De quem é a castanha?

Domingo,06 de abril de 2025. Acordo às 5h30 da manhã e faço as abluções matinais. Estou em uma enfermaria em Manaus. Sento no leito hospitalar e zapeio o celular: mais um naufrágio na Amazônia envolvendo um barco em navegação no caudaloso rio Amazonas para as bandas de Breves; milhares em manifestações contra o Trump, nos Estados Unidos; forças orientais se unem – China, Coreia do Sul e Japão dando as mãos em foto histórica que sela a disposição de um enfrentamento político e econômico numa determinação de briga de poderes no Primeiro Mundo. E chego a uma notícia publicada no último dia 4: vai virar lei no Amazonas a mudança do nome da castanha do pará para castanha do amazonas. No silêncio da enfermaria, ocupada por quatro “hóspedes”, pensei: pronto, agora inventaram a roda e atiçaram um formigueiro cultural.

Não sou um especialista na botânica, mas é preciso fazer uma imersão no conhecimento botânico, histórico em esmo etimológico do produto em tela. A amêndoa é rica em vitaminas A, B e E, com concentração também de ômega e em outros nutrientes. Há recomendações de consumo diário para combater e prevenir várias doenças. A concentração vitamínica é grande que duas castanhas apenas correspondem a um ovo em valor nutritivo.Como não pretendo me ater às discussões proteicas e nutritivas do produto, mas apenas estabelecer relação com o pomo da discórdia aqui, não buscarei fundamentar essas informações.

A castanha é fruto da castanheira – uma obviedade, mas com definição própria para este caso. A castanheira, de nome botânico bertholletia excelsa, como expressa o nome latino, é uma gigantesca árvore que pode atingir 60 metros de altura e 5 metros de diâmetro,com vida de mais de 800anos. É madeira de lei concorrida e protegida por decreto federal nº 1.282, de 1994, que proíbe sua derrubada sem autorização pelo órgão ambiental. As castanhas são o conteúdo dos ouriços. Cada ouriço–que caído alto das árvores quando já está maduro – pode ter entre 10 a 25 castanhas, 16, em média.

Historicamente, a castanha, sem a denominação de sua especificidade como substantivo composto, é de prática de cultivo milenar, conforme os estudos arqueobotânicos. Há mais de 11 mil anos se tem informações de que populações indígenas cultivavam o produto não apenas como um produto de subsistência, mas também de princípio cultural. Plantavam as árvores gigantescas ao redor de suas aldeias como uma proteção para garantir frutos para gerações futuras.

O projeto de lei, de autoria do deputado Sinésio Campos (PT), muda o nome de castanha do pará para castanha do amazonas. E faço a distinção na grafia com minúscula e maiúscula para que se entenda melhor o que exponho logo a seguir. Basta agora o jamegão do governador Wilson Lima (União) para a oficialização em seu estado do novo substantivo da castanha, que, na realidade, já vem sendo aplicado há muito tempo numa briga talvez mais bairrista cultural que comercial. Eis o pomo da discórdia.

Assim, a estampa no produto exposto das feiras aos supermercados, ou em outros nichos mercadológicos, será castanha do Amazonas. O parlamentar justifica que o nome de castanha do Pará é uma restrição à produção paraense. Sinésio pretende ir mais adiante. Quer sugerir que cada estado produtor dessa amêndoa adote a mesma medida. Vai levar a proposta debaixo do braço para o Parlamento Amazônico, que reúne 270 parlamentares da região.

Tudo bem quanto à ideia do parlamentar da mudança do nome da castanha pelo viés econômico, mas causa polêmica. Sinésio, tem origem fincada nas minhas raízes também. Nasceu no interior de Santarém, em 1963, com uma diferença de idade de apenas alguns meses. Está no sétimo mandato consecutivo na assembleia amazonense, o que o chancela a pensar em voos mais altos, talvez o Senado Federal nas próximas eleições. É um paraense amazonense. Não sou economista, mas ouso meter o dedo na combuca alheia. A castanha é produzida em todos os estados amazônicos e mesmo em regiões de países pan-amazônicos. A Bolívia mantinha-se como um dos países de maior produção.

A dicotomia que se cria ao redor da nova nomenclatura da amêndoa amazônica é que, se cada estado produtor criar o seu próprio nome, o comércio poderá se restringir ao seu espaço geopolítico. O Amazonas poria em suas prateleiras a “castanha do acre”?, ou “castanha de rondônia”? Dificilmente. Mas, a consequência poderia ser um possível desastre econômico, embora, esse produto comumente seja consumido pela produção interna que abastece suas feiras e mercados em seus estados. Mas, e como ficaria o comércio exterior sem uma referência específica. O comércio exterior faria uma confusão, sem se saber se haveria diferença de origem botânica. Observe-se que eu mantenho a grafia em minúscula. Por quê? Porque se trata de um nome comum, o nome de um produto. Por isso, não é o enaltecimento de um estado em si.

O imbróglio é discussão de raízes bairristas. O nome de castanha do pará foi adotado no período do Grão-Pará, no século 19, em virtude da grande produção dessa amêndoa, que passou a ser exportada, ganhando uma referência de sua origem. A propósito, essa província teve nome maior, Província do Grão Pará e Maranhão. À época não havia a configuração do Amazonas, nem Acre ou outros estados da região. Por isso, o nome de castanha do pará não foi especificamente para enaltecer o Pará, quanto geoestado inexistente à época, mas uma catacrese. O Acre, na época do Chico Mendes, tinha a castanha como o maior pilar do extrativismo. E não se brigava pelo nome.

Para exportação, o governo brasileiro adotou a amêndoa, na década de 1950, como castanha do brasil. E não se ouviu nenhuma polvorosa em torno da questão entre os demais países da Pan-Amazônia. Mas internamente, a medida foi aceita pela referência internacional do produto. Metonímia aceitável. Então, e agora, como fica?Apostas na mesa. Com quem fica a castanha?

Por Ormano Sousa

Mestre em Educação, professor da rede pública estadual de ensino do Pará.

O Impacto

Um comentário em “De quem é a castanha?

  • 6 de abril de 2025 em 18:30
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    Quem quiser ganhar frutos políticos, que segure mais essa peteca ou bola de gude!

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