Artigo –  O Direito Penal como Sistema de Controle Social e seus Reflexos na Segurança Pública

Por: Carlos Augusto Mota Lima, advogado

Nenhuma sociedade humana, seja ela qual for, funciona sem regramento, sem normas, sem disciplina, sem respeito aos seus pares e ao meio ambiente, daí a necessidade de um regramento jurídico capaz de disciplinar essas relações visando a convivência harmônica e pacífica dos que integram o sistema social, assim, nasceu o Direito Penal visando disciplinar essas relações interpessoais. A lei, seja ela qual for, tem sua gênese no Congresso Nacional, reflete, ainda que indiretamente, à vontade popular vez que o ato de votar transborda, bem mais que um dever, assim como, não se encerra num mero direito. A essência desse poder-dever está na ideia de responsabilidade que cada pessoa tem para com a coletividade ao escolher seus mandatários, portanto, seja qual for a Lei aprovada no Congresso Nacional, indiretamente, cada um de nós exercemos o voto, deixamos nossas digitais, neste sentido, a responsabilidade é coletiva, não temos como nos esquivar. As pessoas, na maioria das vezes, não tem essa percepção, então, antes de reclamar do caos, pense no seu voto e como peça integrante indissociável desse processo.

A norma, poderíamos definir, como sendo a soma das parcelas das liberdade individuais de cada um que compõe o sistema social, ou seja, quando nos submetemos a ela cedemos, implicitamente, parte de nossa liberdade, assim, a norma, em tese é fruto de um contrato social. Conceitualmente, podemos afirmar que o Direito Penal, como sistema de controle social, consiste num regramento jurídico penal que visa a harmonia da sociedade, a convivência pacífica, ordeira, entre os membros de um mesmo território. Quanto a sua finalidade, segundo teorias mais antigas encontradas em qualquer livro de Direito Penal, visa, necessariamente, a proteção de bens jurídicos relevantes. A pergunta é, será que o Direito Penal, como sistema de controle social, realmente cumpre sua função de tutela dos bens jurídicos? Efetivamente protege bens jurídicos relevantes? Ouso discordar, até porque, quando ocorre um homicídio, furto ou roubo, o bem jurídico em tese, protegido, foi afetado, numa clara demonstração que a norma penal não cumpriu seu papel de proteção desses bens, basta olharmos como exemplo, os milhares de celulares roubados e furtados e as estatísticas alarmantes de homicídios todos os dias Brasil afora, então, prefiro filiar-me ao jurista alemão Günther Jakobs, para ele, o Direito Penal não protege o bem jurídico e sim garante a vigência da norma e sua  efetividade no sistema jurídica, numa clara oposição à ideia  de que a pena tem a função de prevenir delitos. Como citamos, a lei penal não protege bens jurídicos, cria, apenas, expectativa, pois ao sairmos para o trabalho, ao levarmos nossos ao colégio, ao irmos ao super mercado o fazemos sob o manto protetor da norma. O direto Penal cataloga, em tese, condutas ilícitas que devem ser observadas por todos que integram o grupo social, atribuindo-lhe, em caso de violações, uma pena, neste sentido, podemos afirmar que não há crime sem pena, o pressuposto para quem viola o ordenamento penal é a aplicação da sanção, caso isso não aconteça, a norma perde sua vigência, fica desacreditada, enfraquecida com reflexos na segurança pública, mais ou menos o que estamos vivenciando hoje no sistema jurídico brasileiro, que está à beira da falência sem apoio popular, um judiciário que claramente tem um lado, um público alvo preferencial que são facilmente pinçados por este poder, esse mesmo tratamento não é aplicado à pessoas mais afortunadas, passando a ideia que o sistema trabalha com dois pesos e duas medidas se afastando do mister de fazer justiça.

Atualmente as respostas oriundas do Poder Judiciário, especialmente da Suprema Corte, são assustadoras, subvertem a ordem jurídica, cria enorme insegurança, embaraço, avilta a Constituição, algo jamais visto num Estado Democrático de Direito. Um Estado quando abandona sua Carta Constitucional, quando suprime direitos e garantias fundamentais, significa que caminha para o autoritarismo, para um Estado de exceção. A Constituição é a pedra basilar de qualquer Estado Democrático de Direito, nosso velho Código Penal, mesmo não tendo passado por uma adequação, em face da nova Constituição, ainda assim, traz em seu texto axiomas garantistas dignos de um Estado democrático de direito, que estão sendo ignorados pela Corte Suprema, a exemplo do artigo primeiro, que sabiamente, limita o poder punitivo do Estado ao estabelecer balizas para o magistrado fazer a dosimetria da pena, evitando excessos, estabelece, que não há crime sem lei anterior que o defina, premissa magnífica, princípio da anterioridade da norma penal, assim como exige, para cada crime uma pena em abstrato mínima e máxima, tirando do Estado-Juiz o poder de aplicar a pena segundo suas interpretações, convicções pessoais e, principalmente, para que não sofra influências políticas.

Por oportuno, existe uma errônea compreensão do conceito de segurança pública, o cidadão comum, ao recolher seus impostos entende que a responsabilidade passa para o poder público, na verdade, todos somos responsáveis, lembrando que os controles informais são bem mais importantes que os formais oriundos do poder público e Quais são esses controles informais? Em primeiro lugar a família, célula fundamental de qualquer sociedade, hoje, sob imenso ataque da esquerda. A família moderna está desagregada em conflito permanente, em segundo lugar às escolas, especialmente as públicas, destruídas pela ideologia de gênero, depois temos às igrejas, clubes, enfim, todos esses sistemas estão falidos e passam a sobrecarregar os sistemas formais de segurança pública ao exigirem, permanentemente, a intervenção desses órgãos de segurança pública, então, pergunta-se: as polícias deveria se ocupar com a violência que ocorre nos lares especialmente nos finais de semana? Com a violência doméstica? Temos de fato necessidade de rondas escolares? Patrulha Maria da Penha? Claro que não, isso demonstra à falência desses sistemas, às famílias, ante o surgimento da ideia de pseuda proteção, perderam o poder familiar de tal sorte que não conseguem exercer esse poder sobre os filhos adolescentes, estes, por sua vez, aderiram a um conceito vago de liberdade e sofrem profunda influência das redes sociais, já às escolas não comprem seu papel de dar uma educação de qualidade. Professores são ameaçados, violência desenfreada, não há respeito, às drogas ocuparam o espaço escolar, às religiões já não representam qualquer temor ou respeito no seio familiar, o caos se instalou e o Direito Penal certamente não será capaz de dar uma resposta capaz de refletir sensação de segurança para as pessoas utilizando-se da aplicação de penas privativas de liberdade.

Em contrapartida, os pancadões são símbolos de poder e liberdade desafiando as forças de segurança, reduto de jovens, crianças e adultos, cooptados por organizações ligadas ao tráfico de drogas. A insegurança nas ruas se alastra, às forças policiais falam línguas diferentes, não existem políticas públicas de estado e sim de governos que as manipulam de acordo com interesses políticos pessoais. Na mesma linha, os estados brasileiros pouco conversam entre si e as forças policiais muito menos, existe certa vaidade, talvez a diferença salarial entre essas entidades seja responsável por isso, sem contar que o uso da tecnologia ainda é muito tímido. Estão preocupados em prender policiais, a prioridade é o bandido, os estados sequer tem banco de dados, como por exemplo de DNA de criminosos sexuais, falta muita coisa pra termos de fato um padrão de segurança pública digno de elogios, sem falar nas dimensões continentais do estado. A ordem foi subvertida, primeiro proteção para às vítimas da sociedade, depois para os trabalhadores, por último para os policiais, uma vergonha, um escárnio, o que fazer?

Os controles formais, responsáveis pela segurança pública (polícias civis, militares, federais, rodoviários federais, guardas municipais, bombeiros, sistema penitenciária, MP, judiciário) estão em crise, a criminalidade avança em passos largos, existe uma narrativa, inclusive do próprio judiciário, no sentido de enfraquecer as instituições policiais, em contrapartida, cultuam a bandidagem, brindando a criminalidade, isso de forma escancarada, de tal sorte que o caos se estabeleceu e o povo brasileiro sofre, atualmente, uma insegurança sem precedentes. O ex-ministro da justiça, comunista de carteirinha, graças a Deus, protagonizou cenas de afago ao crime organizado, inclusive, com passagens para uma integrante e visitas de cordialidade aos morros. Como imaginar, nessa atual conjuntura, que a norma Penal cumpra seu papel como sistema de controle social visando a redução da criminalidade? Pacificando as relações interpessoais?

 A norma penal tem caráter geral, estendendo-se a todos os cidadãos, funcionando como um freio interno, em cada pessoa, levando-nos a refletir nas consequências nefastas da pena ao praticarmos um crime previsto no regramento jurídico. Quando isso ocorre, surge, para o Estado-Juiz a possibilidade de aplicação do “jus puniendi”, ou seja, o direito de punir, que o faz socorrendo-se da norma Penal tão somente, assim, todas as vezes que o sistema sofre uma violação no seu estatuto repressivo, o Estado-Juiz age, em tese, com aplicação de uma pena privativa de liberdade. Esse freio interno nada mais é que o reflexo da possibilidade de perda de um dos bens mais importantes do ser humano, a liberdade, ainda assim, a mera ameaça da pena já provou que não nos impõe limites capazes de inibir a prática de crimes.

Formamos um tecido social, a norma, esse regramento jurídico, tem o condão de evitar o rompimento desse tecido, mas, como se constata, o Direito Penal como sistema de controle social é falho e, todas as vezes que o tecido social é afetado, o Estado precisa dar uma resposta rápida e à altura, com o fim de resolver o conflito e pacificar as relações interpessoais. Com efeito, dissemos alhures, que a aplicação da pena é necessária e reforça a vigência da norma, mas não evita ou reduz a criminalidade, neste sentido, destacamos que a norma penal disposta em nosso antigo Código Penal, mas de uma impecável redação, é aplicável a todos os cidadãos, funcionando como sistema de prevenção geral, ou seja, o código estabelece as condutas ilícitas e as respectivas penas, abstratamente, cominadas no ordenamento jurídico penal, esperando com isso, estabilizar as relações sociais. Quando essa prevenção geral não funciona, ou seja, quando a lei é desrespeitada, passamos para a chamada prevenção especial que consiste, através do devido processo legal, aplicar a pena, de acordo com os critério estabelecidos na lei penal e a gravidade do delito, com observância dos axiomas garantistas. Essa fase, conhecida como prevenção especial, nada mais é que o isolamento do apenado no sistema carcerário brasileiro de acordo com critérios previstos na Lei nº 7.210/84 – ( LEP – Lei de Execução Penal) que disciplina a fase execucional da pena efetivado as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionando condições para a harmônica integração social do condenado e do internado, consoante dispõe o Art. 1° da referida lei.

Vale ressaltar que, Direito Penal, como sistema controle social é uma ferramenta extraordinária não podendo ser abolido, mas desde que seja utilizado como “última ratio” seja de intervenção mínima. Essa corrente minimalista infelizmente tem sido abandonada pela Corte Suprema. O texto Constitucional atualmente age filiado à corrente punitivista, aliás, essa ideia habita quase que a totalidade os pensamentos de congressistas que ainda cultuam a ideia de que a criminalidade, a violência, em todas suas formas, se resolve com a criação de penas pesadas, o que não condiz com a realidade, como dissemos, não podemos nos filiar a ideia abolicionista do Direito Penal, por outro lado, como sendo um remédio amargo, duro, que interfere em bens preciosos como a liberdade deve ser, sempre, utilizado minimamente e como última trincheira, como um saldo de reserva na resolução de conflitos.

Ademais, o uso excessivo do Direito Penal Como sistema de controle Social pelo Estado, jamais funcionará se utilizado isoladamente, já está provado que a pena não inibe a prática do crime, ainda que tivéssemos em nosso ordenamento a pena de morte. O Estado precisa de vias alternativas, ou seja, utilizar medidas não penais, como acesso a uma saúde de qualidade, investimentos tecnológicos massiva na educação, acesso ao trabalho, melhorar a qualidade de vida das pessoas em suas comunidades, acessibilidade, respeito à diversidade e, acima de tudo, criação de políticas públicas inclusivas, especialmente para crianças e adolescentes, sem isso, somente aplicando punições, ainda que severas, não haverá redução da criminalidade e o crime continuará a desafiar os órgãos de segurança pública.

 

O Impacto

 

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