
Informações também foram solicitadas a Bauminas Química Ltda.
De posse das manifestações, o órgão ministerial encaminhou e solicitou ao Setor Técnico das Promotorias análise das documentações apresentadas.
Após conclusão da análise técnica, houve a necessidade de uma análise mais específica para verificar os reais impactos das matérias ferrosas na água. Então foi solicitado ao Núcleo de Engenharia Química a análise dos seguintes quesitos: Se os químicos POLISAL PREMIUM N 100 e PAC FLOC 180 possuem compostos ferrosos; se foi entregue produto diferente do pactuado no contrato, conforme mencionado na análise técnica; se a substituição do PAC FLOC 180 pelo POLISAL PREMIUM N 100, ocasiona danos e prejuízos maiores aos sistemas de abastecimento de água; se os valores comercializados POLISAL PREMIUM N 100 estão de acordo com o mercado do químico ou possui índice de sobre preço.
Prorrogação de prazo
De acordo com a promotora de justiça Sabrina Mamede Napoleão, devido o lapso temporal na conclusão da análise técnica solicitada, houve reiteração da solicitação, na qual foi retornada a informação da distribuição ao engenheiro químico José Orlando Sena do Rosário, o qual informou que a previsão de atendimento seria até 29 de junho de 2023.
Tal situação levou ao parquet, solicitar prorrogação de prazo, que será submetida ao Conselho Superior do MPPA e dará a palavra final sobre o prosseguimento ou arquivamento da investigação.
Indícios de irregularidades
A reportagem de O Impacto teve acesso exclusivo a documento elaborado pelo servidor da Cosanpa Edvaldo Augusto da Silva, onde ele questiona a efetivação do 2º Termo Aditivo ao contrato n° DO-074/2019.
No dia 30 de abril de 2021, o Engenheiro Haroldo Martins Ramos, da Unidade de Serviço Controle e Redução de Perdas (USRP) encaminhou o documento para Diretoria de Operações.
“Solicitamos especial atenção de V. Sa. ao assunto que consideramos de grande importância, pois retrata aparentes faltas graves que precisam ser apuradas”, ressaltou na ocasião Haroldo Martins.
O contrato alvo do MPPA é resultado de procedimento licitatório na modalidade Pregão Eletrônico, embasado pelo Termo de Referência que estabeleceu as diretrizes de contratação para a prestação de serviço contínuo de coagulação em água por aplicação de sal metálico coagulante líquido a base de Alumínio não ferroso destinado às estações de tratamento de águas superficiais.
A empresa Bauminas foi vencedora no procedimento licitatório apresentando sua proposta de preços do coagulante líquido à base de alumínio PAC 18 com 18% de alumina, de marca PACFLOC 180 de fabricação própria, a qual, após avaliação técnica, foi regularmente aceita, efetivando-se a contratação.
No decorrer da execução contratual, observou-se a irregularidade por divergência no produto utilizado como coagulante, quando a partir de junho de 2020 o produto PAC 18 (PACFLOC 180) foi substituído por Sulfato de Alumínio Ferroso polimerizado, mantendo-se dessa forma até a data do segundo termo aditivo, um período de 08 (oito) meses com medições periódicas da prestação de serviço.
A irregularidade foi comunicada à Diretoria de Operações da Cosanpa em 13 de agosto de 2020 e após 60 (sessenta) dias sem solução, o servidor protocolou representação junto ao Ministério Público Estadual, que instaurou inicialmente uma Notícia de Fato.
Em outubro de 2020, a empresa Bauminas apresentou à Cosanpa pedido para substituir o produto PACFLOC 180 por Sulfato de Alumínio isento de Ferro polimerizado.
“[…] a informação que obtivemos foi que o parecer do setor Jurídico da administração naquela ocasião foi desfavorável à substituição, entretanto em abril/2021 verificamos através do site desta Cosanpa a existência do segundo termo aditivo ao contrato nº 74/2019 substituindo o objeto do mesmo, o que motivou o presente questionamento com as argumentações que passamos a apresentar”, disse o Edvaldo Augusto da Silva.
Os questionamentos
Entre as questões apresentadas pelo servidor da Cosanpa, referente ao 2º termo aditivo, é o fato do mesmo ter objeto a substituição do produto químico utilizado no contrato, com a concessão do desconto de 5,91% sobre o valor do produto, não especificou qual produto passaria a ser utilizado.
Também que o fato de o setor jurídico da Cosanpa, em um segundo momento, ter sido favorável à substituição do produto, sugere que as notas emitidas por técnicos da APC/DO não teriam sido apreciadas e que o parecer foi embasado apenas em um relatório da USAG, que segundo ele, havia equívocos e distorção de fatos.
Conforme Edvaldo Augusto, a melhoria na qualidade da água produzida na ETA Bolonha, atribuída à substituição do produto erroneamente, quando os reais motivos para tal foram: a diminuição da vazão de produção e a operacionalização de 8 (oito) filtros e de 3 (três) decantadores, reformados pela obra de reforma da primeira etapa da estação.
Outro questionamento, considerado o mais grave de todos, é o fato do Aditivo Contratual, não mencionar que a substituição do produto representava o acréscimo da demanda por alcalinizante e consequente despesa estimada em R$2.930.378,70/ano (dois milhões novecentos e trinta mil e trezentos e setenta e oito reais e setenta centavos por ano) considerando apenas as ETAS de Belém.
“Não revelou que o produto POLISAL que estava sendo utilizado naquela oportunidade não correspondia ao pré-requisito do termo de referência quanto à variação de pH da água decantada em relação à água “in natura” e que o pH da água tratada não atendia ao padrão de qualidade estabelecido no contrato programa da concessão do serviço de abastecimento de água do Município de Belém. Não apurou ou ignorou que, para haver equiparação de consumo do POLISAL com o produto contratado PACFLOC, este estava sendo entregue fora das especificações conforme se comprova pelo relatório de análise abaixo o qual foi apresentado à diretoria de operações”, denunciou.
Atendidos apenas os interesses da contratada
[…] fica evidente que não existe ganho operacional e tão pouco econômico-financeiro para a Cosanpa que justifique a substituição do produto e que a ratificação dessa substituição através do 2° (segundo) termo aditivo ao contrato nº 74/2019, atende unicamente aos interesses da empresa Bauminas às custas do empobrecimento da Cosanpa”, assim constatou em sua análise, o servidor da Cosanpa, Edvaldo Augusto da Silva.
Para ele, além das implicações técnicas negativas, o preço do produto não foi recalculado da forma adequada, na qual se obteria uma redução de 55,2%, havendo apenas um desconto de 5,91% no valor contratado, equivalente a R$390.281,62/ano (trezentos e noventa mil e duzentos e oitenta e um reais e sessenta centavos por ano), é ínfimo perante o acréscimo de despesas com alcalinizante que a Cosanpa precisará assumir.
Ainda de acordo com servidor, se utilizando como base apenas no consumo para as Estações de Tratamento de Águas Superficiais (ETAS) de Bolonha, 5º setor e São Braz, localizadas na grande Belém, esse valor adicional a ser gasto alcalinizante pode chegar a quase 3 milhões de reais por ano.
Conforme o servidor, a falta de gestão efetiva do contrato nº 74/2019, permitiu que o mesmo fosse executado com irregularidade, caracterizada pela utilização do produto fora das especificações e consequente baixo rendimento/maior consumo, favorecendo a ‘alegação’ de que o consumo do produto sugerido como substituto era equivalente.
“Considerando que a utilização de coagulante é essencial aos processos de tratamento de água superficial da Cosanpa, independente das medidas que possam ser adotadas para apuração e responsabilização dos fatos aqui apresentados, é prudente e urgente que se inicie um procedimento licitatório para nova contratação da aplicação de coagulante, a partir de um termo de referência que contemple medidas protetivas que, aliadas a uma gestão efetiva do futuro contrato, auxiliem a coibir tais irregularidades”, conclui na época Edvaldo Augusto.
Por Baía
O Impacto