COLUNA AFA JURÍDICA (05-12-2024)
STF SUSPENDE LEI ESTADUAL QUE SIMPLIFICA LICENÇA AMBIENTAL PARA USO DE AGROTÓXICO
O Supremo Tribunal Federal confirmou decisão liminar do ministro Flávio Dino que suspendeu a validade de normas do Ceará que permitem a concessão de licenciamento ambiental simplificado em atividades e empreendimentos com baixo potencial poluidor que utilizem agrotóxico. A decisão foi tomada por maioria dos votos, na sessão virtual finalizada no dia 26 de novembro, em Ação Direta de Inconstitucionalidade.
De acordo com a decisão, a emissão da licença ambiental exige prévia autorização da retirada de vegetação e do uso de recursos hídricos, além de aprovação municipal e legal.
A ação foi proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) contra a Lei estadual 18.436/2023, que estabeleceu novos procedimentos ambientais simplificados por autodeclaração para empreendimentos e atividades com baixo potencial poluidor que melhorem a qualidade de vida da população. A norma, ao modificar lei anterior, retirou a obrigação, por exemplo, da entrega do Relatório de Acompanhamento e Monitoramento Ambiental (Rama).
O ministro Flávio Dino destacou que a nova legislação incluiu entre os procedimentos ambientais simplificados atividades com uso de agrotóxico, o que não estava previsto na lei anterior (14.882/2011). A seu ver, a análise da possibilidade de licenciamento simplificado para atividades como cultivo de flores, plantas ornamentais, projetos agrícolas de sequeiro e irrigação deve levar em conta o risco de danos à saúde e o respeito à função socioambiental da propriedade.
Dino destacou que, em geral, a Constituição Federal não permite a dispensa do licenciamento ambiental para atividades que possam poluir ou degradar o meio ambiente. Também afirmou que não é aceitável, sob a justificativa de simplificação, criar procedimentos que possam reduzir indevidamente o dever do poder público de proteger o meio ambiente.
Acompanharam esse entendimento a ministra Cármen Lúcia e os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Cristiano Zanin, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso.
O ministro Gilmar Mendes divergiu parcialmente e foi seguido pelos ministros André Mendonça, Dias Toffoli e Nunes Marques.
PEDIDO INFORMAL DE DADOS DO COAF VIOLA DIREITOS E JURISPRUDÊNCIA DE STF E STJ
As comunicações entre o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e integrantes do Ministério Público ou da polícia só podem ser feitas por meios formais, conforme determina a jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
Mesmo assim, a troca informal de dados entre órgãos continua frequente, o que viola direitos dos cidadãos e diminui a qualidade das investigações, segundo especialistas no assunto ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.
Em depoimento prestado a senadores na Comissão Parlamentar de Inquérito das Bets, em 26 de novembro, o delegado de Polícia Civil do Distrito Federal Erik Salum explicou que, em grandes investigações, autoridades policiais falam diretamente com servidores do Coaf.
“O Coaf gera o relatório de inteligência financeira (RIF) automaticamente se tiver até 800 comunicações. Se tiver acima de 800 comunicações, o sistema automático trava, de tanta comunicação que é. Aí o delegado precisa ligar (para o Coaf) e falar: ‘Olha, me dá uma ajuda aqui, me direciona, para eu tentar selecionar o que você quer’.”
Os especialistas ouvidos pela ConJur dizem que esse tipo de comunicação direta entre delegado e analista do Coaf é ilegal. O criminalista Pierpaolo Cruz Bottini, professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP), ressalta que o Plenário do STF já deixou claro que qualquer comunicação entre autoridades e Coaf deve ser formal e pelos meios institucionais existentes (Recurso Extraordinário 1.055.941). “Os ministros foram taxativos em rechaçar pedidos informais de dados”, disse o advogado.
Na ocasião, o STF aprovou a seguinte tese (Tema 990 de repercussão geral):
1) É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF (Unidade de Inteligência Financeira, nome antigo do Coaf) e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil, que define o lançamento do tributo, com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional;
2) O compartilhamento pela UIF e pela RFB, referente ao item anterior, deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios.
De acordo com Bottini, é preciso aprovar com urgência um marco legal para o tratamento de dados no campo da segurança pública. “As lacunas que hoje existem geram insegurança para os cidadãos e para as autoridades, que têm dificuldade para definir suas estratégias de atuação diante de regras imprecisas e interpretadas de maneira contraditória pelo Judiciário.”
JUÍZA CONDENA POR MÁ-FÉ ADVOGADOS QUE INDUZIRAM TRABALHADOR A AJUIZAR AÇÕES CONTRA EMPRESA
A juíza Thereza Cristina Nahas, da 2ª Vara do Trabalho de Itapecerica da Serra (SP), condenou por litigância de má-fé os advogados de um homem que foi captado como cliente depois de ser demitido da empresa em que trabalhava. Os causídicos, de diferentes escritórios, procuraram o homem e o induziram a ajuizar ações trabalhistas contra a ex-empregadora. Eles basearam as procurações para os processos em fotos de assinaturas enviadas por WhatsApp.
Na decisão, consta que o autor foi procurado por bancas que prometeram que, se ele entrasse na Justiça contra a empresa, poderia receber determinados valores. O autor disse que nunca teve contato com os advogados e que passou por meio do aplicativo seus dados pessoais e fotografias de um papel em que escreveu o nome.
Ao analisar um requerimento do homem para incluir em uma ação o reconhecimento de adicional de insalubridade, a juíza descobriu que o mesmo pedido já havia sido feito em outro processo, com o mesmo autor, em que outro advogado atuava.
“O caso dos autos espanta”, escreveu a juíza. “O instrumento de procuração juntado, segundo afirma o autor, é resultado do envio apenas da assinatura e alguns escritos para conferência de letra, que os advogados pediram ao autor que enviasse pelo WhatsApp, fato este que torna no mínimo duvidosa a sua credibilidade.”
“A declaração do trabalhador de que não sabe o que é uma procuração, tendo nos dois autos que correm neste juízo e que ele figura da condição de autor assusta e preocupa”, completou a julgadora.
Thereza Nahas citou na fundamentação a recomendação do Conselho Nacional de Justiça, publicada em outubro, que orienta a identificação, o tratamento e a prevenção da litigância predatória. O conselho editou o texto a partir de um crescimento desse tipo de ação, que gera prejuízos para os autores e inunda artificialmente o Judiciário.
“O Poder Judiciário tem recebido inúmeras demandas que são distribuídas pelo uso indiscriminado do uso abusivo de um direito e por uma advocacia predatória que macula a classe e afronta os advogados que exercem suas funções públicas com toda a diligência e responsabilidade que a profissão requer”, escreveu a juíza.
Ela argumentou que os advogados “tiveram participação na prática do ato de litigância de má-fé a partir do momento em que ajuizaram ação quando ao que consta não foi o cliente quem procurou o escritório de advocacia, mas, o contrário, o escritório de advocacia é quem foi atrás do cliente e, sem mesmo conhecer os fatos, lhe teria prometido êxito na demanda que deveria interpor”.
Thereza Nahas condenou o autor e os advogados a pagarem indenização à empresa ré, multa por litigância predatória (artigo 793-C da CLT) e os honorários dos advogados da parte contrária, todos arbitrados em 10% do valor da causa. Ela determinou ainda que a subseção de Itapecerica da Serra da OAB, a OAB-SP, a corregedoria do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Grande São Paulo e litoral paulista) e os Ministérios Públicos do Trabalho estadual e federal sejam oficiados da decisão.
MARCO CIVIL DA INTERNET: RELATOR CONSIDERA INCONSTITUCIONAL EXIGÊNCIA DE ORDEM JUDICIAL PARA RETIRADA DE CONTEÚDO
O Supremo Tribunal Federal (STF) continuou a julgar, nesta quarta-feira (4), os Recursos Extraordinários (REs) 1037396 e 1057258, que tratam da responsabilidade civil das plataformas da internet por conteúdos de terceiros e a possibilidade de remoção de material ofensivo, a pedido dos ofendidos, sem a necessidade de ordem judicial.
A controvérsia é sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), que exige ordem judicial prévia e específica de exclusão de conteúdo para a responsabilização civil de provedores, websites e gestores de redes sociais por danos decorrentes de atos ilícitos praticados por terceiros.
Dando continuidade a seu voto, iniciado na sessão de 28/11, o ministro Dias Toffoli afirmou que esse modelo de responsabilidade é inconstitucional pois, desde sua edição, foi incapaz de oferecer proteção efetiva aos direitos fundamentais em ambientes virtuais. Além disso, a seu ver, a norma não está apta a enfrentar os riscos sistêmicos surgidos nesses ambientes a partir de novas tecnologias e modelos de negócios e de seus impactos nas relações econômicas, sociais e culturais.
O relator reiterou seu entendimento de que a regra atual dá imunidade às empresas, que somente podem ser responsabilizadas civilmente se descumprirem uma ordem judicial para retirada de conteúdo. Para ele, a responsabilização é um importante mecanismo de desestímulo de condutas ilícitas. “Vivemos em um mundo de violência digital que o artigo 19 acoberta”, afirmou.
Toffoli afirmou que, caso seu voto prevaleça, a responsabilização das plataformas por conteúdos de terceiros deverá se basear no artigo 21 do Marco Civil, que prevê a retirada do conteúdo após simples notificação. Em relação aos blogs, Toffoli defendeu que eles sejam submetidos à Lei 13.188/2015, que trata do direito de resposta aplicado às empresas jornalísticas, e não ao Marco Civil da Internet.
O ministro considera que as plataformas de busca devem ser responsabilizadas inclusive por anúncios falsos que, segundo ele, aparecem com mais destaque que os das empresas verdadeiras. Em seu entendimento, da mesma forma que conseguem identificar as preferências dos consumidores, as plataformas poderiam identificar publicidade falsa e contribuir para reduzir fraudes.
Segundo Toffoli, a violência na internet ultrapassa o mundo virtual e produz efeitos no mundo real. Ele destacou que diversos ataques a escolas, com vítimas fatais, e à democracia, como os atos golpistas de 8/1, foram previamente anunciados em redes sociais ou em grupos públicos e canais abertos de mensagem “sem que nenhum desses serviços tomasse alguma atitude para bloquear”.
O julgamento prosseguirá na sessão de quinta-feira (5), com o voto do ministro Toffoli. Em seguida, o ministro Luiz Fux, relator do RE 1057258, apresentará seu voto.
REMIÇÃO DA PENA POR APROVAÇÃO NO ENEM TAMBÉM É POSSÍVEL PARA PRESO COM PRÉVIA FORMAÇÃO SUPERIOR
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que a conclusão do ensino superior antes do início do cumprimento da pena não impede a remição pelo estudo quando o preso obtém aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Com esse entendimento, a turma rejeitou um recurso especial do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) contra a decisão do Tribunal de Justiça local que admitiu a remição de pena pela aprovação no Enem, no caso de um apenado que já tinha ensino superior completo. Para o tribunal, a aprovação no exame exige esforço individual e estudo autodidata, mesmo para aqueles que, fora do sistema prisional, já possuíam a formação de nível universitário.
Ao recorrer ao STJ, o MPMS sustentou que não seria cabível conceder o desconto da pena nessas condições, pois é presumível que o condenado já possuísse os conhecimentos necessários para ser aprovado no exame e não foi comprovado que ele tenha se dedicado aos estudos durante sua permanência no presídio.
O MPMS argumentou que conceder a remição nesses casos pode desvalorizar o trabalho educacional desenvolvido no sistema penitenciário, que tem como foco possibilitar a conclusão do ensino médio para apenados sem essa formação. Alegou, ainda, que a remição por estudo visa à ressocialização por meio da aquisição de conhecimentos inéditos, condizentes com a realidade educacional do apenado antes de sua entrada no sistema prisional.
O ministro Ribeiro Dantas, relator do recurso, apontou que a possibilidade de redução do tempo de cumprimento da pena para condenados em regime fechado ou semiaberto, por meio de trabalho ou estudo, está prevista no artigo 126 da Lei de Execução Penal (LEP). O magistrado enfatizou que, conforme a jurisprudência do STJ, é admissível uma interpretação analógica desse dispositivo para favorecer o preso, permitindo a aplicação da remição na hipótese de atividades que, embora não explicitamente previstas na lei, atendam ao objetivo de ressocialização.
O relator ressaltou que a Resolução 391/2021 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) assegura o direito à remição ao apenado que, mesmo não participando de atividades regulares de ensino, estuda por conta própria e obtém aprovação em exames nacionais que certificam a conclusão do ensino fundamental ou médio. Sobre essa questão, o ministro lembrou que a Terceira Seção do STJ, ao julgar os EREsp 1.979.591, firmou o entendimento de que é possível a remição pela aprovação no Enem, mesmo que o reeducando já tenha concluído o ensino médio antes de iniciar o cumprimento da pena.
Santarém-PA, 05 de dezembro de 2024