O STF e a incipiente decisão da descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal
Por: Carlos Augusto Mota Lima, advogado
Recentemente o STF deliberou sobre a licitude ou não do porte de “drogas” para consumo pessoal, logo a seguir, estabeleceram a quantidade que cada usuário, em tese, poderá portar para consumo pessoal, concluíram, também, que o ideal seria 40 gramas de Cannabis Sativa – “maconha”, isto por si só, já é uma excrescência e por quê? Porque STF não fez nada mais que trocar seis por meia dúzia, agiu como um cachorro correndo atrás do próprio rabo, já que o Art. 28 da Lei 11.343/206, disciplina o tema e, essa decisão, em nada, absolutamente nada, contribui para redução das prisões desnecessárias de pessoas que portem pequenas quantidades de drogas para consumo pessoal ou de eventuais discriminações no momento da abordagem policial, de pessoas negras, já que estes são os argumentos utilizados pelo próprio presidente do tribunal, para justificar a decisão ou, ainda, que na via obliqua, tenha algum reflexo na diminuição da superlotação das cadeias públicas. O Art. 28 já referido é bem esclarecedor, de tal sorte, que a decisão da Corte Suprema se torna inócua, oportunista, desnecessária e representa mera demonstração de força.
A Nova Lei de Drogas Instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Nesta senda, o Art. 28, veio mitigar os efeitos deletérios do Art. 16 da antiga Lei de Drogas (Lei nº 6368/76), que previa a possibilidade de prisão de usuários de drogas, durante este período de vigência desta norma, trabalhava como delegado de polícia em Belém, na antiga Divisão de Repressão a Entorpecentes – DRE, onde deparei-me com esta realidade, inclusive, autuei, em flagrante delito, muitos jovens, em conflito com a lei, por porte de pequena quantidade de “drogas”, em geral, maconha, e só eram liberados mediante o pagamento de fiança, assim, a nova Lei, revestida de uma filosofia voltada à proteção destes usuários, mitigou os efeitos perversos da lei anterior, reconhecendo que usuários são pessoas que necessitam de tratamento médico e não de cadeia. Nesta esteira, o Art. 28 da nova lei trouxe uma proposta de despenalização, proibindo que usuários fossem presos em flagrante em face do porte de pequena quantidade de drogas para consumo pessoal, mas a conduta, à luz do artigo referido, continuava sendo CRIME, também, a competência foi deslocada para os Juizados Criminais (Jecrim) e, por que não deu certo? Qual a necessidade de o STF revisitar a matéria e contrariar entendimento da própria corte que havia decidido que a conduta prevista no Art. 28 em comento configurava crime? Esta discussão do STF foi realizada, inclusive, no julgamento do Recurso Extraordinário – RE (STF, 1º Turma, RE 430105 QO/RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 13.2.2007). A Turma, resolvendo questão de ordem no sentido de que o art. 28 da Lei 11.343/2006 (Nova Lei de Tóxicos) não implicava “abolitio criminis” (Abolição do Crime) do delito de posse de drogas para consumo pessoal, então, previsto no art. 16 da Lei 6.368/76. As penas previstas na norma não levariam à prisão, no máximo, às demais consequências de um processo penal. Na prática, no entanto, a falta de distinção clara para fazer — e tem feito — com que usuários sejam classificados como traficantes ou você versa ficando sujeitos às penas privativas de liberdade, entretanto, o fato de o STF estabeler o quantum que cada usuário pode portar não significa que, a partir de agora, com esta decisão, isto possa ser feito sem nenhuma dificuldade.
Ora, se legalmente (no Brasil) ‘crime’ é a infração penal punida com reclusão ou detenção consoante os termos do Art. 1º da Lei de Introdução do Código Penal Brasileiro (quer isolada ou cumulativa ou alternativamente com multa), e se consideramos que o Art. 28 não estabelece nenhuma destas modalidades, em tese, estaríamos admitindo que a conduta havia sido descriminalizada pela nova lei, assim, não há dúvida que a posse de droga para consumo pessoal (com a nova Lei) deixaria de ser ‘crime’ porque as sanções impostas para estas conduta (advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programas educativos, lá previstas, não conduzem a nenhum tipo de prisão, por isto o saudoso Prof. Luiz Flávio Gomes classificou este crime de Suis generis. Em outras palavras: a nova Lei de Drogas, em seu art. 28, não descriminalizou a conduta de posse de droga para consumo pessoal, não retirou-lhe a condição de infração penal mesmo que, de modo algum, não permite a pena de prisão e, sem pena de prisão, não se pode admitir a existência de infração penal, vale ressaltar que o pressuposto do crime é a pena aflitiva (reclusão ou detenção, entretanto, o que a nova lei fez foi despenalizar a conduta, retirando-lhe a possibilidade de prisão estabelecendo, somente, penas administrativas, contudo, não retirou o caráter ilícito da conduta e, este entendimento, havia sido chancelado pelo próprio STF, entretanto, agora, sem fazer nenhuma alteração significativa, muda o entendimento sem solucionar as demandas pendentes. O STF, apenas, estabeleceu um critério objetivo relativo à quantidade de 40 gramas para uso pessoal, sem que isto implique qualquer responsabilidade criminal. Esta decisão em nada contribui com o grave problema relacionado ao consumo de drogas, a superlotação carcerária, as prisões desnecessárias ou de atos discriminatórios, ao contrário, ouso afirmar que esta posição adotada cria outros problemas de maior gravidade.
Para melhor compreensão, algumas considerações sobre o art. 28 são necessárias para que possamos entender o quanto a decisão do STF foi incipiente e desnecessária. Neste compasso, o Artigo em questão estabelece que: Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade; III – medida educativa de comparecimento à programa ou curso educativo. No mesmo sentido, o § 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
A lei é clara, mas onde reside o problema que levou o STF a se imiscuir no assunto e prolatar essa decisão controversa e desnecessária? O parágrafo segundo abaixo transcrito, disciplina, satisfatoriamente, os critérios para que façamos a diferença entre usuário e traficante sem necessidade de estabelecermos qualquer quantidade de “drogas” para esse fim, o dispositivo traz critérios subjetivos que, inclusive, não foram excluídos pelo STF, ao estabelecer a quantidade de 40 gramas, para distinguir usuário de traficante, vejamos o que diz o § 2º: Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
Como se constata, estes critérios, não fazem alusão a qualquer quantidade de drogas, até porque, o que se analisa é sempre a CONDUTA DO AGENTE e isto se faz no momento da análise dos pressupostos acima citados e não a quantidade em si, cujo reflexos podem influenciar na dosimetria da pena. A lei, inclusive, fala que compete ao JUIZ fazer a análise dos pressupostos acima destacados para sabermos se a pessoa que está portando determinada quantidade de drogas deve responder por tráfico (Art. 33) ou se vai responder como usuário, caso em que, será lavrado em desfavor deste, um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), cujas consequências jurídicas são as penalidades acima citadas, portanto, bem diferente do tratamento que era dado pela Lei anterior n° 6368/76, a qual estabelecia, em seu Art. 16, possibilidade de prisão em flagrante, para usuários, com pena – Detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de (vinte) a 50 (cinquenta) dias-multa. Por que isto não funcionou? Porvque o STF resolveu se manifestar? Segundo os componentes desta corte, ao estabelecerem a quantidade de 40 gramas, critério puramente objetivo, facilitaria identificar quem de fato é usuário ou traficante, ledo engano, o Art. 28 já estabelece os critérios que devem ser analisados para fazermos essa distinção, aliás, critérios estes, que permaneceram, então o que de fato mudou? Nada, absolutamente nada, na verdade essa decisão só veio escancarar as portas da corrupção.
Ao estabelecer a quantidade de 40 gramas, o STF incorre em grave erro, pois, o que se pune, como já dito alhures, não é a quantidade de drogas que supostamente alguém esteja portando e sim a conduta, portanto, ainda que a quantidade seja pequena a pessoa pode ser indiciada pelo crime de tráfico do Art. 33, por isto, o Art. 28, estabelece os critérios subjetivos que devem ser analisados com imparcialidade, primeiro pelo juiz, consoante os termos da lei, na falta deste, pela autoridade policial (Delegado de polícia civil), então, onde reside o problema? Qual é a nossa realidade hoje? Em que aspectos esta decisão vai beneficiar pessoas presas ilegalmente, ou, quiçá, as que sofrem de eventuais atos discriminatórios? Analisando a dinâmica da lei em vigor, o Art. 28 disciplina o porte de pequena quantidade para consumo pessoal que continua sendo tratada como crime, na legislação vigente, todavia, não submete os usuários as penas privativas de liberdade, isto significa que houve a despenalização da conduta, mas não a DESCRIMINALIZAÇÃO, o que só ocorreu com a recente decisão, lembrando que a lei antiga penalizava o usuário com pena de PRISÃO, assim, o Art. 28, mitigou os efeitos deletérios da lei n° 6368/06, afastando a possibilidade de prisão do usuário, neste caso, ficam sujeitos às penas administrativas acima citada.
Por outro lado, o Art. 48, parágrafos 1º e 2º da lei já referida é cristalino ao proibir a prisão do usuário, diz o §1°) não se imporá PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO e o rito processual adotado é o sumaríssimo previsto no Art. 60 da lei nº 9.099/95, ou seja, Juizados Especiais Criminais.
E onde está o problema? O problema está na atuação dos órgãos de segurança pública, tais como, Polícias Civis, Ministério Público e Judiciário o próprio Ministério Público e o Poder Judiciário não são diligente, o primeiro é vocacionado a busca da condenação, a qualquer preço, salvo algumas exceções, não adotam os critérios de análise estabelecidos no Art. 28 ou, se o faz, dão interpretação diversas, no mesmo sentido, o Poder Judiciário, que acaba condenando essas pessoas a penas elevadas. Na Delegacias, não é diferente, via de regra, pessoas que são apresentadas portando pequena quantidade de Drogas (maconha), por exemplo, são autuadas em flagrantes delito pelo crime de Tráfico de Drogas previsto no Art. 33 da lei, a seguir, são denunciadas pelo MPPA e condenadas com penas que variam de 5 a 15 anos de prisão. Na maioria esmagadora destes casos, são jovens, pobres, miseráveis rotulados como traficantes, vale lembrar, que traficantes são pessoas bem “sucedidas”, moram em mansões, tem padrão de vida altíssimo, viajam de férias para a Europa, tem influência política, trafegam nos corredores do parlamento, são donos de empresas que as utilizam para lavagem de dinheiro da atividade ilícita, entretanto, estes, pasmem, são beneficiados pela JUSTIÇA, como exemplo, cito a situação de um jovem que no período de carnaval foi abordado por um “segurança privado” em um município do baixo Amazonas, às proximidades, portando pequena quantidade de Drogas, salve engano, 45 gramas tendo sido preso, autuado em flagrante delito e condenado a mais de 10 anos pelo crime de Tráfico de Drogas, sem direito de recorrer em liberdade. Na outra extremidade, recentemente, policiais adentraram em um galpão e lá se depararam com vários elementos, com mais de 600 kg de cocaína pura, sendo embalados e acondicionados dentro de ”Mangas” tipo exportação, todos foram presos e autuados em flagrantes por tráfico de drogas, entretanto, o STJ anulou o flagrante sob o argumento de que os policiais não tinham “ordem judicial” para adentrar no Galpão, vejam o paradoxo, esclarecendo que o crime de Drogas é crime permanente, ou seja, aquele que, por ventura, guarde em sua residência 1 kg de Drogas, por exemplo, significa que poderá ser preso, a qualquer momento, por tráfico de drogas, isto em decorrência do crime de ser classificado de crime permanente.
Este tratamento dado pela JUSTIÇA, escancara de vez as desigualdades sociais e nos leva a imaginar que o Poder Judiciário, de fato, tem um público alvo que se resume em pobres, negros e miseráveis e que a justiça tem dois pesos e duas medidas, pra piorar, a venda que era nos olhos, símbolo da igualdade, agora está na boca, então, a justiça, além de cega, ficou muda, não ouve mais o clamor dos aflitos.
Ressalte-se, que não estou a conjecturar que estas pessoas não devam ser punidas, claro que sim, mas a punição deve ser proporcional a conduta, em outras palavras, para que alguém seja autuado em flagrante delito portando pequena quantidade de Drogas como sendo traficante é necessário que seja feito uma investigação séria, incluindo uma campana para observar o passo a passo do acusado, de tal sorte que possa ser constatado, de forma inequívoca, que de fato esta pessoa está se utilizando da brecha da lei, quando porta pequena quantidade para disfarçar o tráfico, mas de fato está fazendo a mercancia, ai sim, teríamos elementos suficientes para a confecção do flagrante dessa pessoa como incurso nas sanções punitivas do ART. 33 da Lei de Drogas.
Ademais, vivemos suspensos por fios tecnológicos, o mundo mudou, a polícia tem que ser investigativa, não é mais possível trabalhar sem inteligência, o que falta é investimentos maciços, vivemos no mundo da Inteligência Artificial, isto sim, com certeza resolveria o problema e teríamos menos injustiça social, mas preferiram um talho sórdido e optaram por estabelecer a quantidade de 40 gramas como se isso fosse a solução para o grave problema das drogas, por isto, é necessário analisarmos o Art. 28 e seus pressupostos com sabedoria e imparcialidade para que possamos, realmente, autuar o conduzido no Art. 28 ou no Art. 33, mas com justiça, neste caso é necessário dispomos de elementos de prova suficientes para corroborar a mercancia da drogas, caso contrário, vamos continuar como antes, talvez, bem pior, então fica a pergunta: quem vai fiscalizar se a pessoa de fato está portando 40 g pra mais ou para menos? Quem vai constatar se as mudas do pé de maconha é macho ou fêmea? Portanto, a lei em vigor disciplina a matéria corretamente e a DECISÃO do STF, como já dito é pífia, inconsistente, desnecessária e oportunista.
O Impacto