COLUNA AFA JURÍDICA (06-12-2024)
É POSSÍVEL AFASTAR A PRESUNÇÃO DE CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL, REAFIRMA STJ
Em atenção aos interesses da vítima e à necessidade de proteção da criança fruto de relacionamento, é possível afastar a presunção do crime de estupro de vulnerável nos casos de relação sexual com pessoa menor de 14 anos.
Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial do Ministério Público de Santa Catarina e manteve a absolvição de um homem por, aos 20 anos, relacionar-se com uma menina de 13.
A votação foi por maioria de votos, conforme a posição do relator, ministro Joel Ilan Paciornik. Ele confirmou a absolvição, conforme decidiu o Tribunal de Justiça de Santa Catarina na apelação. Ficou vencida a ministra Daniela Teixeira.
O tema é sensível porque, de acordo o artigo 217-A do Código Penal, conjunção carnal com menor de 14 é presumivelmente crime. E, conforme o próprio STJ, o consentimento da vítima ou sua experiência sexual anterior não afasta a tipificação da conduta.
Ainda assim, de maneira excepcionalíssima, tem livrado acusados em hipóteses específicas, em que não existe proveito social na condenação do réu — distinção tão rara que, na 5ª Turma, representa menos de 2% dos casos de estupro de vulnerável julgados.
No caso dos autos, o relacionamento entre réu, à época com 20 anos, e vítima, de 13, foi descoberto quando ela foi a uma farmácia comprar teste de gravidez. O Conselho Tutelar foi notificado, fez boletim de ocorrência e obteve medida protetiva.
Essa medida não foi respeitada pelo casal, que continuou se encontrando com a aprovação da família da vítima. Já durante a instrução probatória, a mãe noticiou que a filha estava grávida. E, no momento da sentença, os dois mantinham relacionamento, embora sem morar juntos.
Esse contexto levou à absolvição na sentença, o que foi confirmado pelo TJ-SC. A corte estadual entendeu que não houve efetiva lesão ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal.
A vítima não se encontrava em situação de vulnerabilidade, tampouco teve sua dignidade sexual violada, já que tinha discernimento acerca dos atos sexuais praticados e seu consentimento.
Segundo Paciornik, esse entendimento encontra amparo na jurisprudência do STJ, que, analisando casos concretos, mantém a absolvição diante das peculiaridades que envolvem o interesse da vítima e do filho.
“Apesar da ausência de convívio entre agravado e vítima sob o mesmo teto ao tempo da instrução criminal, é inegável que persistiu o relacionamento com registro da gravidez, a possibilitar a distinção feita pelas instâncias ordinárias”, concluiu.
PROCEDIMENTO PARA AVERIGUAR DENÚNCIA ANÔNIMA NÃO JUSTIFICA ACIONAR COAF, DECIDE STJ
A instauração de notícia-crime em verificação (NCV) — procedimento para averiguar uma denúncia anônima — não pode justificar pedido de informações da Polícia Federal ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), sob pena de violação do Tema 990 de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal.
Esse foi o entendimento do ministro Messod Azulay Neto, do Superior Tribunal de Justiça, para trancar inquérito contra um empresário acusado de integrar uma grupo de brasileiros e russos dedicado à lavagem de dinheiro com recursos de crimes praticados no exterior e com uso de criptomoedas.
A decisão foi provocada por Habeas Corpus em que a defesa sustentou que os agentes da Polícia Federal solicitaram informações ao Coaf quando não havia procedimento formal de investigação instaurado e sujeito a controle jurisdicional.
A defesa lembrou que, no julgamento do AgRg no RHC 187.335/PR, pela 5ª Turma do STJ, foi decidido que a elaboração de relatório de inteligência financeira (RIF) pelo Coaf é incompatível com etapas preliminares de verificação de denúncias. Também sustentou que, se não é possível em NCV expedir sequer uma intimação para ouvir testemunhas, também não é possível requisitar dados financeiros sensíveis e protegidos por sigilo.
O Ministério Público se manifestou pelo provimento do HC e trancamento do inquérito policial.
Ao analisar o caso, o ministro apontou que o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal estabelece a garantia de publicidade e imparcialidade em atos judiciais. O magistrado explica que, embora o dispositivo constitucional esteja relacionado a atos proferidos pelo Judiciário, ele também deve ser respeitado na esfera administrativa.
“Mister salientar que a autoridade policial exerce parcela do poder estatal e, mesmo dentro das peculiaridades do inquérito policial, possui o dever de motivar os seus atos a fim de viabilizar o posterior controle de legalidade e legitimidade, seja na esfera administrativa ou judicial, conforme o caso”, registrou Azulay Neto.
O julgador também lembrou que a Lei 9.784/99 impõe a necessidade de motivação de atos administrativos nos seus artigos 2º e 50. Diante disso, ele declarou a nulidade do despacho da autoridade policial que determinou a obtenção dos dados de inteligência financeira do réu e determinou o trancamento da ação penal.
NORMA DA ANS SOBRE PLANOS DE SAÚDE É VISTA COM CETICISMO E PODE PIORAR JUDICIALIZAÇÃO
A resolução da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) sobre cancelamento de planos de saúde, que entrou em vigor no último domingo (1º/12), foi recebida com ceticismo por advogados e outros especialistas que atuam no campo da saúde no Judiciário. Isso porque a norma, que altera as condições para que as operadoras cancelem os contratos, não altera substancialmente o problema e ainda pode incrementar a judicialização do tema, que já é imensa.
A norma estabelece que o consumidor pode ter seu contrato cancelado somente no caso do não pagamento de duas mensalidades (não necessariamente consecutivas). Antes, no caso dos planos coletivos, a regra da ANS determinava que o cancelamento unilateral poderia ser feito em casos de inadimplência por um período superior a 60 dias, consecutivos ou não. Na prática, isso abria a possibilidade para que as operadoras cancelassem planos por causa de apenas uma mensalidade atrasada.
Outro ponto alterado é que a notificação do cliente poderá ser feita pessoalmente, por carta registrada com aviso de recebimento (AR) ou por meios digitais. Segundo o texto publicado, “cabe à operadora a comprovação inequívoca da notificação sobre a situação de inadimplência” (artigo 5º).
Pela resolução, no caso de a mensalidade deixar de ser cobrada por erro da operadora, o prazo não poderá ser utilizado pela empresa para cancelar o contrato.
Em nota divulgada na terça-feira (3/12), a ANS afirmou que as novas regras valem para todos os contratos firmados desde janeiro de 1999, e não só para os que foram assinados depois da entrada em vigor da resolução. A agência também explicou que, para fins de punição às operadoras, o cumprimento dessas regras será observado a partir de 1º de fevereiro do ano que vem.
EMPRESAS COM NOMES SEMELHANTES PODEM SER REGISTRADAS NA MESMA LOCALIDADE DESDE QUE POSSUAM RAMOS DE ATUAÇÃO DISTINTOS
A 12ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), de forma unânime, deu provimento à apelação de uma empresa que atua na extração de minérios e comércio de produtos químicos contra a sentença que julgou improcedente o seu pedido que objetivava a proteção do seu nome comercial mediante o arquivamento de atos constitutivos na Junta Comercial do Estado de Rondônia. O juiz sentenciante entendeu que os atos da instituição não poderiam ser arquivados porque existia outra empresa com nome semelhante já registrada na localidade.
A relatora do caso, juíza federal convocada Carina Cátia Bastos de Senna, destacou que, embora os nomes empresariais compartilhem semelhanças, os elementos adicionais e as atividades distintas tornam as empresas suficientemente diferenciáveis. A apelante atua em mineração, produtos químicos e commodities agrícolas, enquanto a outra empresa trabalha no varejo de peças automotivas e serviços de manutenção de veículos.
Essa divergência de ramos econômicos elimina o risco de confusão entre os consumidores, respeitando o princípio da especificidade. “Resta clara a impossibilidade de serem feitas quaisquer confusões entre uma empresa destinada, primordialmente, à exploração de atividade de extração e comércio de minérios e produtos químicos com outra sociedade destinada a vender, no varejo, peças e acessórios para veículos automotores, além de serviços de manutenção e reparação de automóveis, caminhões, ônibus e outros veículos pesados”, sustentou a magistrada.
Citando jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a relatora destacou que a proteção de nomes comerciais e marcas não exige novidade absoluta, mas deve considerar o segmento de atuação, reforçando que a especificidade impede confusão. Assim, o voto da relatora foi no sentido de determinar que a Junta Comercial do Estado de Rondônia (JUCER) proceda ao arquivamento da extensão da denominação social da autora, reformando a decisão de origem.
CÂMARA APROVA PROJETO QUE PREVÊ PUNIÇÃO PARA CRIMES DE VIOLÊNCIA PROCESSUAL CONTRA A MULHER
A Câmara dos Deputados aprovou nesta quinta-feira (5) projeto de lei que tipifica o crime de violência processual contra a mulher, com pena de reclusão de 6 meses a 2 anos e multa. O texto será enviado ao Senado.
De autoria da deputada Maria do Rosário (PT-RS), o Projeto de Lei 1433/24 foi relatado pela deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP), que apresentou um substitutivo.
O novo crime tipificado é caraterizado como a atitude de, em processo judicial ou administrativo, questionar ou expor injustificadamente a mulher vítima de violência por razões da condição de mulher, envolvendo sua vestimenta, comportamento ou qualquer outro aspecto com a intenção de gerar humilhação ou exposição pública.
Para a deputada Maria do Rosário, apesar de avanços como o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero, lançado em 2021 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ainda é possível testemunhar “debates judiciais amplamente explorados pela mídia nos quais mulheres vítimas de violências de gênero são expostas, desqualificadas, constrangidas, humilhadas e responsabilizadas pelas violências sofridas em razão de estereótipos de gênero”.
Segundo a deputada Sâmia Bomfim, não se pode “admitir que o Poder Judiciário seja acionado de forma abusiva para intimidar, constranger ou conseguir vantagem indevida baseando-se em estereótipos e preconceitos pelo simples fato de outra parte ser do sexo feminino”.
o Código de Processo Penal, o projeto inclui dispositivo para determinar ao juiz que declare a perda do direito de questionar presencialmente a vítima se a outra parte utilizar materiais ou teses atentatórias a sua dignidade.
A intenção é evitar que a outra parte tente construir narrativa que leve a alguma vantagem processual em razão de menções à vestimenta, ao comportamento ou a qualquer ação motivada por menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Nessa situação, o juiz deverá determinar o encaminhamento da vítima a sala protegida da qual poderá se comunicar por meio de comunicação eletrônica.
A sala deverá ser devidamente equipada e adequada para assegurar a privacidade e a integridade física e psicológica da vítima. Caberá ao juiz estabelecer as diretrizes e as condições para essa comunicação, assegurando o amplo direito de defesa das partes.
O projeto aprovado também considera litigante de má-fé, sujeito a processo por perdas e danos, aquele que usar do processo judicial ou administrativo para a prática de assédio ou violência contra a mulher.
Santarém-PA, 06 de dezembro de 2024