COLUNA AFA JURÍDICA (08-11-2024)
STJ: RECONHECER DECADÊNCIA NÃO PREJUDICA IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA
A 4ª turma do STJ firmou o entendimento de que o reconhecimento da decadência em uma ação judicial não impede o juízo de realizar a adequação do valor da causa, seja por iniciativa própria ou por provocação da parte interessada. Essa decisão reformou um acórdão do TJ/MT, que havia considerado prejudicada a análise da impugnação ao valor da causa devido ao reconhecimento da decadência.
No caso em questão, os réus apresentaram contestação e, preliminarmente, impugnaram o valor de R$ 100 mil atribuído à causa, solicitando a fixação em quase R$ 4 milhões.
O juízo de primeira instância acolheu a impugnação e, reconhecendo a decadência do direito dos autores, extinguiu o processo com resolução de mérito, condenando-os ao pagamento de honorários advocatícios de R$ 30 mil.
O TJ/MT reformou a sentença, mantendo o valor da causa em R$ 100 mil e readequando os honorários para 20% sobre esse valor, conforme o artigo 85, parágrafo 2º, do CPC. A corte estadual entendeu que, com o acolhimento da prejudicial de mérito, não caberia alteração do valor da causa.
O ministro Antônio Carlos Ferreira, relator do caso no STJ, esclareceu que a impugnação ao valor da causa é uma questão processual que visa à adequação do montante financeiro atribuído à demanda, com impacto na fixação dos honorários, nas custas judiciais e na determinação da competência do juízo.
Por outro lado, a decadência refere-se à perda do direito potestativo por falta de seu exercício dentro do prazo legal. “É matéria de mérito, que demanda análise mais aprofundada dos fatos e do direito aplicável ao caso, devendo ser apreciada em momento subsequente ao das questões processuais preliminares”, complementou.
O ministro destacou que, mesmo com o reconhecimento da decadência e a consequente vitória da parte ré, persiste o interesse na adequação do valor da causa, pois essa modificação pode influenciar diretamente no valor a ser recebido pelo advogado.
Com o provimento do recurso, o relator determinou o retorno dos autos ao tribunal de origem para exame do valor atribuído à causa.
JUSTIÇA DO TRABALHO PODE EXECUTAR CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DE ASSOCIAÇÃO INSOLVENTE, DECIDE TST
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) recentemente decidiu que a Justiça do Trabalho é competente para executar as contribuições previdenciárias devidas por associações que declaram insolvência civil. Esse veredito se aplica ao caso da Sociedade Evangélica Beneficente (SEB), uma entidade de Curitiba (PR) em situação financeira insustentável, e representa um marco para o direito trabalhista e para entidades que não são empresas. A decisão delimita as responsabilidades da Justiça do Trabalho e do juízo da insolvência civil, apontando quais órgãos têm competência para executar valores devidos e o bloqueio de bens.
A insolvência civil é o equivalente à falência, porém é aplicável a entidades que não possuem fins lucrativos, como associações e fundações. Diferente da falência tradicional de empresas, esse processo acontece quando uma organização não tem recursos financeiros suficientes para quitar suas dívidas, sendo necessário que seus bens sejam inventariados e leiloados. O juízo da insolvência civil é o responsável por administrar a liquidação desses bens para o pagamento dos credores. Nesse contexto, a recente decisão do TST clarifica que, embora a expropriação de bens e o pagamento de credores caibam ao juízo da insolvência, a Justiça do Trabalho possui jurisdição para executar as contribuições previdenciárias pendentes.
O ministro Maurício Godinho Delgado, relator do processo, fundamentou seu parecer em precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF). Ambos os tribunais sustentam que a expropriação e o bloqueio de bens devem ser conduzidos pelo juízo da insolvência, mas a Lei 14.112/2020, que atualizou a Lei de Falências, também confere à Justiça do Trabalho a responsabilidade pela execução das contribuições previdenciárias em casos de falência ou recuperação judicial. A decisão do TST estendeu essa interpretação para o contexto de insolvência civil, dando à Justiça do Trabalho o poder de cobrar contribuições previdenciárias mesmo quando a entidade devedora enfrenta um processo de insolvência.
No caso da SEB, um ponto específico de disputa envolvia um depósito de caução de R$ 5 milhões. Esse valor foi colocado à disposição da Justiça após um consórcio arrematar bens da entidade em leilão judicial, mas não cumprir integralmente o pagamento. O Ministério Público do Trabalho (MPT) argumentou que esses recursos deveriam ser usados para quitar dívidas trabalhistas da SEB. No entanto, o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região determinou que esses valores fossem transferidos para o juízo universal da insolvência, e não administrados pela Justiça do Trabalho. A decisão do TST de autorizar apenas a execução das contribuições previdenciárias e não dos bens reforça a divisão de competências entre os órgãos judiciais.
Essa decisão do TST traz maior clareza sobre a execução de dívidas previdenciárias para associações e fundações insolventes, reforçando a competência da Justiça do Trabalho em assegurar esses pagamentos sem interferir na jurisdição do juízo da insolvência. A medida é importante tanto para a proteção dos direitos previdenciários quanto para garantir uma administração judicial organizada para a liquidação de dívidas de entidades sem fins lucrativos. Ao dividir competências entre os órgãos judiciais, o TST proporciona uma estrutura mais clara para lidar com associações em insolvência civil.
NÃO É POSSÍVEL USAR AÇÃO CONSTITUCIONAL PARA CONFRONTAR TESES JURÍDICAS EM EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA
Mesmo após a entrada em vigor do Código de Processo Civil (CPC) de 2015, não é possível, em embargos de divergência, confrontar teses jurídicas fixadas em recurso especial com aquelas adotadas em ações que tenham natureza de garantia constitucional, como o mandado de segurança, o habeas corpus, o habeas data, o mandado de injunção e os respectivos recursos ordinários.
Com esse entendimento, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, manteve sua jurisprudência e negou a pretensão de um recorrente que desejava usar como paradigma em embargos de divergência – interpostos contra acórdão da Terceira Turma em recurso especial – uma decisão proferida pela Primeira Turma no julgamento de recurso em mandado de segurança.
O recurso foi dirigido à Corte Especial após a presidência do STJ indeferir liminarmente os embargos de divergência, com fundamento nos artigos 1.043, parágrafo 1º, do CPC e 266, parágrafo 1º, do Regimento Interno do tribunal, os quais delimitaram o confronto de teses jurídicas àquelas decorrentes do julgamento de recursos e ações de competência originária.
Para o embargante, contudo, o CPC de 2015 não traria disposição sobre a impossibilidade de o acórdão embargado ou paradigma ser proferido em ação que possua natureza de garantia constitucional.
A autora do voto que prevaleceu no julgamento, ministra Maria Thereza de Assis Moura, explicou que esse impedimento tem relação com a maneira diversa com que cada uma dessas espécies processuais é examinada.
Segundo ela, os embargos de divergência têm por finalidade pacificar a jurisprudência no âmbito do tribunal, conferindo segurança jurídica ao jurisdicionado. Assim, ressaltou, os embargos são cabíveis contra acórdão proferido em recurso especial e em agravo em recurso especial, que são os recursos destinados a dar a melhor interpretação à legislação federal; quanto ao acórdão paradigma, deve ser proferido em julgamento com o mesmo grau de cognição, conforme já estabelecido em diversos precedentes proferidos pelo STJ ao longo dos anos.
A ministra apontou ainda que o CPC/2015, inicialmente, admitia a interposição de embargos de divergência contra acórdão proferido em processo de competência originária (inciso IV do artigo 1.043), mas isso foi revogado pela Lei 13.256/2016. “Logo, o recurso uniformizador ficou restrito à hipótese de julgamento em sede de apelo especial”, concluiu.
A magistrada citou um julgamento em que a Terceira Seção analisou se os acórdãos em habeas corpus e recursos em habeas corpus poderiam servir como paradigmas em embargos de divergência. Na ocasião, a ministra Laurita Vaz (aposentada) deixou consignado que, como o recurso especial é o instrumento adequado para o STJ exercer sua função constitucional de interpretar a lei federal, a admissão daqueles acórdãos nos embargos de divergência poderia “ter o efeito de ampliação da competência constitucionalmente atribuída, interferindo na própria função do STJ”.
Ao votar pela reafirmação da jurisprudência da corte, Maria Thereza de Assis Moura destacou ainda que o Supremo Tribunal Federal (STF) também considera inviável a utilização de acórdãos em habeas corpus para comprovação de dissídio nos embargos de divergência.
STJ: RÓTULOS DEVEM INFORMAR ORGANISMOS MODIFICADOS SE SUPERIORES A 1%
Por unanimidade, a 2ª turma do STJ validou decreto que obrigada rótulo informando a presença de OGMs – organismos geneticamente modificados em alimentos apenas quando o produto contiver mais de 1% desses organismos.
A ação civil pública foi ajuizada em 2001, pelo MPF e IDC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor contra a União, alegando que o decreto 3.871/01, que autorizava a omissão da informação no rótulo até o limite de 4% de OGMs violava o direito à informação dos consumidores. Os autores entendiam que qualquer quantidade de OGMs no produto precisaria ser indicada na embalagem.
Posteriormente, a norma foi substituída pelo decreto 4.680/03, atualmente vigente, que reduziu o limite para 1%.
Em 1ª instância a ação foi julgada procedente e a decisão foi confirmada pelo TRF da 1ª região estabelecendo que qualquer quantidade de OGMs nos alimentos deveria constar dos rótulos.
A União e a Abia – Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação recorreram ao STJ, alegando que a exigência era desproporcional e desnecessária.
Ao analisar o recurso, o colegiado considerou que a evolução do conhecimento técnico-científico acerca de OGMs nos últimos 25 anos, leva ao entendimento que a presença de OGMs em quantidades inferiores a 1% não representa risco à saúde pública.
O relator, ministro Francisco Falcão, entendeu que a rotulagem para traços mínimos de OGMs seria excessiva, resultando em custos desnecessários para a indústria e dificuldades na harmonização dos interesses dos consumidores e do setor alimentício.
Ademais, ressaltou que o decreto atual permite que aqueles que desejem alimentos livres de OGMs busquem produtos específicos no mercado, como opções orgânicas e veganas.
Assim, o colegiado proveu o recurso da União e da Abia, validando o decreto de 2003 e confirmando que a obrigatoriedade de rotulagem se aplica apenas quando a presença de OGMs ultrapassa o limite de 1%.
LEILOEIROS NÃO PODEM EXERCER ATIVIDADE EMPRESARIAL FORA DA PROFISSÃO
A 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) manteve a decisão que destituiu um leiloeiro oficial de suas funções, pela participação na condição de sócio ou procurador de sociedade empresarial, nos termos do art. 36 do Decreto n. 21.981/1932.
Consta nos autos que o apelante atuou como representante legal de seu filho, que era menor incapaz e um dos sócios de determinadas empresas, além de ter participado como procurador de sociedades estrangeiras de outras companhias.
Ao analisar o caso, o relator, desembargador federal Antônio Scarpa, ressaltou que a profissão de leiloeiro é regulamentada pelo Decreto n. 21.981/1932, que atribui às juntas comerciais a competência para fiscalizar a atuação dos leiloeiros, bem como impor penalidades e multas conforme os artigos 16, 17 e 18.
O magistrado também destacou o art. 36 do Decreto n. 21.981/1932, que estabelece proibições ao profissional da área, sob pena de destituição, ao exercer o comércio, direta ou indiretamente, em seu nome ou em nome alheio, bem como constituir sociedade de qualquer espécie ou denominação.
Dessa forma, o desembargador concluiu que o afastamento do apelante está devidamente fundamentado e baseado na legislação vigente, que prevê a penalidade de destituição da função em razão das atividades desempenhadas nas empresas.
Assim, o Colegiado, por unanimidade, negou provimento à apelação, nos termos do voto do relator.
Santarém-PA, 08 de novembro de 2024.