Indícios de irregularidades em gastos de quase R$ 7 milhões no Imetropará

Indícios de irregularidades envolvendo o repasse de R$ 6,9 milhões dos cofres públicos do estado do Pará para duas Organizações Sociais estão sendo apurados pelo Ministério Público do Estado do Pará (MPPA).

Além disso, o órgão ministerial verifica o possível desvio de finalidade de órgão fiscalizador, no caso, do Instituto de Metrologia do estado do Pará (Imetropará).

O que aconteceu

Após receber denúncia, o MPPA instaurou Inquérito Civil (IC) com a finalidade de apurar possíveis irregularidades nas contratações das pessoas jurídicas Associação Cultural do Pará (ACP) e Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Gestão (IBDG), pelo Imetropará.

Foram realizadas diligências, entre elas, o fiscal da lei solicitou que fossem encaminhadas documentações sobre os atos administrativos referentes aos casos.

No dia 23 de junho, o promotor de Justiça, José Godofredo Pires dos Santos, determinou que fossem encaminhados os autos à análise, onde deverá ser elaborada Nota Técnica.

Solicitou também que seja verificada junto à Junta Comercial do Estado do Pará (Jucepa), se a Associação Cultural do Pará e o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Gestão se encontram ativas.

A composição societária também será alvo de avaliação. Por fim, será analisado se há irregularidades no processo de contratação das entidades, observando a existência de direcionamento e superfaturamento, ou qualquer outra irregularidade presente na contratação.

Milhões liberados nos últimos meses de ano pré-eleitoral

Conforme apurou a reportagem de O Impacto, o desembolso milionário, nos últimos três meses do ano de 2021, chamou a atenção da Promotoria. Também o fato dos pagamentos terem consumido parte significativa do orçamento anual do Imetropará, cerca 42%. As quatro celebrações de Fomento foram solicitadas pelo Chefe da Casa Civil, na época, Iran Ataíde de Lima.

A Associação Cultural do Pará (ACP) recebeu um total de R$ 1,1 milhão, sendo referente a dois projetos. Um no valor de R$ 800 mil e outro de R$ 300 mil. Ambos oriundos de emendas parlamentares das deputadas estaduais Heloísa Guimarães e Diana Belo, respectivamente. Elas concorreram à reeleição em 2022, mas apenas Belo foi reeleita.

Os repasses maiores foram efetuados ao Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Gestão (IBDG).

Também referente a dois projetos, sendo um no valor de R$ 1,3 milhão e outro no valor de R$ 4,5 milhões, um desembolso total de 5,8 milhões. Nos processos, não fica claro se esses valores também seriam emendas parlamentares.

Os quatro projetos, que juntos custaram R$ 6,9 milhões aos contribuintes paraenses, possuem atividades idênticas, voltadas em sua maioria para realização de campanhas de orientação aos consumidores, com a elaboração, impressão e distribuição de cartilhas à população.

No entanto, as coincidências não param por aí. As duas instituições funcionam no mesmo local – em salas diferentes de um prédio comercial no bairro do Marco, em Belém -, e possuem o mesmo quadro de dirigentes, sendo eles: Widelton dos Santos Lopes (Presidente), Alvaro Aleixo Drago (Vice-Presidente), Keila Sirlene Barros de Oliveira (Conselheira Fiscal), Joseph Henrique Pinheiro Silva (Tesoureiro) e Douglas Tavares de Farias (Secretário).

Recursos para fiscalizar empresas

Em seu site na internet, o Imetropará diz ser “integrante da Rede Brasileira de Metrologia Legal e Qualidade (RBMLQ/Inmetro), o órgão presta importante serviço à sociedade paraense, através do acompanhamento e fiscalização de produtos e serviços”.

Tal missão parece estar alinhada ao que estabelece o órgão nacional, Inmetro, que diz “fortalecer as empresas nacionais, aumentando sua produtividade por meio da adoção de mecanismos destinados à melhoria da qualidade e da segurança de produtos e serviços”.

Assim, fica evidente o papel de fiscalização que o Imetropará deve exercer junto às empresas, para garantir que elas adotem com rigor o exigido na legislação, para fabricação de produtos e oferta de serviços.

No entanto, os R$ 1,1 milhão repassados à ACP e os R$ 5,8 milhões ao IBDG, mesmo com dotação orçamentária prevista para ações de “Fiscalização de Estabelecimentos Comerciais, de Produção e Serviços para Garantia dos Direitos do Consumidor”, foram utilizados, conforme os projetos, em campanhas diversas ao consumidor, desvirtuando do papel do Imetropará, que é fiscalizar empresas.

Os milhões para o IBDG

A reportagem de O Impacto teve acesso com exclusividade a documentos do Termo de Fomento, celebrado entre o Imetropará e Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Gestão (IBDG).

Com vigência inicial de 25/11/2021 a 24/05/2022, o plano de trabalho aprovado para a execução do projeto “Programa Consumidor Consciente”, que recebeu R$ 4,5 milhões dos cofres públicos tinha “como principal objetivo formar cidadãos conscientes e responsáveis”.

Foi estabelecido a “elaborar um conjunto de quarenta programas televisivos com entrevistas, reportagens e informação para a população paraense sobre os direitos e deveres do consumidor”.

Também a confecção de “um conjunto de seis modelos diferentes de cartilhas, e a distribuição por dez municípios do estado do Pará, operando na orientação do público sobre o tema e distribuindo as cartilhas para os consumidores paraenses”.

“Com parte integrante do projeto, faremos um circuito de nove apresentações de musicais e shows de artistas locais no ato de encerramento do projeto. A programação cultural do projeto será parte conclusiva desse projeto e acontecerá na cidade de Belém ou em outra cidade a ser definida posteriormente, dependendo do período e flexibilização da pandemia. Para encerramento do projeto, montaremos uma estrutura e faremos uma programação cultural somente com artistas paraenses. A programação de encerramento do projeto terá duração de três dias, e contará com até nove artistas diferentes. Todo o projeto será gravado e disponibilizado ao vivo de forma gratuita pelo canal do projeto no Youtube”, informou o IBDG no Plano de Trabalho.

Outras inconsistências

No caso da Associação Cultural do Pará (ACP), em consulta à Receita Federal, a reportagem apurou que a entidade tem como atividade econômica principal a “Produção Teatral”. Sendo estabelecida ainda, como secundárias, a produção musical, de espetáculos de dança, circenses, de marionetes, além da gestão de espaços para artes cênicas, espetáculos e outras atividades artísticas.

A situação é passível de questionamentos, pois nenhuma dessas atividades estavam previstas nos planos de trabalho apresentados ao Imetropará, nos quais a entidade recebeu mais de 1 milhão de reais.

Já no caso do IBDG chama atenção o fato da entidade ter recebido quase R$ 6 milhões, para executar atividades, que sequer são mencionadas em seu site institucional (https://www.institutoibdg.com.br/) e redes sociais, como no caso do canal no Youtube (@institutoibdg324). A situação é a mesma para a ACP.

Imetropará responde à Promotoria

Em março de 2022, a presidente do Imetropará, na época, Rafaela Barata Chaves, em resposta ao Promotor de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa de Belém, José Godofredo Pires dos Santos, prestou os seguintes esclarecimentos:

No âmbito da sua atividade institucional as alegações giram em torno da atividade primária do Imetropará a qual tem caráter fiscalizador. Entretanto, além da atividade primária, o órgão exerce a atividade de orientação ao consumidor para que garantam a segurança e qualidade dos produtos que venham adquirir.

 Além disso, a prática de orientação é realizada pelo Inmetro e outras extensões do mesmo pelo Brasil […]. Portanto, não há o que se falar em desvio de finalidade, tendo em vista que o projeto realizado foi voltado a uma das atividades meio do Órgão que é a orientação ao público consumidor.

Salienta-se ainda, o conceito de ação social, a qual compreende todas as práticas voluntárias desenvolvidas por empresas para atender a sociedade nas áreas de alimentação, saúde, assistência social, cultura e educação.

No caso em comento, falamos de parceria celebrada entre a Administração Direta do Estado e uma Organização da sociedade civil. A parceria é celebrada através de Termo de Fomento que representa o instrumento por meio do qual são formalizadas as parcerias estabelecidas pela administração pública com as OSC para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco propostas pelas Organizações da Sociedade Civil, que envolvam a transferência de recursos financeiros.

Como podemos observar trata-se de atividade de interesse público e recíproca entre as partes, o que descaracteriza o projeto como ação social. Essas entidades não prestam serviço público delegado pelo Estado, mas sim uma atividade privada de interesse público (serviços não exclusivos do Estado); exatamente por isso, são incentivadas pelo Poder Público.

A atuação estatal, no caso, é de fomento e não de prestação de serviço público. Trata-se, isto sim, de atividade privada de interesse público que o Estado resolveu incentivar, tendo o seu objeto em total compatibilidade com as atividades exercidas pelo Órgão celebrante.

Acerca das alegações quanto à ausência de sede física das instituições parceiras, em outras palavras, da existência de uma “empresa fantasma” celebrando parcerias com o Imetropará, a equipe de fiscalização responsável pelos processos fotografou as fachadas de ambas as instituições comprovando a existência e funcionamento das mesmas. Ocorre que, ambas se localizam no mesmo prédio comercial, entretanto em salas diferentes (sala 302 – terceiro andar e 103 – primeiro andar).

Vale ainda ressaltar que o processo administrativo que trata acerca da formalização das parcerias contém todos os elementos necessários à lisura do procedimento. Todos os atos foram devidamente publicados em Imprensa Oficial em cumprimento com a legislação vigente e princípio da publicidade, e a entidade encontra-se dentro do prazo para apresentação da Prestação de Contas que posteriormente será enviada à Douta promotoria […].

Contraponto

 A reportagem não conseguiu contato com os citados, e mantém o espaço aberto às considerações.

Por Baía

O Impacto

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