O crime de aborto na legislação penal – O Projeto de Lei 1904/2024, também, conhecido como PL Antiaborto e a demência legislativa

Por Carlos Augusto Mota Lima – Advogado

A Câmara Federal pautou o Projeto de Lei 1904/2024, também conhecido como PL Antiaborto que visa alterar o Código Penal Brasileiro para equiparar o crime de abortamento ao crime de homicídio simples quando realizado após a 22ª semana de gestação. O projeto é de autoria do deputado federal Sóstenes Cavalcante, do Partido Liberal. A proposta contraria a legislação penal em vigor e criminaliza, duramente, a prática do crime de aborto penalizando, principalmente, as mulheres que porventura infrinjam as normativas propostas no projeto de lei, inclusive, adolescentes. Segundo o autor do projeto de lei, essas alterações visam, essencialmente, impedir a realização do aborto após o “5° mês e meio de gestação” e consiste na injeção de cloreto de potássio para interromper os batimentos cardíacos do feto e induzir o aborto.
O Projeto visa alterar a redação dos artigos 124, 125, 126 e 128 do Código Penal equiparando o crime de aborto, após a viségima segunda semana de gravidez ao crime de homicídio simples. Essa alteração, inclui as situações de aborto permitido pela legislação penal em vigor, incluindo, os casos em que a gravidez seja em decorrência de vítimas do crime de estupro, neste caso específico, a mulher que interromper a gravidez de forma criminosa, ficará sujeita a uma condenação com pena de até 20 anos.

O Projeto, também, prevê a prisão de médicos que realizem o aborto decorrentes de violência sexual, de forma ilegal, por outro lado, o aborto decorrente de má formação por anencefalia ou inviabilidade fetal serão considerados legais. De acordo com o autor do projeto, crianças que cometam aborto, passarão por um processo socioeducativo e crianças até 12 anos serão encaminhadas para o Conselho Tutelar, entretanto, crianças entre 12 e 18 anos ficariam sujeitas as penalidades a critério do magistrado, cuja pena poderá chegar até três (3) anos de cadeia com soltura compulsória aos 21 anos, com previsão de punições, inclusive, para os pais desses adolescentes.

Como se constata, essa é uma proposta que podemos classificá-la como “proposta indecente”, na verdade, penso que o autor, com essa proposta, visava necessariamente impedir a interrupção da gravidez de forma insidiosa autorizada pelo todo poderoso Ministro Alexandre de Moraes que, em 17 de maio, como relator de uma ação apresentada pelo PSOL, derrubou, provisoriamente, uma norma do Conselho Federal de Medicina que proíbe a utilização de “assistolia fetal” para a interrupção de gestações acima da vigésima segunda semana de gravidez decorrentes de crimes de estupro, esta conduta criminosa do ministro, afronta a resolução do Conselho Federal de Medicina, que tem legitimidade exclusiva sobre o tema que trata, sobre tudo, de proteção de vidas humanas, tanto do feto em formação, como da mãe, o ministro ignorou a resolução de um Conselho de médicos renomados, para atender a esse desgoverno, essa decisão deu azo ao surgimento do projeto numa tentativa de impedir esse crime hediondo contra nascituros autorizado, monocraticamente, pelo ministro da Corte Suprema do Brasil, que não tem conhecimento mínimo científico, para dar palpites sobre o assunto.

Vale destacar alguns aspectos jurídicos sobre o tema que acabou gerando acalorados debates entre políticos e a sociedade brasileira nas redes sociais. Ninguém olvida que esse tema é sensível e certamente, deve ou pelo menos deveria, ser privativo do Congresso Nacional não cabendo ao STF ou qualquer Corte jurídica dizer o entendimento que deva prevalecer, especialmente, quando a decisão monocrática do ministro contraria o Conselho Federal de Medicina e passa infligir sofrimento a um ser humano prestes a vir ao mundo, isso é inaceitável, primeiro porque não compete a Corte Suprema decidir sobre temas tão delicados cujo cerne é a vida humana, esse tema, por sua complexidade e natureza compete, privativamente, ao Congresso nacional, lá sim, deve ser tratado pelo parlamento que está autorizado, pela via do voto, a representar a população brasileira, segundo porque, até onde compreendemos, exceto se houve alguma mudança que desconheço, o STF era até pouco tempo atrás o Guardião da nossa Constituição limitando-se a tratar de temas afetos, exclusivamente, a constitucionalidade ou não de determinadas normas ou conflitos de normas constitucionais dos entes políticos, hoje, em face do ativismo político, passou a ser um Tribunal Penal, cuja filosofia jurídico-penal é filiada a corrente punitivista, tendo excluído a corrente minimalista da lei penal brasileira.

Neste cenário, cabe destacar que o código penal Brasileiro, segunda parte, em seu Título I, Capitulo I, parte especial, trata dos crimes em espécie e inaugura a parte especial do Código Penal, certamente pela relevância do bem jurídico tutelado, que é a proteção da vida, ou seja, os crimes contra vida e não poderia ser diferente, portanto, o Art. 121, caput do CPB trata do crime de Homicídio simples, que por, si só, já é uma excrecência em nossa legislação; no parágrafo segundo trata dos homicídios qualificados, incluindo o feminicídio e demais qualificadoras a exemplo de crimes contra menores de 14 anos, pessoas idosas, deficientes, mulheres, enfim, cuja pena é mais elevada, no 122, trata do induzimento ou instigação ao suicídio, no Art. 123 o CPB trata do crime de Infanticídio (crimes contra infantes praticados pela própria mãe, sob a influência do estado puerperal, durante ou logo após o parto.

A partir do Art. 124 o CPB trata dos crimes de aborto, na seguinte disposição: Art. 124, caput, aborto provocado pela gestante, conhecido como Autoaborto, cuja pena é branda de detenção de 1 a 3 anos, isso em face do legislador entender o sofrimento dessas mulheres que praticam essa modalidade de aborto, no Art. 125 CPB o legislador trata do crime de Aborto sem o consentimento da gestante, neste caso, temos o crime na sua modalidade mais severa denominado de aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante, cuja pena é de reclusão de 3 a 10, lembrando que nessa modalidade temos duas vítimas, a gestante e o feto, já no AutoAborto, apenas o feto é vítima, já que a mãe é autora do delito. No Art. 126, trata do crime de aborto praticado com o consentimento da gestante, neste caso específico, a pena, também é branda e varia de 1 a 4 anos de reclusão.

No Art. 127 temos as formas qualificadas, ou seja, se da conduta de abortamento resulta lesão de natureza grave ou a morte da gestante, sendo no primeiro caso aplicada a pena do Artigo anterior (125) aumentada de 1/3 e, em caso de morte, duplicadas.

O ponto relevante do tema encontra-se previsto no Art. 128 que trata das excludentes de ilicitude previstas na parte especial do Código Penal Brasileiro, que autoriza a prática do aborto em duas situações específicas previstas no inciso primeiro e segundo do artigo 128 que peço vênia para transcrevê-lo:

Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico: (Vide ADPF 54)
Aborto necessário
I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
(ADPF 54)
Com efeito, em recente decisão na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu que é inconstitucional a interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo constitui aborto.

Por oportuno, destaco que todos os crimes contra a vida previstos neste capítulo são de competência do Tribunal do Júri. Feita essas considerações o foco será nos incisos acima citados, mas, antes, vale destacar alguns conceitos necessários para a compreensão do tema.

O Código Penal ao tratar dos crimes contra a vida, em seu Cap. I, faz uma divisão sutil, ou seja, o bem jurídico tutelado é a “vida humana”, qualquer forma de extermínio desse bem, que não seja natural é crime de homicídio, entretanto, quando o bem “vida” é exterminado quando o ser humano já está fora do útero, do ventre materno, temos conceitualmente o crime de homicídio, estamos falando de vida extraulterina, lembrando, que a personalidade humana inicia-se com o “nascimento com vida”, mesmo que seja um único suspiro, adquire personalidade, entrento, se a interrupção da vida se dá no interior do ventre materno, temos o crime de abortamento ou crime de aborto, nessa modalidade, estamos falando de vida intraulterina, por isso, o aborto, conceitualmente, consiste na “interrupção normal de uma gravidez com a consequentemente morte do produto da concepção” e será punido na forma a cima citada, ressalte-se que o nascituro tem apenas expectativas de direto, pois, aínda não adquiriu personalidade, mas nem por isso deixa de ter direitos e garantias.

Outro ponto importante é quanto ao autoaborto, nesta modalidade, que é a mais comum, grande parte das mulheres, são jovem, acabam descobrindo a gravidez e, sem condições, optam pelo abortamento de forma clandestina se socorrendo do uso de medicamentos ou de mãos criminosos, em fundo de quintal, com elevado índice de óbito ou lesões irreversíveis para essas mulheres, esse tipo de aborto é conhecido como social ou miserável, na outra ponta, temos a modalidade do Art. 126 que consiste na interrupção da gravidez com o consentimento da mulher, aqui ocorre, também, um fato interessante, às mulheres que tem condições financeiras, mas odeiam ou abendicam da maternidade, se utilizam de clínicas especializadas em abortamento, enquanto às demais, enquadram-se na situação anteriormente citada. A outra modalidade é do ART. 125, aborto sem o consentimento da mulher que é a forma mais grave, vale ressaltar que mulheres só podem consentir o aborto a partir dos 14 anos, às menores necessitam de autorização dos pais ou responsáveis.

Feita essas considerações vamos entrar no mérito das excludentes de ilicitude, ou seja, são situações que o Estado autoriza a prática do abortamento sem nenhuma responsabilidade para quem faz a interrupção e para as gestantes, esses aspectos estão definidos nos incisos I e II, do Artigo 128 do CPB, vejamos: No primeiro caso temos o “aborto necessário” ou seja, assim é definido em razão do risco de vida para a gestante, vale destacar que isso gera uma enorme discussão jurídica em face de estamos falando de bens jurídicos iguais e que não há predominância de um sobre o outro, vida é vida, ponto final, a do feto vale tanto quanto a da mãe, enfiam, não vamos entrar nesse mérito. Neste caso do inciso I existe pré requisitos a serem observados para que não gere nenhuma responsabilidade jurídica para os envolvidos, a saber: a) o abortamento só pode ser realizado por “médico” e este, só pode fazer a interrupção da gravidez se ficar comprovado, de forma inequívoca, o risco de “VIDA” para a gestante, estamos falando de risco de vida não a saúde da gestante, b) Que não haja outro meio legal de resolver o problema, assim, o aborto é plenamente respaldado pela excludente de ilicitude, observando-se que, se o fato ocorrer em lugares muito remotos e a interrupção for feita por uma parteira ou enfermeira, da localidade, por exemplo, neste caso, está pessoa não está respaldada pela excludente de ilicitude do Art. 128, pois não é médica, entretanto, não responderá pelo crime em razão de estar acobertada pela excludente de ilicitude do “Estado de Necessidade” previsto no artigo 23, parte geral do CPB.

O inciso II, do Artigo já citado trata da segunda modalidade de abortamo permitida na nossa legislação penal brasileira que trata da interrupção da gravidez quando decorrente de “crime de Estupro “, neste caso, tão delicado quanto o outro, mas de maior complexidade em face de a gravidez resultar de um crime odioso, hediondo, que gera traumas irreversíveis a vítima, deve ser analisado com maior cautela e serenidade, especialmente se esta for menor de 14 anos, impossibilitada de “consentir” com a prática de abortamento.
Neste caso, a exemplo do primeiro, temos, também, pré-requisito, a saber: a interrupção da gravidez só pode ser feita por: a) Médico, b) é necessário o Consentimento da vítima, bem diferente do primeiro caso, que dispensa o consentimento da vítima autorizando o médico agir, mesmo contra a vontade da gestante, desde de que esteja comprovado o risco de vida e sua conduta não configura constrangimento por estar respaldado pelo Art. 146, § 3°, I, do CPB. O “consentimento da gestante” é um pré-requisito importante no caso de gravidez decorrente de estupro, dispensando qualquer autorização judicial ou a instauração de inquérito policial para a realização do aborto. Quando a vítima é menor de 14 anos, essa autorização deve ser dada pelos pais ou responsáveis.

Certamente às pessoas sempre perguntam: porque o Estado autoriza essa prática abortiva? A autorização é dada para que mulher não desenvolva uma gravidez “odiosa” o que é plenamente justificado, pois nenhuma mulher que tenha sido violentada por um bandido qualquer e tenha a infelicidade de engravide, vai curtir esse momento, claro que não, portanto, a ela é dado o direto de interromper a gestação. Por outro lado, não significa que seja obrigada a interromper a gravidez, ela poderá parir, ter o Filho, isso pode acontecer sem que ela tenha qualquer contato com a criança, isso para evitar que desenvolver um sentimento de rejeição ou vir a odiar esse filho. Após o nascimento a criança deve ser encaminhada para adoção. Diferente do que pensa esse desgoverno, do ventre materno não sairá, nunca, nenhum “monstro” e sim um ser humano que deve receber a proteção do Estado. O Projeto de Lei, tem um único propósito, evitar a morte de ser humano de forma insidiosa após a 22ª sema de gravidez, esse é o cerne do debate, embora as penalidades impostas as gestantes destoa da realidade e penaliza as mulheres já fragilizadas desde o momento da concepção em face da violência sofrida.

Como se constata, a legislação penal em vigor trata do tema de forma coerente, não havendo necessidade de nenhuma mudança significativa, entretanto, o STF, que hoje funciona como “poder Moderador no Brasil” se imiscui em todos os temas, atua como a Corte da Verdade, tudo o mais não existirá sem o aval desse Poder. Foi a partir da decisão do Ministro, que surgiu esse projeto, que tenta, de forma desarrazoada, equiparar o crime de aborto com o de homicídio simples, na verdade, o projeto visa inibir a forma incidiosa de interromper a gravidez com a utilização do método de “assistolia fetal“ após a viségima segunda semana de gestação, quando a vida já é viável, foi por essa razão, considerando a viabilidade da vida, que o deputado, talvez, tenha tentado equiparar essa modalidade de aborto com o crime de homicídio simples, não esquecemos que o aborto interrompe a “vida intraulterina” enquanto o homicídio é vida extraulterina, onde o ser humano já adquiriu personalidade.

Seja como for, o aborto nas diversas modalidades, gera um trauma permanente para mulheres, isso quando não ocorre o óbito ou lesão de natureza grave em decorrência dos meios inadequados empregados nas práticas abortivas, especialmente para as jovens mães, que em suas adolescências e ainda com certa candura, acabam engravidando, sendo que não maioria das vezes, são movidas por sentimentos de menosprezo, represália dos pais ou de não pertencimento social se submetem a essas práticas tentando fugir do ambiente miserável em que estão inseridas, acabam sendo presas fáceis de pessoas inescrupulosas que visam lucro, sem nenhum sentimento de humanidade.

Precisamos de educação sexual para crianças, adolescentes e jovens, assim como políticas públicas e uma boa rede multidisciplinar para atender essas gestantes, orientando-as, dando-lhes apoio psicológico, mostrando os riscos de vida e as consequências jurídicas de suas condutas, precipitadas, impensadas, sob pena, de ficarem a mercê de atitudes insanas dessas aves de rapina assassinas que ganham dinheiro matando seres humanos ou de projetos de parlamentares dementes que não se socorrem de especialistas antes de formular uma proposta “indecente” como está, consultar juristas para auxiliá-los na confecção de projetos viáveis. Ás mulheres nesta situação não precisam de punições severas e sim da presença do Estado, da mão amiga, a exemplo das políticas públicas adotadas na Alemanha sobre esse tema.

Lembrando que estamos tratando do bem jurídico mais relevante do ser humano a “vida”, protegido pela Constituição federal e leis ordinárias, inclusive, a CF/88, consignou em seu texto Constitucional, no Art. 1°, inciso, III, “A dignidade da pessoa Humana” como princípio estruturante do Estado Democrático de Direito, que não pode ser violado sob hipótese alguma, além de proteção a família e a maternidade.

Ademais, a vida como bem supremo e indisponível sempre estará em conflito com a religião, está, nega qualquer forma de vilipêndio a vida, assim se instala uma correlação de forças, de um lado às leis, do outro, a religião, entretanto, a pergunta que suscita o debate é: nós somos donos de nossas vidas? Do ponto de vista religioso a vida é dom divino, dada por Deus, só a ele cabe tiralá-la no momento certo, do ouro lado, os que defendem o Aborto, filiam-se a ideia de que somos donos de nossas vidas, assim, aos que crêem na existência de Deus como ser supremo sempre irão defender a vida em todas às suas manifestações, não admitindo, sequer, a hipótese da prática da prática de Eutanásia..

Finalmente, a Corte Suprema, que tem o dever de proteção não o faz, parrce sustentar seus delírios políticos, baseados numa ideologia nefasta, que em nada contribui para o desenvolvimento saudável do país.

O Impacto

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