Belterra pode ter que pagar R$ 680 mil por danos morais coletivos
Mais de meio milhão de reais. Esse é o valor que o município de Belterra poderá ter que pagar de indenização por danos morais coletivos.
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação com pedido de urgência para que o ente municipal regularize a situação das escolas indígenas da região.
O MPF quer que sejam feitas adequações estruturais nas unidades de ensino, para garantir uma educação especial, diferenciada e de qualidade aos povos indígenas, conforme a lei.
De acordo com fiscal da lei, o pagamento da indenização por danos morais coletivos será às comunidades das terras indígenas Bragança Marituba e Munduruku-Takuara, que sofrem com a precariedade das escolas. A ação visa evitar que se mantenha um quadro de incompatibilidade com os direitos dos povos originários.
A ação civil pública foi instaurada após o MPF se esforçar para resolver a situação a partir de tratativas extrajudiciais com o município paraense que, segundo o órgão, apresenta resistência injustificada em reconhecer e cadastrar as instituições localizadas nas TIs como escolas indígenas.
“A omissão em efetivar o direito à educação diferenciada e de qualidade às comunidades indígenas, na avaliação do órgão ministerial, tem o potencial de impedir o acesso a políticas públicas e recursos específicos, além de caracterizar política racista que induz à invisibilidade dos povos originários”, informou o MPF.
O parquet narra que, em abril de 2023, recomendou à Secretaria de Educação e à Prefeitura de Belterra que tomassem providências urgentes para o reconhecimento formal das escolas como educandários indígenas. O órgão destacou a necessidade de um ensino cultural com notório saber, direitos étnicos, territoriais e outros que fossem essenciais para a reafirmação da identidade dos povos. Ainda solicitou a participação ativa da comunidade indígena na gestão democrática das escolas, o oferecimento de condições de infraestrutura adequadas e o regular fornecimento de merenda e transporte escolar.
Porém, a recomendação não foi cumprida e a posterior proposta de termo de ajustamento de conduta (TAC) foi rejeitada.
“O oferecimento irregular do direito fundamental ao ensino escolar indígena agravou e agrava o quadro de desigualdade histórica e estrutural contra as populações indígenas da região, fato que, por seus efeitos, se traduz em racismo institucional. O MPF abriu amplo espaço para dialogar. Na contramão dessa abertura, o município optou pelo silêncio”, destacou o procurador da República Vítor Vieira, que está à frente do caso.
Múltiplas irregularidades
Ainda de acordo com a ação civil pública, a situação de sucateamento das três escolas das TIs Bragança Marituba e Munduruku-Takuara tem prejudicado as comunidades.
Disciplinas relacionadas à cultura e língua, que deveriam constar no currículo de ensino diferenciado – como Língua Materna e Saberes Indígenas – ou são ofertadas como optativas, ou sequer constam na grade curricular.
A ação também destaca a precariedade na participação das comunidades no processo de construção, formação e decisão sobre a educação escolar, o que contraria a diretriz prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“A falta de infraestrutura física é um dos pontos mais preocupantes. Na aldeia Marituba, os alunos frequentam as aulas em espaço improvisado, uma vez que o edifício onde funciona a escola corre risco de desmoronamento. Já em Bragança, rachaduras e problemas elétricos dificultam a permanência dos alunos no prédio. O transporte escolar disponibilizado após recomendação do MPF não presta serviço em todas as comunidades próximas, o que impede a participação de muitos alunos nas atividades escolares e contribui para a evasão escolar”, alerta o MPF.
Outras violações também estão relacionadas à prestação de serviço de internet incapaz de suprir a demanda escolar, à merenda fornecida em quantidade insuficiente e à mistura de alunos em diferentes níveis de aprendizado em uma mesma turma.
“Cabe ao Estado não somente garantir acesso à educação, e, no presente caso, à educação indígena, mas também garantir que essa prestação seja realizada dentro de certos parâmetros de qualidade”, afirma Vítor Vieira.
Omissão dos gestores públicos municipais
Para o procurador da República, o município de Belterra se omite quanto às ações de implementação de condições mínimas para a fruição de uma educação escolar indígena diferenciada e de qualidade, mesmo tendo recebido verbas da União e do estado do Pará.
A ausência na prestação do direito à educação indígena diferenciada, destaca Vieira, provoca lesão a direitos extrapatrimoniais e prejudica o processo de aprendizagem das crianças e adolescentes indígenas de Belterra.
Solicitações urgentes à Justiça
Considerando a possibilidade da intervenção judicial em políticas públicas voltadas à realização de direitos fundamentais, conforme jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o MPF pede a concessão de tutela de urgência para que o município altere o sistema de ensino das escolas das TIs Munduruku-Takuara e Bragança Marituba, caracterizando-as como educandários indígenas; inclua as disciplinas de Língua Materna Munduruku e Ensino Cultural como obrigatórias na grade curricular das escolas, com início de oferta para o ano letivo de 2024; forneça formalmente profissionais para atuar como professores nessas disciplinas, sob o mesmo regime jurídico do magistério comum, abstendo-se de exigir formação formal específica para a contratação desses professores e de quebrar o vínculo no meio do ano ou em um ano a fim de evitar fraude ao direito de férias.
O órgão requer ainda que o ente federado não condicione a oferta de ensino ao número mínimo de alunos por turma ou junte turmas, devendo organizá-las por faixa etária e níveis de conhecimento; abstenha-se de editar qualquer ato administrativo ou legislativo que possa afetar as aldeias sem antes consultar as comunidades diretamente afetadas; regularize a oferta do transporte escolar durante todos os dias do ano letivo, sob condições seguras de uso e prestando serviço em todas as comunidades não indígenas onde existem alunos vinculados às escolas indígenas; entregue merenda escolar todos os meses letivos do ano, de forma adequada, com alimentos diversificados e respeitando o mínimo previsto em lei para compra de produtos oriundos da agricultura familiar e comunidades tradicionais.
O município também deve apresentar, em até 30 dias, plano de reestruturação educacional escolar indígena municipal, cujo conteúdo garanta instalações físicas e equipamentos adequados nas escolas indígenas de Belterra, materiais didáticos apropriados, internet de qualidade, merenda escolar suficiente, supervisão pedagógica permanente e gestão democrática e participativa, executando fielmente esse planejamento – que será fiscalizado pelo MPF, Justiça, e comunidades indígenas – além de apresentar relatórios trimestrais sobre a execução. Todos os pedidos incluem pena diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento.
Por fim, o Ministério Público requer a condenação do município ao pagamento de indenização a título de danos morais coletivos em favor das comunidades indígenas atingidas e das escolas, em quantia não inferior a R$ 680 mil. Processo distribuído sob o número 1000395-98.2024.4.01.3902 para a 2ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Santarém. (com informações do MPF)
O Impacto