Justiça Federal reconhece novo esquema criminoso na Receita Federal para incriminar desafetos
Uma decisão recente da Justiça Federal no Rio de Janeiro voltou a jogar luz sobre a existência de um esquema de fraude de servidores da Receita Federal que fazem uso de dados sigilosos do órgão para tentar incriminar desafetos.
Em sentença da última segunda-feira (19/8), o juiz federal José Arthur Diniz Borges reconheceu que dois auditores fiscais foram vítimas do que chamou de “grupo criminoso” com acesso privilegiado ao sistema da Receita.
Denúncia fraudulenta
Antes de o caso tramitar na Justiça Federal, em uma ação de improbidade administrativa contra os dois servidores, eles haviam sido alvos de um processo administrativo disciplinar (PAD) no qual eram acusados de enriquecimento ilícito, por terem tido, cada um, ganhos de R$ 38 mil e R$ 17 mil, supostamente incoerentes com seus cargos.
O PAD teve início a partir de uma carta anônima. Descobriu-se, posteriormente, que a peça foi produzida pelo então superintendente da Receita na 7ª Região Fiscal e pelo chefe do Escritório de Corregedoria do mesmo órgão (Escor 07), que, de maneira imotivada, faziam uso de dados sensíveis, obtidos a partir de senhas funcionais privilegiadas, para protocolar denúncias que pudessem levar à exoneração de servidores desafetos.
Grupo criminoso
As duas vítimas foram absolvidas na esfera administrativa, mas, ainda assim, sofreram a ação na Justiça, na qual o juiz Diniz Borges, da 8ª Vara Federal do Rio de Janeiro, reforçou a existência do grupo criminoso dentro da Receita.
Os servidores vitimados argumentaram, em embargos de declaração julgados pelo juiz, que uma primeira sentença da Justiça Federal não havia levado em consideração justamente o fato de a acusação de enriquecimento ilícito ter tido origem em um procedimento fiscal fraudulento.
“De fato, restou comprovado que os réus foram vítimas de um grupo criminoso que utiliza acessos privilegiados ao sistema da Receita Federal para instaurar processos disciplinares astuciosos com o fito de eliminar servidores desafetos”, escreveu o julgador.
“Desta feita, os fatos revelados demonstram a prática contumaz de montagem de cartas anônimas, a partir de acessos imotivados a dados sigilosos de servidores da Receita Federal, as quais eram utilizadas como base para instauração de processo administrativo.”
Caso Gilmar
Em 2019, a ocorrência de uso fraudulento de dados da Receita Federal veio à tona a partir de um dossiê que tentava incriminar o ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal.
Na ocasião, a revista Veja divulgou haver um relatório preliminar produzido pela “equipe especial de fraudes” da Receita sobre Gilmar e sua mulher, a advogada Guiomar Feitosa, que seriam investigados por supostos indícios de corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico de influência.
A direção da Receita Federal negou, no entanto, haver tal investigação. À época, o ministro pediu que fosse apurado abuso de poder no caso, solicitação que foi repassada pelo então presidente do STF, ministro Dias Toffoli, à Receita, à Procuradoria-Geral da República e ao Ministério da Economia.
Lembranças da ‘lava jato’
A revista eletrônica Consultor Jurídico revelou, na sequência, que a “equipe especial de fraudes” chegou a abrir investigações secretas contra outros 134 “agentes públicos”, a partir de critérios próprios e de maneira imotivada, para imputar crimes não relacionados ao papel da Receita Federal. O ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou a suspensão de todas elas ainda naquele ano.
Também em 2019, fiscais da Receita Federal com acesso privilegiado a dados sensíveis foram presos por cobrar propina de investigados na “lava jato” em troca do cancelamento de autuações milionárias. O servidor apontado à época como chefe do grupo criminoso era o supervisor nacional da equipe de programação da Receita na autoapelidada força-tarefa.
A ConJur também revelou na ocasião que, pelo menos desde agosto de 2018, existia um canal de envio de relatórios entre a chamada “equipe especial de fraudes” e a “lava jato”.
Caso Flávio
A ocorrência de uso fraudulento de dados da Receita Federal também havia sido alegada em 2020 pela defesa do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no caso das “rachadinhas”, arquivado em 2022. Ele sustentava que auditores teriam cometido irregularidades na produção do relatório de inteligência fiscal que deu causa à investigação.
Em uma reunião no Palácio do Planalto, em agosto de 2020, com o intuito de “blindar” Flávio, a questão chegou a ser discutida entre o então presidente Jair Bolsonaro e integrantes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). O episódio foi registrado por uma gravação de Alexandre Ramagem, então chefe da Abin, que estava em sigilo até julho deste ano.
Em novembro de 2020, o então chefe do Escritório de Corregedoria da Receita na 7ª Região Fiscal, o auditor-fiscal Christiano Paes Leme Botelho, foi exonerado do posto. A saída ocorreu a pedido.
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Processo 0103340-29.2016.4.02.5101